Chegando em casa penso que hoje foi como atravessar uma tempestade que parecia não ter fim, porém, encontrei abrigo; mas não o alívio. Assim que fechei a porta atrás de mim, o silêncio do meu pequeno apartamento pareceu envolver tudo, se misturando ao vazio que eu sentia. O cansaço emocional pesava tanto quanto o físico. Cada centímetro do meu corpo parecia pedir para desabar, e foi exatamente o que fiz. Me permiti finalmente sentir tudo o que, durante o dia, tinha segurado por entre sorrisos e palavras trocadas. O peso da carta de minha mãe e a notícia sobre a morte de Hector Saratoneli me atingiram como um murro, e eu chorei até adormecer, afogada no misto de perda, revelação e incerteza.
Na manhã seguinte, ao me olhar no espelho, minha face inchada e meus olhos vermelhos eram testemunhas da noite sem paz que eu havia passado. Eu sabia que teria que enfrentar outro dia no café, mas nada me preparava para o que estava por vir. Com um suspiro, vesti meu uniforme e segui, tentando me manter forte.
A manhã seguia devagar, e o movimento do café me ajudava a distrair a mente — até que Giorgio apareceu. Ele chegou mais uma vez com aquele charme casual, mudando o ambiente com sua presença e, por alguma razão, ele parecia perceber que algo estava errado.
— Elena — sua voz suave chamou minha atenção, enquanto eu terminava de limpar o balcão. — Está tudo bem?
Hesitei por um momento, sem saber se devia dividir meu tormento com ele. Mas havia algo no olhar de Giorgio, uma sinceridade que me fez querer abrir um pouco daquela armadura que eu insistia em vestir.
— Tive uma noite difícil, mas estou bem. Só… — tentei explicar, mas as palavras falharam antes mesmo de eu terminar a frase. Então, sorri de leve, tentando parecer mais tranquila do que realmente estava.
Ele observou-me com cuidado, como se pudesse enxergar além do sorriso ensaiado.
— E que tal eu preparar um café para você, então? — Giorgio sugeriu, seus olhos brilhando com uma gentileza que eu não esperava. Antes que eu pudesse responder, ele já estava atrás do balcão, preparando uma bebida especial, algo que parecia ser importante para ele.
Quando ele me entregou a xícara, o aroma doce e envolvente parecia ecoar sua intenção.
— Tome. Esse é um segredo da casa. Só faço para clientes muito especiais — ele disse, com um sorriso que fez meu coração acelerar.
Senti o rosto esquentar ligeiramente, mas mantive a expressão controlada, como sempre. Por mais que ele despertasse um interesse que eu não podia ignorar, eu não deixava minha guarda baixar com facilidade. Com um leve sorriso, dei um gole e me surpreendi com o sabor; era diferente, e quase reconfortante.
— Bom… — disse, buscando um tom neutro para disfarçar meu entusiasmo. — É realmente muito bom.
Giorgio sorriu, mantendo seu olhar fixo no meu. Ele se aproximou e se sentou na cadeira ao meu lado, com uma naturalidade que me deixou mais alerta.
— Sabe, Elena, às vezes as coisas ficam mais fáceis quando não estamos sozinhos. Nem sempre temos que carregar tudo em silêncio — ele falou, de maneira leve, mas com um toque de cuidado.
O interesse e a gentileza em suas palavras me desarmaram, ainda que eu tentasse manter certa distância. Eu me vi considerando a possibilidade de abrir um pouco do que estava acontecendo, mas um instinto de cautela falava mais alto.
— É… talvez. — Abaixei o olhar para a xícara, ainda incerta sobre como reagir. — Mas tem coisas que ficam melhor guardadas, acho.
Giorgio não insistiu, e isso, de algum modo, fez crescer meu interesse por ele. Havia algo nele que parecia compreender meus limites sem precisar ultrapassá-los.
— Entendo. Nem todo mundo gosta de se abrir. — Ele apoiou os cotovelos na mesa e acrescentou, com um sorriso suave: — Mas se precisar de uma distração ou uma boa conversa, sabe onde me encontrar.
A maneira como ele disse aquilo foi sutil, sem forçar nada, e senti algo se mexer dentro de mim. Talvez houvesse mais entre nós do que a simples troca de olhares e café, mas ainda era cedo para eu deixar minha confiança se entregar tão facilmente.
— Obrigada, Giorgio. Vou me lembrar disso. — Falei de forma casual, tentando ignorar o sorriso que surgia em meus lábios.
Enquanto ele se levantava para ir embora, eu o observei, ainda me sentindo dividida entre meu interesse crescente e minha necessidade de manter o controle. Giorgio tinha conseguido me tocar de uma maneira inesperada, e, mesmo que a confiança não viesse fácil, a curiosidade estava ali, crescendo, enquanto o via sair pela porta.
Assim que ele se foi, a realidade voltou a me envolver, pesada e inexplicável. A carta, a morte de Hector... toda aquela verdade sobre ele ser meu pai não saía da minha cabeça. Qual deveria ser meu próximo passo? Procurar o Adoneli Group? Me esconder? Eu não tinha respostas para nenhuma das perguntas que ecoavam em minha mente. Mas havia uma coisa da qual eu me lembrava: minha mãe gostaria que eu fosse forte neste momento.
Ao chegar em casa à noite, soltei um longo suspiro cansado e me deixei cair no pequeno sofá. Peguei o notebook e comecei a pesquisar tudo sobre Hector Saratoneli e sua empresa. Dizer "meu pai" ainda soava estranho, quase amargo, na minha mente. Nunca tive qualquer envolvimento com ele, e agora, inexplicavelmente, ele me deixa algo? Passei horas lendo notícias e relatórios, mergulhada em uma avalanche de informações sobre o império Saratoneli, até que, exausta, acabei adormecendo ali mesmo, no sofá.
Na manhã seguinte, a luz do sol invadiu a sala, iluminando as sombras da noite e me acordando de um sono perturbador. A claridade do dia parecia quase irônica, contrastando com a turbulência em meu coração. Olhei para o relógio e um pânico imediato tomou conta de mim — estava atrasada para o trabalho. Justo hoje, dia da entrega dos novos grãos de café, um dia importante para a cafeteria!
Troquei de roupa às pressas, puxando a camiseta e os jeans, sentindo a adrenalina disparar em cada segundo que passava. A porta de casa se fechou atrás de mim com um baque, e desci os lances de escada correndo, cada passo ecoando como um lembrete de que o tempo não parava. O elevador, naquele momento, parecia uma armadilha lenta, como se estivesse me zombando.
Quando finalmente cheguei ao térreo, um frio na barriga me atingiu ao perceber que tinha esquecido de colocar o colar da minha mãe. Aquela peça, que sempre me trazia uma sensação de proteção, agora parecia uma parte essencial de mim que havia deixado para trás. Um pressentimento sombrio tomou conta de mim; algo lá no fundo me dizia que o dia não se desenrolaria bem.
Abracei a minha bolsa contra o peito, tentando acalmar a ansiedade que crescia a cada passo. Enquanto corria em direção ao café, os pensamentos se aglomeravam na minha mente, como uma tempestade à espera de um raio. O que mais poderia dar errado hoje? E se a entrega não chegasse a tempo? E, mais importante, como eu enfrentaria o dia sem o colar que me conectava à minha mãe? A expectativa de um dia que já começava de forma tão conturbada me deixava sem ar.
Depois de duas horas de intensa correria e preocupação, tudo finalmente voltou ao ritmo normal. A entrega dos grãos chegou no horário certo, os clientes estavam animados e risonhos como sempre, e o aroma de café preenchia o ar de maneira acolhedora. Como de costume, Giorgio apareceu para tomar seu café, mas desta vez estava acompanhado de um amigo, um homem que eu já tinha visto no café algumas vezes, mas cujo nome eu não conhecia.
Giorgio se aproxima do balcão com aquele sorriso confiante e faz seu pedido, incluindo também o do amigo ao seu lado. Ele se vira para mim e diz:
— Elena, este é Lorenzo.
Lorenzo apenas sorri e inclina a cabeça em um cumprimento cordial, mas seus olhos não têm a mesma curiosidade que os de Giorgio. A atenção dele parece estar em outro lugar.
— Prazer, Elena — diz Lorenzo, com uma expressão amigável, mas sem muita empolgação.
Troco um rápido cumprimento, sentindo um leve rubor tomar conta das minhas bochechas. Lorenzo se mostra amigável, mas parece mais interessado em observar o ambiente do que em mim.
Os pedidos ficam prontos, e, antes de se afastar, Giorgio dá um passo à frente. Ele se inclina levemente na minha direção, o olhar intenso prendendo o meu. Com um tom suave, mas seguro, ele diz:
— Elena, eu adoraria convidá-la para um jantar.
Suas palavras me pegam de surpresa, e meu coração dispara. Por um instante, fico sem palavras, sem saber como responder. O que ele poderia ver em mim que o levava a me fazer esse convite? A presença dele é imponente e misteriosa, e a curiosidade desponta em mim, acompanhada de uma leve insegurança.
— Um jantar? — murmuro, tentando manter a voz firme, mas um sorriso nervoso acaba escapando dos meus lábios.
Ao meu redor, o café parece se desfocar e, por um instante, é como se estivéssemos apenas Giorgio e eu, imersos em um mundo só nosso. Tento recuperar a compostura, mas o convite inesperado e a intensidade no olhar dele me fazem esquecer, ao menos por um momento, das preocupações.Ele sorri com confiança e pergunta, em tom baixo:— E então, Elena… aceita o convite?Respiro fundo, tentando disfarçar o nervosismo.— Sim… aceito o convite — respondo, deixando escapar um sorriso que mistura curiosidade e uma leve insegurança.Giorgio sustenta o olhar, os olh
— Vou aceitar isso como um elogio! E você está muito elegante esta noite — comentei, admirando Giorgio, enquanto entrava no carro.Já dentro do carro, Giorgio sorriu com um brilho divertido nos olhos e comentou:— Obrigado, Elena. Com uma companhia como a sua, a elegância é quase uma exigência.Enquanto a cidade de Milão se desenrolava diante de nós, iluminada pelas luzes cintilantes que refletiam a vida noturna vibrante, o clima era leve, mas minha mente estava repleta de pensamentos conflitantes. O jantar com Giorgio poderia ser a oportunidade que eu tanto precisava para me distrair, mas a leitura do testamento na manhã seguinte pairava sobre mim como uma nuvem ameaçadora.&mdash
Aos poucos, me afastei, ainda sentindo o gosto dele em meus lábios e o calor de seu toque na pele. Ele me olhava com a mesma intensidade, como se quisesse decifrar o que eu estava sentindo.— Obrigada por esta noite, Giorgio — sussurrei, com um sorriso tímido.Ele apenas sorriu, um sorriso cúmplice e cheio de promessas, enquanto eu me virava e caminhava em direção à entrada do prédio, ainda sentindo o coração disparado e o gosto daquele momento ainda fresco em meus lábios. Já dentro do elevador, encarei meu reflexo no espelho, mal acreditando no que tinha acabado de acontecer. Um sorriso involuntário surgiu no meu rosto, e naquele instante, percebi que algo dentro de mim havia mudado.Ao abrir a porta de casa, o clima da noite muda num instante. O envelope, deixado estrategicamente sobre a bancada, parece esperar po
As palavras do advogado ecoam na sala, e um murmúrio coletivo se espalha entre os presentes. Olhares de surpresa e incredulidade se cruzam, enquanto eu me sinto cada vez mais exposta. O peso da revelação se transforma em uma pressão insuportável, e o ar parece rarefeito.Riccardo, ainda em choque, bate a mão na mesa com tanta força que o som do impacto reverbera pela sala, fazendo todos se calarem instantaneamente. Seu rosto está vermelho, a indignação transparecendo em cada linha da sua expressão.— Como assim, a empresa é dela? — questiona Riccardo, a voz carregada de incredulidade e raiva. — Sempre estive ao lado do meu pai, sempre fui essencial para a Adoneli! Lido com inúmeras pessoas, todos os grandes contratos vieram de mim! E agora aparece essa..
Assim que cheguei em casa, a adrenalina da reunião da Adoneli ainda pulsava em meu corpo. Fechei a porta atrás de mim e, com um suspiro profundo, deixei que a normalidade da minha casa me envolvesse. Cada objeto ao meu redor parecia estar em seu lugar, mas eu sabia que minha vida havia mudado de maneira irreversível.Caminhei até o meu quarto e encarei o uniforme de barista pendurado no cabide. Era um uniforme simples, mas que representava a vida que eu levava até aquele momento.Depois de me trocar, desci pelo elevador e caminhei até o café, o movimento ainda era calmo, em contraste com a agitação dos meus pensamentos. Como de costume, preparei café para cada um dos clientes na fila, que me sorriam e agradeciam. Por um momento, senti uma onda de normalidade. O aroma do café fresco e o som da máquina me faziam sentir parte de algo familiar, mesmo que a ansiedad
Ao me vestir para o trabalho nesta manhã, sinto uma mistura de emoção e despedida em cada movimento. Minha mãe surge nas minhas lembranças, como se estivesse me lembrando de encarar esse novo mundo com a força que ela sempre cultivou em mim. Coloco os uniformes extras na mochila e não resisto em adicionar um vestido bonito, pensando no almoço com o Giorgio; um momento que promete ser muito mais do que uma simples refeição. “Hoje é o adeus à minha antiga vida”, repito em silêncio.Ao chegar ao café, encontro o Sr. Mattia organizando as mesas e ajustando a temperatura das máquinas para a manhã. Ele sorri, mas percebo algo melancólico em seu olhar. Sem dizer nada, deixo meus uniformes dobrados sobre sua mesa, como um gesto silencioso de gratidão pelo tempo que passei a
Hoje é um dia marcado no calendário, não apenas pelo sol que brilha lá fora, filtrando-se suavemente pelas cortinas do meu quarto, mas pela sombra que se instala no meu coração. Hoje completa um ano do desaparecimento da minha mãe.Com um nó na garganta, rolo para o lado da cama e me levanto. Logo penso que é apenas mais um dia e que preciso seguir a minha rotina matinal. O cheiro do café fresco que preparo se mistura com o aroma da lavanda das roupas que lavei na noite anterior. Ouço o canto dos pássaros vindo do lado de fora da minha janela, ecoando suavemente pelas paredes do meu pequeno apartamento. Esse som, que normalmente me agrada nas manhãs, hoje traz uma sonoridade diferente, fazendo o espaço ao meu redor parecer ainda menor, como se as paredes se aproximassem. Termino meu café, ainda com a mente presa nas lembranças da minha mãe, e coloco a xícara na bancada da cozinha, que me serve de mesa.Enquanto me arrumo, percebo que meu uniforme de barista ainda está úmido, e, naquel