Helena entrou na sala de descanso das enfermeiras, jogando a bolsa com pressa na cadeira, sua mente ainda agitada pela última situação no hospital. O dia havia sido longo, e ela sabia que o que aconteceu na ala de recuperação entre ela e Rafael não podia continuar. As palavras que haviam trocado, as olhadas carregadas de tensão, tudo isso criava um peso que ela não estava pronta para carregar.
Ela sentou na cadeira, tentando respirar fundo. Mas não demorou muito até que o som de passos firmes a tirasse da tentativa de relaxamento. Ela sabia quem era antes mesmo de vê-lo. A maneira como ele andava, tão confiante, tão dominante. Rafael Moretti não fazia questão de ser discreto. E ali estava ele, na porta da sala de descanso, com seu jaleco perfeitamente ajustado e um olhar que mais parecia avaliar do que cumprimentar. — Enfermeira Ferreira — disse ele, sem rodeios, sua voz baixa e impositiva. — Precisamos conversar. Helena respirou fundo e virou-se para encará-lo, os olhos dele queimando com uma intensidade que ela não estava disposta a enfrentar. O que mais ele queria dela? Estava longe de esquecer o que acontecera na recuperação, mas não estava disposta a ceder. — O que é, Dr. Moretti? — sua voz era mais ríspida do que pretendia, mas ela não queria dar espaço para qualquer tipo de aproximação. — Já passamos o dia inteiro juntos, e se é para mais uma aula sobre como sou inexperiente ou indisciplinada, acho que podemos deixar isso para amanhã. Ele a observou por um momento, aparentemente sem entender o tom que ela havia usado, mas logo se aproximou, as mãos nos bolsos do jaleco. Cada passo parecia mais pesado do que o anterior. — Eu nunca disse que você era inexperiente, Helena. — Ele respirou fundo, como se estivesse tentando controlar sua irritação. — Mas você tem se mostrado uma profissional... impetuosa demais. Sua atitude, sua falta de respeito com os protocolos do hospital... Isso pode colocar vidas em risco. Helena levantou-se imediatamente, o sangue subindo à cabeça. Como ele ousava lhe dar uma lição de moral? Afinal, ele não era mais do que um cirurgião arrogante que se achava dono do hospital. — Eu sou a última pessoa que você precisa me ensinar sobre responsabilidade, Dr. Moretti! — sua voz aumentou. — Quem você pensa que é para me criticar por estar fazendo meu trabalho da melhor maneira possível? Rafael manteve os olhos fixos nela, seu semblante agora tão sério quanto o de um general diante de uma guerra. Ele não estava intimidado, mas havia algo em sua postura que sugeria que, mais uma vez, ele estava testando os limites dela. — Não estou questionando sua dedicação, mas sim a maneira como age sob pressão. E isso está claro para todos aqui. Você está tão ansiosa para ser a heroína do dia que perde a objetividade. — Eu não sou uma "heroína", Rafael, apenas faço o que é necessário. E, se não percebe, é isso que falta a você. Enxergar as pessoas como o que são, não como peças de um tabuleiro em que você pode mover sem se importar com os danos que pode causar. O silêncio se estendeu por um momento, tenso. Eles estavam a centímetros de distância, a cada palavra trocada, as emoções aumentavam. Era como se houvesse uma energia invisível que os unia e os separava ao mesmo tempo. Mas, ao contrário do que Rafael poderia esperar, a briga não estava se acalmando. Pelo contrário. — Você me acha arrogante, não é? — Rafael finalmente disse, em um tom mais baixo, mas ainda com uma firmeza que não podia ser ignorada. Ele se aproximou ainda mais, agora a menos de um passo de distância. — Você acha que eu sou só mais um cirurgião que pensa que sabe tudo. Mas, no fundo, você não faz ideia do que é carregar o peso de vidas nas mãos, Helena. Você não tem ideia do que é viver com a constante pressão de ser perfeito, de não poder errar, de não ter espaço para falhas. Helena sentiu uma onda de indignação misturada com algo mais profundo, algo que ela não queria admitir que estava começando a compreender. Mas ela não ia ceder. Não era isso que ela queria, não era isso que ela precisava. — Então, me diga, Dr. Moretti — ela desafiou, o sarcasmo evidente em sua voz. — O que você quer que eu faça? Seja menos eficiente? Menos comprometida? Menos... humana? Ele fechou os olhos por um segundo, como se estivesse se controlando. Helena podia ver a raiva se transformando em algo mais sombrio, algo que ela não podia ler tão facilmente. Mas o que ele disse a seguir foi como um golpe direto. — Eu só quero que você pare de tentar ser mais do que você é. O que você tem a oferecer é bom o suficiente. Mas você não pode continuar se colocando em situações em que sua integridade, e a dos pacientes, fica em risco. E, para sua informação, o que eu faço... — Ele fez uma pausa e deu um passo atrás. — Não é algo que você entenderia. Aquelas palavras soaram como um desafio, e, por um momento, Helena quis gritar. Quis acusá-lo de tudo o que ele estava tentando esconder de si mesmo, de sua perfeição aparente, da máscara que ele usava para se esconder de seus próprios medos e inseguranças. Mas em vez disso, ela apenas olhou para ele, sentindo o peso da frustração crescer dentro de si. — Sabe, Dr. Moretti... — ela disse, sua voz agora mais calma, mas cheia de uma tensão crescente. — Talvez você esteja certo sobre uma coisa. Eu não entendo como é ser você. Mas eu também não preciso disso. O que preciso é que você me trate como uma igual. Porque, no final, estamos todos no mesmo barco. E não importa o quanto você se esconda atrás dessa fachada de perfeição, todo mundo tem suas falhas. Rafael não respondeu imediatamente. Ele apenas a observou, o olhar intenso, como se estivesse pesando suas palavras. Então, com um suspiro, ele se virou para sair da sala. Mas, antes que a porta se fechasse atrás dele, ele lançou uma última observação, um tanto enigmática, mas com uma nota de admiração que ela não esperava ouvir. — Até mais, Helena. Talvez um dia você entenda o que estou tentando dizer. Helena ficou ali, sozinha na sala de descanso, com o coração batendo rápido, mas a mente ainda fervilhando. Ela sabia que a briga deles estava longe de terminar, e, de certa forma, ela não sabia se estava preparada para os próximos confrontos. Mas uma coisa era certa: ela não estava disposta a deixar Rafael Moretti sair vitorioso dessa batalha. Ela só precisava descobrir qual seria o próximo movimento.O som ritmado dos sapatos de Helena ecoava pelos corredores do hospital como um metrônomo de frustração. Ela caminhava com pressa, o jaleco pendendo de um dos ombros, a prancheta apertada contra o peito. O relógio marcava sete e cinquenta e cinco da manhã — cinco minutos para o início do plantão. Mas o que a incomodava não era o horário.Era ele.Rafael Moretti.Dr. Perfeição, como algumas enfermeiras suspiravam nos corredores. Helena quase revirava os olhos sempre que ouvia os comentários. *“Ele é um gênio”, “Ele nunca erra”, “Você viu como ele segura o bisturi? Parece uma dança”*. Sim, ela já tinha visto. E sim, ele era mesmo tudo aquilo. Mas também era arrogante, controlador, metódico ao ponto de parecer que a humanidade havia sido extraída junto com o apêndice dos pacientes.E ela estava cansada disso.Abriu a porta do vestiário feminino com um empurrão e se jogou no banco de madeira ao lado dos armários. Tirou o jaleco amarrotado da bolsa, esticando-o com raiva antes de vesti-lo.
O silêncio da sala de descanso foi quebrado por um alarme estridente que ecoou pelos corredores como um grito de alerta. Helena levantou o olhar do prontuário que revisava, sentindo o frio familiar escorrer por sua espinha. O som do código vermelho era inconfundível: trauma grave, paciente em estado crítico chegando à emergência.Ela saltou da cadeira, já puxando a touca do bolso do jaleco e prendendo o cabelo com agilidade. Seus passos ecoavam acelerados pelos corredores do hospital enquanto enfermeiros corriam em direções opostas e o rádio no peito de um residente anunciava:— Acidente na rodovia central! Motociclista em politraumatismo, instável! Está a caminho da cirurgia. Tempo estimado: dois minutos.No centro cirúrgico, Rafael Moretti já estava em pé, como se tivesse previsto a chegada. O olhar cortante, a postura ereta, o bisturi já em mãos mesmo antes de vestir a paramentação completa. Quando o residente entrou e deu o relatório, ele nem piscou.— Quero a sala dois pronta em
Helena Ferreira passou pela porta do centro cirúrgico com os nervos à flor da pele. O hospital tinha sido seu novo lar nos últimos seis meses, mas a unidade de cirurgias era um território desconhecido para ela. Ela já tinha lidado com emergências e situações de risco, mas trabalhar ao lado de um cirurgião tão renomado e meticuloso quanto o Dr. Rafael Moretti, com sua reputação impecável, era uma realidade desafiadora.Ela ajustou a máscara sobre o rosto, sentindo o cheiro característico de álcool e antisepsia no ar, e seguiu para a mesa de operações. A sala estava fria, iluminada por lâmpadas fluorescentes que faziam a pele pálida dos pacientes refletir de forma quase fantasmagórica. Helena passou a mão pelos cabelos presos em um coque e olhou para a figura que dominava o ambiente.Dr. Rafael Moretti estava de pé, como uma estátua de pedra, com as mãos cruzadas sobre o peito, observando a equipe se preparar para a cirurgia. Sua postura era rígida, impecável, e seus olhos pareciam afia
Helena não conseguiu tirar Rafael Moretti da cabeça, mesmo após o término da cirurgia. Ela havia entrado naquele centro cirúrgico com a confiança de quem sabe o que está fazendo, mas sair dali com o peso da frustração e da irritação foi algo novo para ela. Ele não havia sido rude, exatamente, mas seu tom autoritário e sua falta de reconhecimento a deixaram desconfortável. Ela estava acostumada a trabalhar com médicos exigentes, mas havia algo no jeito de Rafael que a fazia sentir como se fosse invisível, como se fosse só uma peça no quebra-cabeça da sua grandiosidade.Ela estava no vestiário do hospital, ainda com o avental de cirurgia, lavando as mãos com mais força do que o necessário, tentando descarregar a raiva que começava a se acumular. A água fria estava lhe dando um pouco de alívio, mas a irritação em seu peito não desaparecia. Ao olhar para o espelho, viu o reflexo de si mesma: seus cabelos castanhos, agora molhados, e o olhar cansado. Ela nunca fora de se deixar abalar por