Ao meu redor, o café parece se desfocar e, por um instante, é como se estivéssemos apenas Giorgio e eu, imersos em um mundo só nosso. Tento recuperar a compostura, mas o convite inesperado e a intensidade no olhar dele me fazem esquecer, ao menos por um momento, das preocupações.
Ele sorri com confiança e pergunta, em tom baixo:
— E então, Elena… aceita o convite?Respiro fundo, tentando disfarçar o nervosismo.
— Sim… aceito o convite — respondo, deixando escapar um sorriso que mistura curiosidade e uma leve insegurança.Giorgio sustenta o olhar, os olhos brilhando.
— Ótimo. — Ele retira o celular do bolso e me estende. — Vamos trocar números. Mais tarde, eu te envio uma mensagem com o horário em que passo para te buscar.Digitamos nossos contatos, e então ele e Lorenzo começam a se afastar. Meu coração acelera enquanto os observo sair. A expectativa do jantar traz uma leveza ao que parecia ser um dia sombrio.
Pouco depois do almoço, o sino da porta do café soou com um toque mais discreto e, ao erguer o olhar, vi um homem entrar. Ele estava bem vestido, em um terno azul escuro de corte impecável, os cabelos alinhados, e usava óculos escuros que escondiam sua expressão. Sua postura séria e o andar firme deixavam claro que não era alguém comum, e eu me senti imediatamente desconfortável.
O homem se dirigiu diretamente ao balcão, e com uma voz baixa e direta, pediu para falar com o gerente. Meu chefe se aproximou com uma expressão um tanto perplexa, e a troca rápida de palavras entre eles me deixou ansiosa. Não demorou muito para que ele viesse até mim, o rosto misturando surpresa e preocupação.
— Elena — ele disse, hesitando. — Aquele homem quer falar com você. Disse que é importante.
Engoli em seco, sentindo o nervosismo apertar o estômago. Saí de trás do balcão, e à medida que me aproximava, ele retirou os óculos escuros e me lançou um olhar firme. Fiquei ali, de pé, tentando não demonstrar minha ansiedade.
— Elena Saratoneli? — Ele começou, sua voz formal, mas com um toque de urgência.
Balancei a cabeça, ainda processando o impacto de ouvir meu sobrenome em público, como se, de repente, ele tivesse ganhado um peso próprio.
— Meu nome é Alessandro. Trabalho como representante legal da empresa Adoneli Group. — Ele fez uma pausa, e eu senti a tensão crescer ao ouvir o nome da empresa de meu pai, ainda mais ali, no meio do café, entre murmúrios e olhares de clientes curiosos.
Com um gesto discreto, Alessandro me estendeu um envelope. Era branco, de papel espesso, com meu nome escrito em uma caligrafia formal. Parecia conter algo de extremo valor.
— Amanhã às 9h acontecerá a leitura oficial do testamento de seu pai. Sua presença é requisitada, pois, como você sabe, há questões importantes a serem esclarecidas — continuou ele, que mantinha o olhar firme.
A sensação de estar sendo puxada para um novo mundo, um que eu nunca quis conhecer, tomou conta de mim. Senti uma mistura de medo e uma raiva contida, algo quase instintivo. Parte de mim queria devolver aquele envelope e recusar qualquer envolvimento com o passado de Hector Saratoneli, mas a outra parte sabia que fugir não resolveria nada.
— Eu… claro, entendo. — Respondi, tentando manter minha voz estável, ainda que por dentro tudo parecesse à beira do caos.
Alessandro observou minha reação com uma expressão neutra, como se soubesse que era muita coisa para absorver.
— É compreensível que esteja surpresa. Não se sinta pressionada, mas é importante que esteja presente. Hector Saratoneli deixou instruções muito específicas, e creio que este documento — disse ele, apontando para o envelope —, pode esclarecer algumas dúvidas que você certamente terá.
Tentei processar suas palavras, mas minha mente estava em uma espiral. Era o meu pai, um estranho para mim, e agora eu tinha um papel fundamental em tudo o que ele deixara para trás.
— Está bem — falei, finalmente. — Eu vou estar lá.
Ele assentiu, satisfeito, e se retirou sem mais palavras, deixando para trás o peso do que havia dito e o envelope, que agora parecia queimar em minhas mãos. Voltei para o balcão, tentando atuar como se tudo estivesse normal, mas a tensão ainda estava evidente. As horas até o final do expediente passaram como um borrão, e assim que pude, saí do café com o envelope apertado contra o peito.
Cheguei em casa com os pensamentos em turbilhão, a mente repleta de incertezas e emoções conflitantes. Mal consegui me concentrar em tirar os sapatos antes de me sentar na bancada da cozinha, as mãos trêmulas enquanto abria o envelope. Dentro dele, uma breve carta acompanhada de vários documentos, todos com orientações específicas sobre a leitura do testamento e um endereço, meticulosamente escrito à mão. Ao ver o nome do escritório de advocacia, um dos mais influentes da cidade, um frio na barriga se instalou.
Enquanto lia a carta, um misto de curiosidade e ressentimento fervia dentro de mim. A ideia de encarar o mundo do meu pai era aterrorizante, repleta de lembranças e questões não respondidas. Mas, ao mesmo tempo, uma parte de mim ansiava por entender o que realmente havia acontecido. Será que minha mãe escondia segredos por amor? Agora, mais do que nunca, eu precisava descobrir quem eu realmente era.
Antes que eu pudesse terminar de ler, uma notificação no meu celular interrompeu meus pensamentos. Olhei rapidamente para a tela e vi que era uma mensagem de Giorgio:
— Oi, Elena! Pode me passar seu endereço? Vou passar para te buscar às 20h. Estamos indo ao “La Lagunia.”
O nome do restaurante fez meu coração disparar. Lembrei rapidamente que era um dos melhores de Milão, com duas estrelas Michelin. Naquele momento, meu mundo começou a desabar. Estava exausta de ter que manter a postura firme. A notícia da leitura do testamento me desestabilizava, mas o tempo não esperava; eu precisava me arrumar.
Com um suspiro profundo, coloquei a carta e os documentos dentro do envelope e deixei em cima da bancada da cozinha. “Agora é hora de me desestressar e sair com um dos homens mais cobiçados de Milão”, pensei, tentando afastar as preocupações. Mas por que ele tinha escolhido sair comigo, em meio a tantas mulheres influentes que ele já conhecia?
Enquanto as dúvidas giravam em minha cabeça, fui até o guarda-roupa. Escolhi um vestido que estava guardado há um ano, mas que ainda me servia perfeitamente. Era um vestido bordô, bem estruturado, que chegava próximo aos joelhos, com um caimento que valorizava minha silhueta. O tecido era suave e elegante, e, ao vesti-lo, senti uma onda de nostalgia e conexão, como se aquele vestido fosse uma extensão do carinho que minha mãe sempre teve por mim. Era um presente dela, e eu sabia que, ao usá-lo, carregaria um pouco dessa força comigo.
Enquanto me olhava no espelho, ajeitando o vestido e fazendo uma trança lateral solta nos cabelos. O penteado era simples, mas elegante: as mechas estavam entrelaçadas de forma delicada, caindo suavemente sobre um dos ombros, enquanto o restante dos cabelos caía em ondas soltas pelo outro lado, nesse momento uma nova determinação surgiu em mim. O jantar com Giorgio poderia ser uma oportunidade para escapar temporariamente da confusão emocional que me cercava. Sorri para meu reflexo, sentindo-me pronta para encarar a noite, mesmo que as incertezas sobre o futuro ainda pesassem em meu coração.
Às 20h em ponto, meu celular vibra com uma mensagem de Giorgio: ele havia chegado. Um misto de nervosismo e empolgação tomou conta de mim. Coloquei meus saltos pretos, um par elegante que acentua minhas pernas e finaliza perfeitamente meu visual. Enquanto aguardo o elevador, a ansiedade se misturava ao receio. Ao entrar no elevador, senti meu coração acelerar a cada andar que descia, como se estivesse ansioso para o encontro.
Quando finalmente saí pela portaria do meu prédio, me deparei com Giorgio. Ele estava deslumbrante em um terno bordô que harmonizava perfeitamente com meu vestido. O ajuste impecável do terno realçava sua silhueta, e o tecido brilhava sob a luz suave do início da noite. Eu mal podia acreditar no que estava vendo; a conexão que sentia não era apenas fruto da minha imaginação, afinal.
O cabelo dele, impecavelmente arrumado, parecia refletir a luz da rua, enquanto seu sorriso marcante iluminava ainda mais o ambiente. Naquele momento, meu coração pulsava tão forte que eu tinha a impressão de que ele poderia ouvi-lo.
Ao abrir a porta do carro para mim, Giorgio me lançou um olhar intenso e, com um sorriso admirado, disse:
— Uau! É verdadeiramente raro encontrar alguém que me deixe sem palavras, mas você conseguiu.
Senti um calor subir pelo meu rosto ao ouvir suas palavras, fez meu coração disparar ainda mais. A atmosfera ao nosso redor parecia eletricamente carregada, e eu sabia que aquela noite poderia ser o início de algo especial.
— Vou aceitar isso como um elogio! E você está muito elegante esta noite — comentei, admirando Giorgio, enquanto entrava no carro.Já dentro do carro, Giorgio sorriu com um brilho divertido nos olhos e comentou:— Obrigado, Elena. Com uma companhia como a sua, a elegância é quase uma exigência.Enquanto a cidade de Milão se desenrolava diante de nós, iluminada pelas luzes cintilantes que refletiam a vida noturna vibrante, o clima era leve, mas minha mente estava repleta de pensamentos conflitantes. O jantar com Giorgio poderia ser a oportunidade que eu tanto precisava para me distrair, mas a leitura do testamento na manhã seguinte pairava sobre mim como uma nuvem ameaçadora.&mdash
Aos poucos, me afastei, ainda sentindo o gosto dele em meus lábios e o calor de seu toque na pele. Ele me olhava com a mesma intensidade, como se quisesse decifrar o que eu estava sentindo.— Obrigada por esta noite, Giorgio — sussurrei, com um sorriso tímido.Ele apenas sorriu, um sorriso cúmplice e cheio de promessas, enquanto eu me virava e caminhava em direção à entrada do prédio, ainda sentindo o coração disparado e o gosto daquele momento ainda fresco em meus lábios. Já dentro do elevador, encarei meu reflexo no espelho, mal acreditando no que tinha acabado de acontecer. Um sorriso involuntário surgiu no meu rosto, e naquele instante, percebi que algo dentro de mim havia mudado.Ao abrir a porta de casa, o clima da noite muda num instante. O envelope, deixado estrategicamente sobre a bancada, parece esperar po
As palavras do advogado ecoam na sala, e um murmúrio coletivo se espalha entre os presentes. Olhares de surpresa e incredulidade se cruzam, enquanto eu me sinto cada vez mais exposta. O peso da revelação se transforma em uma pressão insuportável, e o ar parece rarefeito.Riccardo, ainda em choque, bate a mão na mesa com tanta força que o som do impacto reverbera pela sala, fazendo todos se calarem instantaneamente. Seu rosto está vermelho, a indignação transparecendo em cada linha da sua expressão.— Como assim, a empresa é dela? — questiona Riccardo, a voz carregada de incredulidade e raiva. — Sempre estive ao lado do meu pai, sempre fui essencial para a Adoneli! Lido com inúmeras pessoas, todos os grandes contratos vieram de mim! E agora aparece essa..
Assim que cheguei em casa, a adrenalina da reunião da Adoneli ainda pulsava em meu corpo. Fechei a porta atrás de mim e, com um suspiro profundo, deixei que a normalidade da minha casa me envolvesse. Cada objeto ao meu redor parecia estar em seu lugar, mas eu sabia que minha vida havia mudado de maneira irreversível.Caminhei até o meu quarto e encarei o uniforme de barista pendurado no cabide. Era um uniforme simples, mas que representava a vida que eu levava até aquele momento.Depois de me trocar, desci pelo elevador e caminhei até o café, o movimento ainda era calmo, em contraste com a agitação dos meus pensamentos. Como de costume, preparei café para cada um dos clientes na fila, que me sorriam e agradeciam. Por um momento, senti uma onda de normalidade. O aroma do café fresco e o som da máquina me faziam sentir parte de algo familiar, mesmo que a ansiedad
Ao me vestir para o trabalho nesta manhã, sinto uma mistura de emoção e despedida em cada movimento. Minha mãe surge nas minhas lembranças, como se estivesse me lembrando de encarar esse novo mundo com a força que ela sempre cultivou em mim. Coloco os uniformes extras na mochila e não resisto em adicionar um vestido bonito, pensando no almoço com o Giorgio; um momento que promete ser muito mais do que uma simples refeição. “Hoje é o adeus à minha antiga vida”, repito em silêncio.Ao chegar ao café, encontro o Sr. Mattia organizando as mesas e ajustando a temperatura das máquinas para a manhã. Ele sorri, mas percebo algo melancólico em seu olhar. Sem dizer nada, deixo meus uniformes dobrados sobre sua mesa, como um gesto silencioso de gratidão pelo tempo que passei a
Hoje é um dia marcado no calendário, não apenas pelo sol que brilha lá fora, filtrando-se suavemente pelas cortinas do meu quarto, mas pela sombra que se instala no meu coração. Hoje completa um ano do desaparecimento da minha mãe.Com um nó na garganta, rolo para o lado da cama e me levanto. Logo penso que é apenas mais um dia e que preciso seguir a minha rotina matinal. O cheiro do café fresco que preparo se mistura com o aroma da lavanda das roupas que lavei na noite anterior. Ouço o canto dos pássaros vindo do lado de fora da minha janela, ecoando suavemente pelas paredes do meu pequeno apartamento. Esse som, que normalmente me agrada nas manhãs, hoje traz uma sonoridade diferente, fazendo o espaço ao meu redor parecer ainda menor, como se as paredes se aproximassem. Termino meu café, ainda com a mente presa nas lembranças da minha mãe, e coloco a xícara na bancada da cozinha, que me serve de mesa.Enquanto me arrumo, percebo que meu uniforme de barista ainda está úmido, e, naquel
Chegando em casa penso que hoje foi como atravessar uma tempestade que parecia não ter fim, porém, encontrei abrigo; mas não o alívio. Assim que fechei a porta atrás de mim, o silêncio do meu pequeno apartamento pareceu envolver tudo, se misturando ao vazio que eu sentia. O cansaço emocional pesava tanto quanto o físico. Cada centímetro do meu corpo parecia pedir para desabar, e foi exatamente o que fiz. Me permiti finalmente sentir tudo o que, durante o dia, tinha segurado por entre sorrisos e palavras trocadas. O peso da carta de minha mãe e a notícia sobre a morte de Hector Saratoneli me atingiram como um murro, e eu chorei até adormecer, afogada no misto de perda, revelação e incerteza.Na manhã seguinte, ao me olhar no espelho, minha face inchada e meus olhos vermelhos eram testemunhas da noite sem