Sulux

Os passos de Gus, Val e Demetris ecoavam pela cozinha enquanto o trio se afastava para dar privacidade a Alex e seus conhecidos. Mayara fez um gesto para que os dois homens que a acompanhavam removessem o capuz. O da direita deveria estar próximo aos seus cinquenta anos, mas sua armadura prateada e seu porte ereto o revelavam como um cavaleiro ou algum militar de posto elevado. Mas eu duvido muito que um militar usaria uma armadura dessas. O homem a esquerda deveria ser um cavaleiro também, trajava uma armadura quase idêntica a do primeiro homem e sendo uns dez centímetros mais alto que ele e muito mais jovem.

Merda! Algo me diz que minhas férias estão para acabar mais cedo do que eu gostaria.

- Primeiro deixe-me apresenta-los a você - disse Mayara apontando para os dois homens - estes são Sir Eduardo e Sir Willian - depois ela apontou para Alex e disse - este é o tenente Alex Wolgast do 7° batalhão.

- Sir’s - Alex cumprimentou os dois homens e depois se virou para Mayara - o que você esta fazendo aqui, "tenente"?

Por todos os Deuses, que isso não tenha a ver com algum serviço.

- Acho melhor eu explicar isso - interveio Sir Eduardo, o mais velho dos dois cavaleiros. Isso, explique mesmo - Tenente Alex, eu fui informado que o senhor sabe como entrar sem ser percebido nas Montanhas Cinzentas, o senhor confirma isso?

- Sim, confirmo - respondeu Alex erguendo uma de suas sobrancelhas. Com uma ajudinha especial - mas o que isso tem… - antes que pudesse terminar a frase o cavaleiro continuou.

- Eu tenho uma ordem escrita aqui pelo seu capitão junto ao alto escalão do exercito e com a aprovação do lorde local para que o senhor e seus homens partam em uma missão de extrema urgência.

Merda, mil vezes merda.

O tenente lançou um rápido olhar para Mayara antes de dizer suas próximas palavras. Uma ordem tanto militar quanto política significava algo muito sério e algo sério era tudo o que Alex não queria naquele momento.

Certo, com calma agora.

- Sir, desculpe se serei um pouco insensível, mas meus homens acabaram de entrar em um período de férias, não posso pedir para que voltem ao serviço sem um bom motivo e só por curiosidade, porque você não vai nessa missão? – perguntou se virando para Mayara – alguns de seus homens sabem o caminho.

- A tenente Mayara estará partindo para se juntar a seu capitão em Aks'Laban - a voz de Sir Eduardo começava a demonstrar o cansaço que ele estava tendo para se manter em uma conversa no meio da noite após um longo dia de cavalgada.  O quão urgente é esse assunto para vocês se desgastarem tanto assim? – e de lá partirão para o Forte Norte.

Epa, Forte Norte? O que o Forte mais bem guardado do norte tem a ver com isso?

Se Alex achava que não poderia se surpreender com mais nada naquela noite, estava enganado e as palavras do cavaleiro o fizeram perder a compostura por alguns segundos.

- Pronto, agora estou incomodado, me digam logo o que esta acontecendo - apontou para Mayara – nosso batalhão deve se manter sempre próximo a Aks'Laban, o que aconteceu para estarmos sendo mandados para a fronteira ao norte?

- Recebemos relatos de que patrulheiros estão sendo mortos por lá – respondeu a tenente de maneira desanimada. - Não só o 7º batalhão como qualquer unidade sobressalente nesse condado serão enviados para guarnecer o Forte.

Merda, merda, lá se vão as férias.

- O rei dos exilados esta agindo? - perguntou num sussurro.

- Não sabemos – respondeu Sir Willian falando pela primeira vez desde o momento que tinha entrado na taverna – mas são poucos os que ousariam nos atacar, ainda mais tão perto do Forte.

Poucos? O que não falta é inimigos para aqueles lados.

- Sua missão tenente, será descobrir se eles estão por trás disso ou não – completou Sir Eduardo – e informar as tropas no Forte para que possamos decidir o que fazer em seguida.

- Devo levar todos os meus homens? - Alex já começava a fazer planos para a viagem, ele sabia que precisaria fazer um desvio para se encontrar com seu "guia" particular, mas isso só lhe daria o atraso de um dia no máximo.

Tom não vai gostar nada disso.

- Não só todos os seus homens – disse Mayara – como nossos dois amigos aqui irão com vocês.

Carga extra, isso vai ser uma dor de cabeça.

Alex abriu a boca para fazer um protesto, mas antes que falasse foi interrompido por Sir Eduardo que começou a explicar o motivo da presença dele e de Sir Willian na viajem. Eles passaram um bom tempo conversando sobre as ordens que Alex teria que cumprir e sobre o que estava acontecendo naquele momento. Uma hora após o início da conversa Alex se retirou para seus aposentos para poder descansar para a viagem que faria no dia seguinte.

Que os deuses me ajudem.

*

O som gerado pela forte pancada na porta fez com que Jaerg despertasse de seu sonho e ao girar tentando sair da cama acabou indo parar de cara no chão. Que porra. Os gêmeos Awerm já estavam acordados e se arrumando, o jovem soldado se levantou com um olhar confuso no rosto.

- Se arrume logo, Jaerg- disse Fred (ou era Fram?). Enquanto não colocassem suas armas era impossível saber quem era quem.

- O que esta acontecendo? - perguntou o jovem após um bocejo.

- As férias acabaram - respondeu Fram, desta vez Jaerg distinguiu quem era quem quando viu a espada ser colocada no flanco esquerdo do gêmeo - estamos indo em uma missão urgente, se arrume.

Só pode ser brincadeira. Mas quando ouviu o barulho de passos apressados vindo do corredor achou melhor escutar os gêmeos.

Soltando um xingamento, Jaerg começou a pegar suas coisas e arruma-las para a viagem, em poucos minutos os três já estavam prontos. O jovem verificou a espada na bainha e então olhando para os irmãos que devolveram o olhar com um aceno rápido decidiu sair do quarto.

O movimento no corredor era constante, soldados iam e viam saindo de seus quartos e voltando em seguida para verificar se não tinham se esquecido de nada, os três olharam mais uma vez para o quarto certificando-se de que não tinham esquecido nada.

Sempre bom ter certeza de que não esqueci nada de útil.

Quando conseguiram passar pelo corredor e chegar até o salão da taverna o trio se deparou com mesas prontas para o desjejum. Bown que estava sentado em uma mesa perto da lareira com Andy e mais um jovem soldado ao lado fez um sinal para que o trio se juntasse a eles.

- Comam rapazes. Parece que teremos uma longa viajem pela frente - disse o sargento abocanhando um pedaço de pão com geleia em seguida.

Os três garotos fizeram o que lhe tinha sido dito e começaram a comer, Jaerg cumprimentou Andy e quando se virou para cumprimentar o segundo soldado ele hesitou por um momento. Que merda, tinha que ser logo ele? Sentando ao seu lado estava Combre. Um jovem soldado orgulhoso e metido que poucos membros do batalhão gostavam. Na verdade, ninguém gostava dele no batalhão, mas existiam aqueles que o toleravam. E eu não estou entre esses. Jaerg acabou cumprimentando o companheiro por pura etiqueta e então começou a comer.

Combre era alto, atlético e possuía uma cabeleira castanha clara. Seus olhos escuros fitavam todos que não fossem um oficial com desprezo como se ele fosse superior aos outros e isso fazia Jaerg se lembr que Combre vinha de uma família de mercadores. Era o terceiro filho e por isso o pai o tinha mandado para uma escola militar já que o segundo e o primeiro tinham lugares garantidos na companhia do pai.

Bown explicou aos garotos o que eles iriam fazer, pelo menos explicou o que tinha lhe sido dito. O grupo iria em uma missão de reconhecimento nas montanhas para verificar se estava tudo em ordem. Ou seja, muito frio pela frente. Dois cavaleiros iriam acompanhar o grupo e no caminho para o norte teriam que passa na forja do tio Tom.

Que nome ridículo. Quem será esse Tom?

Jaerg percebeu que Andy não estava prestando atenção na coversa e estranhou porque dentre eles era a que mais se importava com os detalhes. Ele acompanhou a linha de visão dela até Dem, o jovem loiro atendia as mesas perto do balcão levando comida e bebida para os famintos soldados. Você deve estar muito chateada, em Andy. Nessa hora Jaerg percebeu o brilho do aço quando o tenente entrou no salão acompanhado de mais dois homens trajando armaduras de placa de ferro.

- ATENÇÂO! - bradou Bown se levantando, todos os soldados o imitaram e se voltaram para Alex em posição de sentido.

- Obrigado, sargento - Alex caminhou até o meio do salão deixando os dois homens que estavam acompanhando ele parados ao lado do balcão. Pelo visto o tenente não ficou anda contente com essa missão - recebemos uma ordem para verificarmos um problema ao norte. Eu sei que vocês estão de mal humor por terem de fazer esse serviço em suas férias, mas fui informado de que serão devidamente recompensados quando isso acabar. Vocês têm vinte minutos até partimos, sargento, eu estou indo falar com o ancião, quero vê-los prontos quando eu voltar   

- Eles estarão, senhor - afirmou Bown e então completou - TERMINEM DE COMER SEUS MOLENGAS, quero todos do lado de fora em quinze minutos.

Não eram vinte?

Todos os soldados voltaram a se sentar e atacaram a comida diante deles. Eles sabiam que em uma viagem ao norte qualquer coisa poderia acontecer. Isso também significava que aquele poderia ser o último desjejum decente que eles tinham e essa ideia foi o bastante para redobrar o apetite dos soldados.  

***

O dia estava claro e os moradores de Sulux caminhavam sem pressa enquanto faziam seus afazeres. Alex saiu da Espada Dourada acompanhado dos dois cavaleiros que estavam praticamente trajados para a guerra. Espero que não estejamos indo para uma. O tenente caminhou pela rua de barro que levava até a praça da cidade. Enquanto passava ele observava o dia a dia dos moradores, homens carregando lenha, mulheres com cestos de roupas e comida, alguns comerciantes passando por aqui ou por ali e as crianças que corriam de um lado para o outro em meio a suas brincadeiras inocentes.

Bons tempos esses. Alex sorria enquanto observava as crianças. Sem preocupações, sem responsabilidades. Eu os invejo agora.

A residência do ancião de Sulux. Aquele que liderava de certo modo os habitantes nas questões mais importante ficava no centro da aldeia e era um enorme edifício de dois andares feito de blocos cúbicos cinzentos de algum minerio que Alex desconhecia.

Uma casa boa o suficiente para um nobre.

A primeira coisa estranha que o tenente percebeu enquanto se aproximava da residência foi a presença de dois guardas milicianos, da defesa pessoal da aldeia. Alex saudou os guardas e eles devolveram a saudação com um aceno de cabeça. Os dois tinham mais de trinta anos, eram veteranos da última guerra e Alex os reconheceu com facilidade.

- O ancião se encontra, Selgar? - a pergunta foi feita para o mais velho dos dois guardas. Selgar era um homem grande e careca de sorriso fácil enquanto seu companheiro Thelis era alguns anos mais novo possuia uma cabeleira castanha escura desgrenhada que era sua marca registrada.

- Ele esta em uma reunião com Douglas - respondeu o guarda - precisa falar algo importante com ele?

- De certo modo - ponderou o tenente. Merda, aquele metido do Douglas tinha que vir logo hoje? - Dê meus cumprimentos a ele, infelizmente eu e meus homens teremos que partir mais cedo do que imaginávamos.

- Tão cedo? - indagou Thelis surpreso - pensávamos que vocês ficariam mais algumas semanas.

- Nós também, mas o dever nos chama - com um sorriso ele acenou para os dois guardas e começou a se afastar, naquela mesma hora ele viu uma figura conhecida em meio aos moradores que vinha em sua direção montada em um cavalo.

- Pensei que você já tinha ido - ele disse cumprimentando a recém-chegada.

- Estamos indo agora - respondeu polidamente Mayara fazendo um sinal com a cabeça em direção a um grupo de soldados montados a cavalo na entrada da aldeia, então ela disse seria - sempre vigilante.

- E eternamente vitoriosos - completou Alex igualmente serio, aquele era o lema do 7° batalhão - se cuide tenente.

- Você também - Mayara fez um sinal de cumprimento para Sir Edmundo e Sir Willian e então virou o cavalo indo em direção aos seus soldados.

Alex se deixou ficar parado por um momento observando a velha amiga se afastar. Ele sentiu um calafrio subir-lhe a espinha, algo que não sentia desde aos tempos de guerra, esperava que aquilo não fosse um mal sinal sobre o que os esperava nas montanhas.

Só minha imaginação me pregando alguma peça.

Eu espero.

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