Capítulo 2: A primeira conversa

Chegando em casa penso que hoje foi como atravessar uma tempestade que parecia não ter fim, porém, encontrei abrigo; mas não o alívio. Assim que fechei a porta atrás de mim, o silêncio do meu pequeno apartamento pareceu envolver tudo, se misturando ao vazio que eu sentia. O cansaço emocional pesava tanto quanto o físico. Cada centímetro do meu corpo parecia pedir para desabar, e foi exatamente o que fiz. Me permiti finalmente sentir tudo o que, durante o dia, tinha segurado por entre sorrisos e palavras trocadas. O peso da carta de minha mãe e a notícia sobre a morte de Hector Saratoneli me atingiram como um murro, e eu chorei até adormecer, afogada no misto de perda, revelação e incerteza.

Na manhã seguinte, ao me olhar no espelho, minha face inchada e meus olhos vermelhos eram testemunhas da noite sem paz que eu havia passado. Eu sabia que teria que enfrentar outro dia no café, mas nada me preparava para o que estava por vir. Com um suspiro, vesti meu uniforme e segui, tentando me manter forte.

A manhã seguia devagar, e o movimento do café me ajudava a distrair a mente — até que Giorgio apareceu. Ele chegou mais uma vez com aquele charme casual, mudando o ambiente com sua presença e, por alguma razão, ele parecia perceber que algo estava errado.

— Elena — sua voz suave chamou minha atenção, enquanto eu terminava de limpar o balcão. — Está tudo bem?

Hesitei por um momento, sem saber se devia dividir meu tormento com ele. Mas havia algo no olhar de Giorgio, uma sinceridade que me fez querer abrir um pouco daquela armadura que eu insistia em vestir.

— Tive uma noite difícil, mas estou bem. Só… — tentei explicar, mas as palavras falharam antes mesmo de eu terminar a frase. Então, sorri de leve, tentando parecer mais tranquila do que realmente estava.

Ele observou-me com cuidado, como se pudesse enxergar além do sorriso ensaiado.

— E que tal eu preparar um café para você, então? — Giorgio sugeriu, seus olhos brilhando com uma gentileza que eu não esperava. Antes que eu pudesse responder, ele já estava atrás do balcão, preparando uma bebida especial, algo que parecia ser importante para ele.

Quando ele me entregou a xícara, o aroma doce e envolvente parecia ecoar sua intenção.

— Tome. Esse é um segredo da casa. Só faço para clientes muito especiais — ele disse, com um sorriso que fez meu coração acelerar.

Senti o rosto esquentar ligeiramente, mas mantive a expressão controlada, como sempre. Por mais que ele despertasse um interesse que eu não podia ignorar, eu não deixava minha guarda baixar com facilidade. Com um leve sorriso, dei um gole e me surpreendi com o sabor; era diferente, e quase reconfortante.

— Bom… — disse, buscando um tom neutro para disfarçar meu entusiasmo. — É realmente muito bom.

Giorgio sorriu, mantendo seu olhar fixo no meu. Ele se aproximou e se sentou na cadeira ao meu lado, com uma naturalidade que me deixou mais alerta.

— Sabe, Elena, às vezes as coisas ficam mais fáceis quando não estamos sozinhos. Nem sempre temos que carregar tudo em silêncio — ele falou, de maneira leve, mas com um toque de cuidado.

O interesse e a gentileza em suas palavras me desarmaram, ainda que eu tentasse manter certa distância. Eu me vi considerando a possibilidade de abrir um pouco do que estava acontecendo, mas um instinto de cautela falava mais alto.

— É… talvez. — Abaixei o olhar para a xícara, ainda incerta sobre como reagir. — Mas tem coisas que ficam melhor guardadas, acho.

Giorgio não insistiu, e isso, de algum modo, fez crescer meu interesse por ele. Havia algo nele que parecia compreender meus limites sem precisar ultrapassá-los.

— Entendo. Nem todo mundo gosta de se abrir. — Ele apoiou os cotovelos na mesa e acrescentou, com um sorriso suave: — Mas se precisar de uma distração ou uma boa conversa, sabe onde me encontrar.

A maneira como ele disse aquilo foi sutil, sem forçar nada, e senti algo se mexer dentro de mim. Talvez houvesse mais entre nós do que a simples troca de olhares e café, mas ainda era cedo para eu deixar minha confiança se entregar tão facilmente.

— Obrigada, Giorgio. Vou me lembrar disso. — Falei de forma casual, tentando ignorar o sorriso que surgia em meus lábios.

Enquanto ele se levantava para ir embora, eu o observei, ainda me sentindo dividida entre meu interesse crescente e minha necessidade de manter o controle. Giorgio tinha conseguido me tocar de uma maneira inesperada, e, mesmo que a confiança não viesse fácil, a curiosidade estava ali, crescendo, enquanto o via sair pela porta.

Assim que ele se foi, a realidade voltou a me envolver, pesada e inexplicável. A carta, a morte de Hector... toda aquela verdade sobre ele ser meu pai não saía da minha cabeça. Qual deveria ser meu próximo passo? Procurar o Adoneli Group? Me esconder? Eu não tinha respostas para nenhuma das perguntas que ecoavam em minha mente. Mas havia uma coisa da qual eu me lembrava: minha mãe gostaria que eu fosse forte neste momento.

Ao chegar em casa à noite, soltei um longo suspiro cansado e me deixei cair no pequeno sofá. Peguei o notebook e comecei a pesquisar tudo sobre Hector Saratoneli e sua empresa. Dizer "meu pai" ainda soava estranho, quase amargo, na minha mente. Nunca tive qualquer envolvimento com ele, e agora, inexplicavelmente, ele me deixa algo? Passei horas lendo notícias e relatórios, mergulhada em uma avalanche de informações sobre o império Saratoneli, até que, exausta, acabei adormecendo ali mesmo, no sofá.

Na manhã seguinte, a luz do sol invadiu a sala, iluminando as sombras da noite e me acordando de um sono perturbador. A claridade do dia parecia quase irônica, contrastando com a turbulência em meu coração. Olhei para o relógio e um pânico imediato tomou conta de mim — estava atrasada para o trabalho. Justo hoje, dia da entrega dos novos grãos de café, um dia importante para a cafeteria!

Troquei de roupa às pressas, puxando a camiseta e os jeans, sentindo a adrenalina disparar em cada segundo que passava. A porta de casa se fechou atrás de mim com um baque, e desci os lances de escada correndo, cada passo ecoando como um lembrete de que o tempo não parava. O elevador, naquele momento, parecia uma armadilha lenta, como se estivesse me zombando.

Quando finalmente cheguei ao térreo, um frio na barriga me atingiu ao perceber que tinha esquecido de colocar o colar da minha mãe. Aquela peça, que sempre me trazia uma sensação de proteção, agora parecia uma parte essencial de mim que havia deixado para trás. Um pressentimento sombrio tomou conta de mim; algo lá no fundo me dizia que o dia não se desenrolaria bem.

Abracei a minha bolsa contra o peito, tentando acalmar a ansiedade que crescia a cada passo. Enquanto corria em direção ao café, os pensamentos se aglomeravam na minha mente, como uma tempestade à espera de um raio. O que mais poderia dar errado hoje? E se a entrega não chegasse a tempo? E, mais importante, como eu enfrentaria o dia sem o colar que me conectava à minha mãe? A expectativa de um dia que já começava de forma tão conturbada me deixava sem ar.

Depois de duas horas de intensa correria e preocupação, tudo finalmente voltou ao ritmo normal. A entrega dos grãos chegou no horário certo, os clientes estavam animados e risonhos como sempre, e o aroma de café preenchia o ar de maneira acolhedora. Como de costume, Giorgio apareceu para tomar seu café, mas desta vez estava acompanhado de um amigo, um homem que eu já tinha visto no café algumas vezes, mas cujo nome eu não conhecia.

Giorgio se aproxima do balcão com aquele sorriso confiante e faz seu pedido, incluindo também o do amigo ao seu lado. Ele se vira para mim e diz:

— Elena, este é Lorenzo.

Lorenzo apenas sorri e inclina a cabeça em um cumprimento cordial, mas seus olhos não têm a mesma curiosidade que os de Giorgio. A atenção dele parece estar em outro lugar.

— Prazer, Elena — diz Lorenzo, com uma expressão amigável, mas sem muita empolgação.

Troco um rápido cumprimento, sentindo um leve rubor tomar conta das minhas bochechas. Lorenzo se mostra amigável, mas parece mais interessado em observar o ambiente do que em mim.

Os pedidos ficam prontos, e, antes de se afastar, Giorgio dá um passo à frente. Ele se inclina levemente na minha direção, o olhar intenso prendendo o meu. Com um tom suave, mas seguro, ele diz:

— Elena, eu adoraria convidá-la para um jantar.

Suas palavras me pegam de surpresa, e meu coração dispara. Por um instante, fico sem palavras, sem saber como responder. O que ele poderia ver em mim que o levava a me fazer esse convite? A presença dele é imponente e misteriosa, e a curiosidade desponta em mim, acompanhada de uma leve insegurança.

— Um jantar? — murmuro, tentando manter a voz firme, mas um sorriso nervoso acaba escapando dos meus lábios.

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