Catarina
Por um momento cogitei pedir que repetisse aquelas palavras. Desde que o reencontrei, me peguei lendo aquele bilhete algumas vezes, incrédula que aquele homem que o escreveu, de fato fosse aquele ser a quem eu chamava chefe.
O homem que o escreveu trazia consigo uma admiração que não podia ser ocultada e, agora, sei que ele pode fazer ser assim quiser. Os olhos que ele tanto admirou são os mesmos, diversa no entanto, a natureza da mulher que o leva.
Eu era livre e sem vínculos quando tudo aconteceu e depois que me tornei mãe, me resumo a ser mãe e arquiteta. Resumos demais para aquela mulher que se deixou ser livre junto ao homem com olhos de águia.
Quando finalmente decido encará-lo, depois de a insônia me ter feito companhia, qualquer barreira arduamente construída e toda minha determinação em me afastar, rui.
Como um castelo de cartas, dando vazão ao desejo cru que o instinto predador em nós faz flor
Arthur Ter despertado essa manhã sem precisar sair correndo e deixá-la sozinha na cama mais uma vez, me pareceu um prêmio. Havia muito tempo que estar com alguém não era tão... perfeito. Foi tudo absolutamente perfeito, desde que abri minha boca grande e ela se rendeu ao nosso inevitável reencontro. Por alguns momentos senti como se fossemos destinados a estarmos ali, naquele momento e daquela forma. Ela pegou no sono, exausta, após eu adorar seu corpo das formas mais incríveis que eu pude. Mas eu não. Eu não quis dormir tão cedo, avançando pela madrugada admirando seus traços na penumbra. Seu semblante pacífico me presenteava com um sorriso besta que não saía da minha cara. Em algum momento, achei frágil o nosso contato e a puxei para que se deitasse em meu peito. Ela veio, sem reservas e como se fosse comum me utilizar como porto seguro. Assim que o primeiro sinal de claridade despontou pela janela, enviei uma
Catarina Parabéns Catarina Assis. Você dormiu com um homem comprometido que aparentemente não possui nenhum remorso em trair a namorada. Nenhum mesmo e cada partezinha do meu corpo me confirma isso. Eu estava disposta a fingir que nada aconteceu ou que foi um deslize. Interagiria com ele profissionalmente e tentar não me sentir a pior das mulheres da face da terra. Aquela que dá trela ao pior homem. Toda minha determinação ruiu quando fui obrigada a encarar a mulher quase se jogando em cima de Arthur, completamente perdido em nos ver no mesmo ambiente. De novo. Mas também, o que você queria, Catarina? Resolveu ter um momento "recordar é viver" com um homem que você flagrou aos beijos com outra. Se for mais tonta do que isso, desiste da vida, amada! Ultraje maior foi ele ter saído claramente puto comigo da minha casa hoje de manhã quando eu resolvi ter uma crise de consciência. O que ele esperava
Arthur Estar àquelas horas sozinho, me deu tempo suficiente para pensar. Tive um jantar com a observadora Odeth que logo suspeita quando algo está acontecendo. Joguei qualquer desculpa no trabalho, mas logo tudo ruiu quando Rebeca me mandou uma mensagem. Não tem como não sorrir feito um besta, com uma coisa linda daquelas me convidando para jantar de uma forma tão fofa. Eu agora tenho usado muito a palavra fofa. Acabei contando sobre a filha da minha cooperadora, sem mencionar nosso parentesco. Vovó até ouviu, mas seu objetivo era mesmo a mãe. Perguntou a idade, o nome, estado civil, tempo que trabalha comigo e que gostaria de conhecê-la, pois parece ser uma moça muito agradável. Ela concluiu isso sem eu nada dizer sobre a pessoa de Catarina, apenas porque a filha é um encanto. Ela acha que não entendi o caminho de suas intenções. Mas o que me balançou, logo após isso, foi o fato de que a direção da imaginação inventiva
Catarina O sábado está ensolarado e perfeito para uma ida ao parque, pegar o máximo de vitamina D possível e gastar um pouco da energia da Rebeca. Ela tenta se equilibrar em sua bicicletinha, enquanto me chama para exibir sua proeza. Maria Emília e Joaquim nós acompanharam, já que nós mamães teremos folga essa noite. Camila optou em dormir como merece, pois sono é a última coisa que quer sentir essa noite. Nós mães sabemos conviver com o sono como se fosse um segundo filho. Inconscientemente encaro a tela do meu celular pela terceira vez em uns minutos. – Está esperando alguma ligação urgente? – Não, por quê? – Talvez porque a tela parece muito interessante? – Flagrei Rebeca mandando um áudio para ele hoje cedo. Essa coisa da senha do celular ser um desenho já não me parece tão útil. Sorte que descobri a tempo de apagar antes que ele ouvisse. – O que ela disse de tão terrível?
Arthur Quando eu vi a indicação de que uma mensagem enviada por Catarina tinha sido apagada, me senti estranho. Na verdade, a sensação está em mim desde ontem, quando minha avó saiu a arrastando consigo pelos corredores da Ferraço. Logo após eu bancar o chefe. Ok, eu sou o chefe. Um confuso, puto e estranho chefe que queria ter lido a mensagem apagada. E que tratou o pedido de desculpas dela como um belo nada, apenas não tornando a situação ainda muito pior porque Dona Odeth interveio. Passei a tarde encarando o celular, na esperança de que ela mudasse de ideia e me mandasse seja o que tivesse escrito. Cogitei que a mensagem fosse de Rebeca. Alguma recomendação sobre o jantar. Um pedido. Ou apenas um bom dia do solzinho. Mas faz sentido, não é? A mãe preservar sua filha do contato com o chefe sem coração. Minha intenção era agora abordar meu parentesco com a menina, mas me parece tão errado. Eu t
Arthur– Olha aqui! – Sua voz arrastada soa engraçada, mas me mantenho sério, enquanto ela extravasa. – Aqui. – Seu dedo indicador aponta para baixo, como se ela tentasse se fazer compreender de todas as formas possíveis. – Aqui você não é meu chefe! Hoje você não é leão. – Oi? Leão? Isso é novo para mim. – Não adianta ficar de longe todo imponente feito numa águia me olhando. Aliás, um pavão. Um bonito e azul pavão. Todo mundo ama ver, mas aqui, comigo não.Qual é a lógica do reino animal?– Tudo bem. Beba a água e depois pode fingir que não estou aqui.– Não quero, porque vou ficar querendo o caos. Prefiro ficar só felizzzz.– Ninguém quer o caos, Catarina. Apenas água. Por favor,
CatarinaAbro os olhos e por alguns segundos tenho certeza de que estou vivendo o apocalipse. Os sons ecoam e posso afirmar que pessoas estão voando enquanto são arrebatadas.Eu provavelmente estou em uma descida cavalar para o inferno, enquanto o tridente do capeta espeta minha cabeça sem dó, ao mesmo tempo em que me dá pequenas doses de enxofre para beber.Sim, com certeza é isso.O enjoo vem tão forte, que apenas ouço coisas serem derrubadas pelo caminho, enquanto tento alcançar meu banheiro. Ótimo!Não era o apocalipse. Apenas meus órgãos entraram em revolução e exigem emancipação do meu corpo. Essa teoria também me parece plausível.Alcanço a descarga, quando ouço uma leve batida na porta e a única voz que eu definitivamente não imaginava ouvir nesse exato momento.– Catarina, está tudo bem?Arthur?Eu não respondo, certa de que é alucinação, o que me leva a terceira teoria. Estou doente
Catarina Para uma manhã que tinha todos os indícios de ser vergonhosa, quis o destino incansável no seu trabalho de me surpreender, que eu fosse honesta sobre o que realmente estou sentindo. Assim, sem medo. Confesso que a Catarina de dois anos atrás me jogaria no chão para uma surra de realidade que eu até posso compreender. Arthur e eu não nos impusemos rótulos para o que estamos vivendo, apenas vivemos. Para uma pessoa constantemente acostumada com planos, a surpresa tem sido grata companhia. Arthur é um pouco mais entregue ao acaso do que eu, acredita na sorte e no inesperado. Ele diz que o destino deve possuir certo suspense, para que nossa vida não seja absolutamente tediosa. Sou o exato oposto, mas temos lidado bem com nossas diferenças. Ele tem se habituado a fazer mais planos e eu a deixar as coisas um pouco mais livres. Foi na liberdade da minha embriaguez que nos entendemos e nã