Arthur
Estar àquelas horas sozinho, me deu tempo suficiente para pensar. Tive um jantar com a observadora Odeth que logo suspeita quando algo está acontecendo. Joguei qualquer desculpa no trabalho, mas logo tudo ruiu quando Rebeca me mandou uma mensagem.
Não tem como não sorrir feito um besta, com uma coisa linda daquelas me convidando para jantar de uma forma tão fofa. Eu agora tenho usado muito a palavra fofa.
Acabei contando sobre a filha da minha cooperadora, sem mencionar nosso parentesco. Vovó até ouviu, mas seu objetivo era mesmo a mãe. Perguntou a idade, o nome, estado civil, tempo que trabalha comigo e que gostaria de conhecê-la, pois parece ser uma moça muito agradável.
Ela concluiu isso sem eu nada dizer sobre a pessoa de Catarina, apenas porque a filha é um encanto. Ela acha que não entendi o caminho de suas intenções. Mas o que me balançou, logo após isso, foi o fato de que a direção da imaginação inventiva
Catarina O sábado está ensolarado e perfeito para uma ida ao parque, pegar o máximo de vitamina D possível e gastar um pouco da energia da Rebeca. Ela tenta se equilibrar em sua bicicletinha, enquanto me chama para exibir sua proeza. Maria Emília e Joaquim nós acompanharam, já que nós mamães teremos folga essa noite. Camila optou em dormir como merece, pois sono é a última coisa que quer sentir essa noite. Nós mães sabemos conviver com o sono como se fosse um segundo filho. Inconscientemente encaro a tela do meu celular pela terceira vez em uns minutos. – Está esperando alguma ligação urgente? – Não, por quê? – Talvez porque a tela parece muito interessante? – Flagrei Rebeca mandando um áudio para ele hoje cedo. Essa coisa da senha do celular ser um desenho já não me parece tão útil. Sorte que descobri a tempo de apagar antes que ele ouvisse. – O que ela disse de tão terrível?
Arthur Quando eu vi a indicação de que uma mensagem enviada por Catarina tinha sido apagada, me senti estranho. Na verdade, a sensação está em mim desde ontem, quando minha avó saiu a arrastando consigo pelos corredores da Ferraço. Logo após eu bancar o chefe. Ok, eu sou o chefe. Um confuso, puto e estranho chefe que queria ter lido a mensagem apagada. E que tratou o pedido de desculpas dela como um belo nada, apenas não tornando a situação ainda muito pior porque Dona Odeth interveio. Passei a tarde encarando o celular, na esperança de que ela mudasse de ideia e me mandasse seja o que tivesse escrito. Cogitei que a mensagem fosse de Rebeca. Alguma recomendação sobre o jantar. Um pedido. Ou apenas um bom dia do solzinho. Mas faz sentido, não é? A mãe preservar sua filha do contato com o chefe sem coração. Minha intenção era agora abordar meu parentesco com a menina, mas me parece tão errado. Eu t
Arthur– Olha aqui! – Sua voz arrastada soa engraçada, mas me mantenho sério, enquanto ela extravasa. – Aqui. – Seu dedo indicador aponta para baixo, como se ela tentasse se fazer compreender de todas as formas possíveis. – Aqui você não é meu chefe! Hoje você não é leão. – Oi? Leão? Isso é novo para mim. – Não adianta ficar de longe todo imponente feito numa águia me olhando. Aliás, um pavão. Um bonito e azul pavão. Todo mundo ama ver, mas aqui, comigo não.Qual é a lógica do reino animal?– Tudo bem. Beba a água e depois pode fingir que não estou aqui.– Não quero, porque vou ficar querendo o caos. Prefiro ficar só felizzzz.– Ninguém quer o caos, Catarina. Apenas água. Por favor,
CatarinaAbro os olhos e por alguns segundos tenho certeza de que estou vivendo o apocalipse. Os sons ecoam e posso afirmar que pessoas estão voando enquanto são arrebatadas.Eu provavelmente estou em uma descida cavalar para o inferno, enquanto o tridente do capeta espeta minha cabeça sem dó, ao mesmo tempo em que me dá pequenas doses de enxofre para beber.Sim, com certeza é isso.O enjoo vem tão forte, que apenas ouço coisas serem derrubadas pelo caminho, enquanto tento alcançar meu banheiro. Ótimo!Não era o apocalipse. Apenas meus órgãos entraram em revolução e exigem emancipação do meu corpo. Essa teoria também me parece plausível.Alcanço a descarga, quando ouço uma leve batida na porta e a única voz que eu definitivamente não imaginava ouvir nesse exato momento.– Catarina, está tudo bem?Arthur?Eu não respondo, certa de que é alucinação, o que me leva a terceira teoria. Estou doente
Catarina Para uma manhã que tinha todos os indícios de ser vergonhosa, quis o destino incansável no seu trabalho de me surpreender, que eu fosse honesta sobre o que realmente estou sentindo. Assim, sem medo. Confesso que a Catarina de dois anos atrás me jogaria no chão para uma surra de realidade que eu até posso compreender. Arthur e eu não nos impusemos rótulos para o que estamos vivendo, apenas vivemos. Para uma pessoa constantemente acostumada com planos, a surpresa tem sido grata companhia. Arthur é um pouco mais entregue ao acaso do que eu, acredita na sorte e no inesperado. Ele diz que o destino deve possuir certo suspense, para que nossa vida não seja absolutamente tediosa. Sou o exato oposto, mas temos lidado bem com nossas diferenças. Ele tem se habituado a fazer mais planos e eu a deixar as coisas um pouco mais livres. Foi na liberdade da minha embriaguez que nos entendemos e nã
Arthur Meu pai sempre teve o péssimo costume de ter pequenos casos com mulheres muito mais novas que não estão interessadas no seu bom coração, senão no rico dinheiro. O amor acaba no dia em que descobrem que meu pai não pretende se casar. Não mais. O choque inicial de vê-lo justamente com Diana foi logo suplantado quando a vozinha de Rebeca pôde ser ouvida por todos naquele estacionamento. Uma profusão de informações aconteceu ali naquele momento e eu não soube lidar. Sequer posso partilhar com Catarina, sem prepará-la antes. Meu pai sempre achou que eu um dia faria qualquer coisa para realizar meu sonho de me casar, inclusive aceitar Carolina. Nossos pais tiveram negócios em comum no passado, que eu logo limei assim que assumi a presidência. Um negócio que se escora em alianças arcaicas nunca consegue prosperar. Mas a feição de meu pai ao analisar Catarina e supor que estamos juntos foi a pior.
Arthur Partimos ao anoitecer e enfrentando um aeroporto agitado, pois essa época é de alta temporada no sul do país. Pessoas em busca de frio, boa comida e paisagens paradisíacas para usufruírem a dois ou em família, como é meu caso. Família. Sinto uma vibração gostosa quando penso em nós três dessa forma, sem que pareça errado. A cada dia, o sentimento de deslealdade para com Guilherme ameniza, pois se fosse ao contrário, onde eu estivesse torceria para que meu irmão tivesse a sorte de tê-las em sua vida. – Tio “Atú”! Olha! – Rebeca me mostra as luzes da cidade ficando cada vez menores, enquanto ganhamos o céu. – É pisca-pisca, mamãe? – Não, meu bem. São as casinhas muito longe de nós, lá no chão. – A gente não cai? – Não, somos pequenos voadores de metal agora. – Aviso, tentando deixar a situação extraordinária para que ela não tenha medo. Achamos graça quando sua boquinha se a
CatarinaAcho que toda mãe alguma vez já passou uma vergonha épica com sua cria. É quase uma das funções, que se elas tivessem manual, estaria muito bem explicada.Muitas vezes, Rebeca já me questionou acerca de um pai e sempre pareceu aceitável a resposta de que ela era tão especial que tinha uma supermãe. Eu sei que ao longo da minha vida outras perguntas igualmente difíceis virão. Eu sei que esse momento não foi nada, perto do dia em que eu tiver que lhe contar sobre Roberta.E que ainda assim eu não sei quem foi seu pai.Apesar do pedido da minha irmã, jamais pensei eu fingir que ela não existiu na vida da nossa pequena. Rebeca é nossa filha e enquanto ela a gestou, eu a gerei no meu coração.Mas não podia fazer isso enquanto Beca não possui entendimento, pois nã