Capítulo 3: A revelação

Ao meu redor, o café parece se desfocar e, por um instante, é como se estivéssemos apenas Giorgio e eu, imersos em um mundo só nosso. Tento recuperar a compostura, mas o convite inesperado e a intensidade no olhar dele me fazem esquecer, ao menos por um momento, das preocupações.

Ele sorri com confiança e pergunta, em tom baixo:

— E então, Elena… aceita o convite?

Respiro fundo, tentando disfarçar o nervosismo.

— Sim… aceito o convite — respondo, deixando escapar um sorriso que mistura curiosidade e uma leve insegurança.

Giorgio sustenta o olhar, os olhos brilhando.

— Ótimo. — Ele retira o celular do bolso e me estende. — Vamos trocar números. Mais tarde, eu te envio uma mensagem com o horário em que passo para te buscar.

Digitamos nossos contatos, e então ele e Lorenzo começam a se afastar. Meu coração acelera enquanto os observo sair. A expectativa do jantar traz uma leveza ao que parecia ser um dia sombrio.  

Pouco depois do almoço, o sino da porta do café soou com um toque mais discreto e, ao erguer o olhar, vi um homem entrar. Ele estava bem vestido, em um terno azul escuro de corte impecável, os cabelos alinhados, e usava óculos escuros que escondiam sua expressão. Sua postura séria e o andar firme deixavam claro que não era alguém comum, e eu me senti imediatamente desconfortável.

O homem se dirigiu diretamente ao balcão, e com uma voz baixa e direta, pediu para falar com o gerente. Meu chefe se aproximou com uma expressão um tanto perplexa, e a troca rápida de palavras entre eles me deixou ansiosa. Não demorou muito para que ele viesse até mim, o rosto misturando surpresa e preocupação.

— Elena — ele disse, hesitando. — Aquele homem quer falar com você. Disse que é importante.

Engoli em seco, sentindo o nervosismo apertar o estômago. Saí de trás do balcão, e à medida que me aproximava, ele retirou os óculos escuros e me lançou um olhar firme. Fiquei ali, de pé, tentando não demonstrar minha ansiedade.

— Elena Saratoneli? — Ele começou, sua voz formal, mas com um toque de urgência.

Balancei a cabeça, ainda processando o impacto de ouvir meu sobrenome em público, como se, de repente, ele tivesse ganhado um peso próprio.

— Meu nome é Alessandro. Trabalho como representante legal da empresa Adoneli Group. — Ele fez uma pausa, e eu senti a tensão crescer ao ouvir o nome da empresa de meu pai, ainda mais ali, no meio do café, entre murmúrios e olhares de clientes curiosos.

Com um gesto discreto, Alessandro me estendeu um envelope. Era branco, de papel espesso, com meu nome escrito em uma caligrafia formal. Parecia conter algo de extremo valor.

— Amanhã às 9h acontecerá a leitura oficial do testamento de seu pai. Sua presença é requisitada, pois, como você sabe, há questões importantes a serem esclarecidas — continuou ele, que mantinha o olhar firme.

A sensação de estar sendo puxada para um novo mundo, um que eu nunca quis conhecer, tomou conta de mim. Senti uma mistura de medo e uma raiva contida, algo quase instintivo. Parte de mim queria devolver aquele envelope e recusar qualquer envolvimento com o passado de Hector Saratoneli, mas a outra parte sabia que fugir não resolveria nada.

— Eu… claro, entendo. — Respondi, tentando manter minha voz estável, ainda que por dentro tudo parecesse à beira do caos.

Alessandro observou minha reação com uma expressão neutra, como se soubesse que era muita coisa para absorver.

— É compreensível que esteja surpresa. Não se sinta pressionada, mas é importante que esteja presente. Hector Saratoneli deixou instruções muito específicas, e creio que este documento — disse ele, apontando para o envelope —, pode esclarecer algumas dúvidas que você certamente terá.

Tentei processar suas palavras, mas minha mente estava em uma espiral. Era o meu pai, um estranho para mim, e agora eu tinha um papel fundamental em tudo o que ele deixara para trás.

— Está bem — falei, finalmente. — Eu vou estar lá.

Ele assentiu, satisfeito, e se retirou sem mais palavras, deixando para trás o peso do que havia dito e o envelope, que agora parecia queimar em minhas mãos. Voltei para o balcão, tentando atuar como se tudo estivesse normal, mas a tensão ainda estava evidente. As horas até o final do expediente passaram como um borrão, e assim que pude, saí do café com o envelope apertado contra o peito.

Cheguei em casa com os pensamentos em turbilhão, a mente repleta de incertezas e emoções conflitantes. Mal consegui me concentrar em tirar os sapatos antes de me sentar na bancada da cozinha, as mãos trêmulas enquanto abria o envelope. Dentro dele, uma breve carta acompanhada de vários documentos, todos com orientações específicas sobre a leitura do testamento e um endereço, meticulosamente escrito à mão. Ao ver o nome do escritório de advocacia, um dos mais influentes da cidade, um frio na barriga se instalou.

Enquanto lia a carta, um misto de curiosidade e ressentimento fervia dentro de mim. A ideia de encarar o mundo do meu pai era aterrorizante, repleta de lembranças e questões não respondidas. Mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim ansiava por entender o que realmente havia acontecido. Será que minha mãe escondia segredos por amor? Agora, mais do que nunca, eu precisava descobrir quem eu realmente era.

Antes que eu pudesse terminar de ler, uma notificação no meu celular interrompeu meus pensamentos. Olhei rapidamente para a tela e vi que era uma mensagem de Giorgio:

— Oi, Elena! Pode me passar seu endereço? Vou passar para te buscar às 20h. Estamos indo ao “La Lagunia.”

O nome do restaurante fez meu coração disparar. Lembrei rapidamente que era um dos melhores de Milão, com duas estrelas Michelin. Naquele momento, meu mundo começou a desabar. Estava exausta de ter que manter a postura firme. A notícia da leitura do testamento me desestabilizava, mas o tempo não esperava; eu precisava me arrumar.

Com um suspiro profundo, coloquei a carta e os documentos dentro do envelope e deixei em cima da bancada da cozinha. “Agora é hora de me desestressar e sair com um dos homens mais cobiçados de Milão”, pensei, tentando afastar as preocupações. Mas por que ele tinha escolhido sair comigo, em meio a tantas mulheres influentes que ele já conhecia?

Enquanto as dúvidas giravam em minha cabeça, fui até o guarda-roupa. Escolhi um vestido que estava guardado há um ano, mas que ainda me servia perfeitamente. Era um vestido bordô, bem estruturado, que chegava próximo aos joelhos, com um caimento que valorizava minha silhueta. O tecido era suave e elegante, e, ao vesti-lo, senti uma onda de nostalgia e conexão, como se aquele vestido fosse uma extensão do carinho que minha mãe sempre teve por mim. Era um presente dela, e eu sabia que, ao usá-lo, carregaria um pouco dessa força comigo.

Enquanto me olhava no espelho, ajeitando o vestido e fazendo uma trança lateral solta nos cabelos. O penteado era simples, mas elegante: as mechas estavam entrelaçadas de forma delicada, caindo suavemente sobre um dos ombros, enquanto o restante dos cabelos caía em ondas soltas pelo outro lado, nesse momento uma nova determinação surgiu em mim. O jantar com Giorgio poderia ser uma oportunidade para escapar temporariamente da confusão emocional que me cercava. Sorri para meu reflexo, sentindo-me pronta para encarar a noite, mesmo que as incertezas sobre o futuro ainda pesassem em meu coração.

Às 20h em ponto, meu celular vibra com uma mensagem de Giorgio: ele havia chegado. Um misto de nervosismo e empolgação tomou conta de mim. Coloquei meus saltos pretos, um par elegante que acentua minhas pernas e finaliza perfeitamente meu visual. Enquanto aguardo o elevador, a ansiedade se misturava ao receio. Ao entrar no elevador, senti meu coração acelerar a cada andar que descia, como se estivesse ansioso para o encontro.

Quando finalmente saí pela portaria do meu prédio, me deparei com Giorgio. Ele estava deslumbrante em um terno bordô que harmonizava perfeitamente com meu vestido. O ajuste impecável do terno realçava sua silhueta, e o tecido brilhava sob a luz suave do início da noite. Eu mal podia acreditar no que estava vendo; a conexão que sentia não era apenas fruto da minha imaginação, afinal.

O cabelo dele, impecavelmente arrumado, parecia refletir a luz da rua, enquanto seu sorriso marcante iluminava ainda mais o ambiente. Naquele momento, meu coração pulsava tão forte que eu tinha a impressão de que ele poderia ouvi-lo.

Ao abrir a porta do carro para mim, Giorgio me lançou um olhar intenso e, com um sorriso admirado, disse:

— Uau! É verdadeiramente raro encontrar alguém que me deixe sem palavras, mas você conseguiu.

Senti um calor subir pelo meu rosto ao ouvir suas palavras, fez meu coração disparar ainda mais. A atmosfera ao nosso redor parecia eletricamente carregada, e eu sabia que aquela noite poderia ser o início de algo especial.

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