Capítulo 2

Helena não conseguiu tirar Rafael Moretti da cabeça, mesmo após o término da cirurgia. Ela havia entrado naquele centro cirúrgico com a confiança de quem sabe o que está fazendo, mas sair dali com o peso da frustração e da irritação foi algo novo para ela. Ele não havia sido rude, exatamente, mas seu tom autoritário e sua falta de reconhecimento a deixaram desconfortável. Ela estava acostumada a trabalhar com médicos exigentes, mas havia algo no jeito de Rafael que a fazia sentir como se fosse invisível, como se fosse só uma peça no quebra-cabeça da sua grandiosidade.

Ela estava no vestiário do hospital, ainda com o avental de cirurgia, lavando as mãos com mais força do que o necessário, tentando descarregar a raiva que começava a se acumular. A água fria estava lhe dando um pouco de alívio, mas a irritação em seu peito não desaparecia. Ao olhar para o espelho, viu o reflexo de si mesma: seus cabelos castanhos, agora molhados, e o olhar cansado. Ela nunca fora de se deixar abalar por qualquer coisa, mas Rafael tinha o poder de fazê-la questionar tudo que ela acreditava sobre seu próprio controle.

Quando ela finalmente se trocou e estava pronta para sair, alguém bateu na porta com firmeza. Ela hesitou antes de abrir, mas quando a porta se abriu, o rosto de Rafael Moretti apareceu no batente. Ela não teve tempo de esconder o desgosto que sentia por ele.

— Enfermeira Ferreira — disse ele, a voz calma e calculada. — Preciso que me acompanhe até a sala de recuperação. O paciente que operamos hoje pode ter complicações, e você será fundamental para garantir que tudo corra bem.

O tom dele, impessoal, não deixou espaço para uma recusa, mas Helena não podia negar que havia algo em seus olhos. Algo mais humano, mais vulnerável, que a fez sentir uma pontada de curiosidade. Mas ela não se deixaria enganar tão facilmente. Rafael era um enigma, e ela não estava disposta a ser uma de suas peças descartáveis.

— Claro, Dr. Moretti — ela respondeu, tentando manter a voz firme, mas com uma pequena dose de sarcasmo que ele, provavelmente, não perceberia.

Enquanto eles caminhavam pelos corredores do hospital, a tensão no ar era palpável. Helena podia sentir o peso do silêncio, e cada passo ao lado dele parecia aumentar a distância entre os dois. Rafael andava com uma postura impecável, seu traje cirúrgico sempre perfeito, sem nenhum fio de cabelo fora do lugar, uma verdadeira representação de controle e superioridade. Ela, por outro lado, não se importava muito com a perfeição. Ela era eficiente, prática e, quando necessário, direta. Era assim que ela sempre se destacava.

— Você não é o tipo de pessoa que se intimida facilmente, não é? — Rafael perguntou de repente, quebrando o silêncio. Sua voz era fria, mas havia algo de observador nela, como se ele tentasse medir cada palavra que ela dissesse.

Helena olhou para ele, surpresa com a pergunta. Era como se ele estivesse tentando sondá-la de maneira sutil, sem admitir que estava interessado em conhecê-la melhor.

— Não, Dr. Moretti, não sou — ela respondeu, tentando não deixar o tom desafiador escapar. — Não sou fã de jogos de poder. Quando trabalho, estou focada no que importa: salvar vidas.

Ele parou de andar por um momento, e Helena sentiu um calafrio percorrer sua espinha. Ele a encarava, com aquele olhar de quem via mais do que parecia à primeira vista.

— Eu não estou jogando, enfermeira Ferreira. Eu sou assim, não faço concessões, especialmente quando se trata de vidas humanas — ele disse, a intensidade nos olhos revelando algo mais profundo. Talvez fosse a pressão do trabalho ou algum demônio pessoal que ele carregava, mas a maneira como ele disse aquelas palavras fez Helena perceber que Rafael não era apenas um cirurgião perfeccionista. Havia algo mais em sua determinação.

— Eu entendo — ela respondeu, tentando manter a calma. Mas, no fundo, a palavra "concessões" ecoava em sua mente. Ela sabia que ele não aceitava falhas, mas o que ela ainda não sabia era se ele era incapaz de admitir suas próprias fraquezas.

Eles seguiram para a sala de recuperação, onde o paciente estava sendo monitorado. Tudo parecia correr bem até que um sinal nos aparelhos começou a piscar de maneira alarmante. Os dois se aproximaram rapidamente, e Helena, instintivamente, se colocou ao lado de Rafael, suas mãos trabalhando em conjunto para estabilizar a situação.

Enquanto trabalhavam, Helena percebeu algo curioso: apesar de sua postura fria, Rafael tinha uma calma quase desconcertante. Ele tomava decisões rápidas e eficazes, sem hesitação. Ela, por outro lado, era mais impulsiva, mas sabia que sua rapidez de raciocínio e sua experiência eram tão valiosas quanto sua habilidade técnica.

Mas quando a situação foi resolvida e o paciente foi estabilizado, uma tensão inesperada tomou conta da sala. Eles estavam de pé, próximos um do outro, e Helena podia sentir o calor do corpo de Rafael à sua altura. Algo naquele momento parecia diferente. O olhar dele, que antes era apenas analítico, agora parecia mais... intenso. Ela não sabia se era a pressão do momento ou se ele estava reagindo da mesma maneira, mas uma faísca de desejo passou entre eles.

Rafael foi o primeiro a se afastar, quebrando o silêncio com um suspiro que parecia ter sido tirado de seus pulmões.

— Você não é uma enfermeira qualquer, Helena Ferreira — disse ele, o nome dela saindo de seus lábios com uma suavidade inesperada. — Mas cuidado. Pessoas como eu não se deixam envolver. Isso pode ser... perigoso.

Helena olhou para ele, seu coração batendo mais rápido do que deveria. Ela não sabia o que ele queria dizer com isso, mas o que ela sentia era claro: havia algo ali, algo que poderia ser fatal ou transformador. O que ela não podia prever era o quanto suas emoções estariam prestes a se misturar com as linhas tênues entre atração e conflito.

— Eu sei me proteger, Dr. Moretti — respondeu ela, com um sorriso enigmático. Ela se virou para sair da sala de recuperação, mas antes que a porta se fechasse, ela ouviu sua voz mais uma vez.

— Não se proteja demais, Helena. Às vezes, a proteção é o que nos impede de sentir.

Ela parou, a porta ainda aberta, e olhou para ele. O que ele havia dito reverberava em sua mente, e pela primeira vez, ela não sabia se deveria se afastar ou se aproximar. Ela não estava preparada para o que viria, mas uma coisa era certa: a história deles estava apenas começando.

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