Aos poucos, me afastei, ainda sentindo o gosto dele em meus lábios e o calor de seu toque na pele. Ele me olhava com a mesma intensidade, como se quisesse decifrar o que eu estava sentindo.
— Obrigada por esta noite, Giorgio — sussurrei, com um sorriso tímido.
Ele apenas sorriu, um sorriso cúmplice e cheio de promessas, enquanto eu me virava e caminhava em direção à entrada do prédio, ainda sentindo o coração disparado e o gosto daquele momento ainda fresco em meus lábios. Já dentro do elevador, encarei meu reflexo no espelho, mal acreditando no que tinha acabado de acontecer. Um sorriso involuntário surgiu no meu rosto, e naquele instante, percebi que algo dentro de mim havia mudado.
Ao abrir a porta de casa, o clima da noite muda num instante. O envelope, deixado estrategicamente sobre a bancada, parece esperar por mim, trazendo de volta todo o peso da realidade. Ainda vestida com as roupas do encontro, pego o envelope e me sento no sofá, hesitante, abro o envelope mais uma vez. Meus olhos percorrem as páginas, enquanto frases específicas parecem pular diante de mim, nítidas e inevitáveis.
A primeira informação que me impacta é o local da leitura do testamento: será na Adoneli Group, no vigésimo segundo andar, um cenário que por si só já intimida. Meu meio-irmão estará presente, assim como toda a junta administrativa e jurídica da empresa. A ideia de encarar essas pessoas desconhecidas, em um ambiente tão formal, faz minha cabeça latejar, como se os papéis ao meu redor pesassem uma tonelada.
A leitura dos documentos, repleta de palavras formais e termos legais, me parece um enigma. Alguns pontos eu compreendo; outros, com termos desconhecidos, só intensificam a ansiedade. Por fim, as instruções de vestimenta aparecem: devo me apresentar em um conjunto ou vestido formal, preferencialmente preto. A escolha da cor parece um aviso sombrio, como se anunciasse o tom que aquela reunião poderia tomar.
Respiro fundo e fecho o envelope, tentando empurrar aquelas informações para o fundo da minha mente. Em vez disso, deixo que a lembrança do beijo com Giorgio tome conta dos meus pensamentos, como um refúgio de tudo aquilo. Repasso cada detalhe daquele momento, sentindo o calor de seu toque e a intensidade de nossos olhares, como se fossem minha âncora, me mantendo firme para encarar o resto da noite.
Logo pela manhã, envio uma mensagem para uma colega de trabalho, pedindo que me cubra no turno matinal. A resposta vem rápido e é positiva. Em seguida, aviso meu gerente sobre o imprevisto, também por mensagem. Ele agradece pela minha organização e ajusta meu expediente para começar às 13h.
Embora a apreensão ainda esteja lá, sinto um leve alívio. Ao menos, agora posso ir até a Adoneli Group sem a preocupação com o trabalho, focando totalmente no que me espera.
Escolho a roupa mais formal que encontro: uma blusa de cetim e uma calça preta. Ao me olhar no espelho, pergunto: "Está formal o suficiente?" Um nó se forma no meu estômago. Cada detalhe parece insuficiente, como se estivesse me preparando para um evento grandioso e intimidador, como embarcar no Titanic, ciente dos riscos à frente, mas sem outra opção.
O tempo parece passar mais rápido do que o normal enquanto termino de me arrumar. Estou prestes a pegar minha bolsa quando o celular vibra. Uma mensagem de Giorgio ilumina a tela:
"Não te vi hoje no café. Está tudo bem, Elena?"
A imagem do nosso beijo da noite passada aparece na minha mente. Meu coração vacila por um segundo, mas sei que agora não posso me distrair. Fecho os olhos e respiro fundo, deixando a lembrança se dissipar enquanto deslizo o celular na bolsa.
Minutos depois, dentro de um táxi, olho a cidade pela janela. Cada prédio, cada semáforo, parece mais estranho e distante do que nunca. Quando o carro para em frente ao edifício da Adoneli Group, minha respiração falha por um instante. O prédio é enorme, suas paredes de vidro e aço parecem tocar as nuvens cinzentas. Ao levantar o olhar, sinto uma tontura leve e um arrepio corre pelas minhas costas. Tudo na minha vida parece menor diante dessa construção. Respiro fundo e, reunindo toda a coragem que posso, e dou os primeiros passos.
Assim que entro, vejo Alessandro à minha espera no saguão. Ele mantém uma expressão formal, com um toque de frieza que me deixa desconfortável.
— Bom dia, Elena. Vejo que é pontual — diz ele, com um leve sorriso calculado.
Aceno e sigo em silêncio, passando pelo vasto saguão. Cada passo ecoa no piso de mármore brilhante, aumentando a minha tensão. Minhas mãos começam a suar, e sinto o peso de cada respiração, como se o ar ali fosse mais denso. Quando chegamos ao elevador, ele aperta o botão para o vigésimo segundo andar.
Ao sair, me deparo com um corredor impecável e extenso, repleto de salas de vidro. Dentro delas, profissionais trabalham intensamente, concentrados, e o movimento constante de pessoas entrando e saindo me faz sentir ainda mais deslocada. Enquanto sigo Alessandro, tento conter o tremor nas pernas, mas um breve tropeço me faz perder o equilíbrio. Rapidamente me recomponho, torcendo para que ninguém tenha notado.
Alessandro para diante de uma sala com as cortinas fechadas, aumentando o mistério no ar. Respiro fundo e entro, com o coração batendo acelerado.
A sala é ampla e sofisticada. No centro, uma longa mesa de reuniões domina o espaço, cercada por cadeiras bem alinhadas. Na extremidade da mesa, uma cadeira de couro preto com detalhes dourados se destaca, ocupando uma posição de prestígio, como se esperasse por alguém especial. Imagino que aquela tenha sido a cadeira de Hector, e a ideia de que logo alguém estará ocupando o lugar dele me desperta uma mistura de curiosidade e apreensão.
Escolhi uma cadeira discreta no meio das outras, mas Alessandro aponta para uma mais próxima à cadeira de couro imponente, como se quisesse reforçar a importância da minha presença. Sinto uma vontade súbita de sair correndo, mas minhas pernas estão paralisadas.
Aos poucos, outras pessoas entram na sala e se acomodam nas cadeiras restantes em silêncio. Cada novo rosto traz consigo uma expressão de seriedade, e o ambiente se torna mais tenso e formal a cada minuto. Então, um jovem rapaz, com uma presença forte, se senta na cadeira de couro na extremidade da mesa. Ao me notar, ele lança um breve olhar em minha direção.
— Olá. Nunca te vi por aqui. Sou Riccardo, filho de Hector Saratoneli.
Seu tom é direto e frio, como se buscasse medir minha reação sem mostrar nada em troca.
— Olá, me chamo Elena. — Minha voz soa firme, mas há um nervosismo escondido por trás. — Filha de Andrea Bianchi.
Riccardo ergue uma sobrancelha, mas não há nenhum sinal de reconhecimento ou surpresa em sua expressão. Alessandro, ao nosso lado, observa em silêncio, enquanto os advogados na sala começam a organizar os documentos e preparar o espaço para a leitura oficial do testamento.
Quando o advogado começa a falar, suas palavras ressoam na sala como um peso. O tom formal e cauteloso me faz sentir distante, como se estivesse ouvindo de fora, tentando captar cada detalhe sem entender tudo. Ao meu lado, Riccardo observa os documentos, com a postura rígida e controlada. Ele parece seguro em seu ambiente, enquanto eu me sinto deslocada, como uma intrusa.
— Senhoras e senhores — continua o advogado, ajustando os óculos e lançando um olhar sério à mesa —, agora vamos dar seguimento a leitura do testamento de Hector Saratoneli. Ele deixou uma série de bens que serão distribuídos entre os herdeiros.
A palavra "herdeiros" ecoa na sala, e percebo que Riccardo se mexe na cadeira, sua postura se tornando mais atenta.O advogado inicia a lista das propriedades, descrevendo uma casa em uma praia tranquila e um apartamento luxuoso na cidade, todos avaliados em cifras que fazem minha cabeça rodar. Fala também sobre dois carros esportivos de alto valor, investimentos em ações, e uma quantia significativa de dinheiro que Riccardo receberá.
Quando ele chega à parte da empresa, uma pausa dramática se instala na sala. O silêncio é tão denso que posso ouvir meu próprio coração batendo. Todos os olhares se voltam para ele, e a tensão aumenta. O advogado respira fundo, como se estivesse se preparando para revelar uma verdade profunda.
— Além das propriedades e dos bens mencionados, Hector fez uma adição ao seu testamento — diz o advogado, fixando o olhar em Riccardo. — Uma nova pessoa foi incluída: Elena Bianchi Saratoneli.
Meu coração quase para ao ouvir meu nome. A sala parece diminuir ao meu redor, e um olhar de surpresa se espalha entre os presentes. As palavras não parecem fazer sentido de imediato. Eu, uma estranha ali, com um nome tão associado a poder e controle, agora sou parte disso tudo.
— Filha de Hector — o advogado continua, sua voz clara e firme, ecoando nas paredes da sala. — Ele deixou duas coisas para você: a empresa e um milhão de euros.
As palavras do advogado ecoam na sala, e um murmúrio coletivo se espalha entre os presentes. Olhares de surpresa e incredulidade se cruzam, enquanto eu me sinto cada vez mais exposta. O peso da revelação se transforma em uma pressão insuportável, e o ar parece rarefeito.Riccardo, ainda em choque, bate a mão na mesa com tanta força que o som do impacto reverbera pela sala, fazendo todos se calarem instantaneamente. Seu rosto está vermelho, a indignação transparecendo em cada linha da sua expressão.— Como assim, a empresa é dela? — questiona Riccardo, a voz carregada de incredulidade e raiva. — Sempre estive ao lado do meu pai, sempre fui essencial para a Adoneli! Lido com inúmeras pessoas, todos os grandes contratos vieram de mim! E agora aparece essa..
Assim que cheguei em casa, a adrenalina da reunião da Adoneli ainda pulsava em meu corpo. Fechei a porta atrás de mim e, com um suspiro profundo, deixei que a normalidade da minha casa me envolvesse. Cada objeto ao meu redor parecia estar em seu lugar, mas eu sabia que minha vida havia mudado de maneira irreversível.Caminhei até o meu quarto e encarei o uniforme de barista pendurado no cabide. Era um uniforme simples, mas que representava a vida que eu levava até aquele momento.Depois de me trocar, desci pelo elevador e caminhei até o café, o movimento ainda era calmo, em contraste com a agitação dos meus pensamentos. Como de costume, preparei café para cada um dos clientes na fila, que me sorriam e agradeciam. Por um momento, senti uma onda de normalidade. O aroma do café fresco e o som da máquina me faziam sentir parte de algo familiar, mesmo que a ansiedad
Ao me vestir para o trabalho nesta manhã, sinto uma mistura de emoção e despedida em cada movimento. Minha mãe surge nas minhas lembranças, como se estivesse me lembrando de encarar esse novo mundo com a força que ela sempre cultivou em mim. Coloco os uniformes extras na mochila e não resisto em adicionar um vestido bonito, pensando no almoço com o Giorgio; um momento que promete ser muito mais do que uma simples refeição. “Hoje é o adeus à minha antiga vida”, repito em silêncio.Ao chegar ao café, encontro o Sr. Mattia organizando as mesas e ajustando a temperatura das máquinas para a manhã. Ele sorri, mas percebo algo melancólico em seu olhar. Sem dizer nada, deixo meus uniformes dobrados sobre sua mesa, como um gesto silencioso de gratidão pelo tempo que passei a
Hoje é um dia marcado no calendário, não apenas pelo sol que brilha lá fora, filtrando-se suavemente pelas cortinas do meu quarto, mas pela sombra que se instala no meu coração. Hoje completa um ano do desaparecimento da minha mãe.Com um nó na garganta, rolo para o lado da cama e me levanto. Logo penso que é apenas mais um dia e que preciso seguir a minha rotina matinal. O cheiro do café fresco que preparo se mistura com o aroma da lavanda das roupas que lavei na noite anterior. Ouço o canto dos pássaros vindo do lado de fora da minha janela, ecoando suavemente pelas paredes do meu pequeno apartamento. Esse som, que normalmente me agrada nas manhãs, hoje traz uma sonoridade diferente, fazendo o espaço ao meu redor parecer ainda menor, como se as paredes se aproximassem. Termino meu café, ainda com a mente presa nas lembranças da minha mãe, e coloco a xícara na bancada da cozinha, que me serve de mesa.Enquanto me arrumo, percebo que meu uniforme de barista ainda está úmido, e, naquel
Chegando em casa penso que hoje foi como atravessar uma tempestade que parecia não ter fim, porém, encontrei abrigo; mas não o alívio. Assim que fechei a porta atrás de mim, o silêncio do meu pequeno apartamento pareceu envolver tudo, se misturando ao vazio que eu sentia. O cansaço emocional pesava tanto quanto o físico. Cada centímetro do meu corpo parecia pedir para desabar, e foi exatamente o que fiz. Me permiti finalmente sentir tudo o que, durante o dia, tinha segurado por entre sorrisos e palavras trocadas. O peso da carta de minha mãe e a notícia sobre a morte de Hector Saratoneli me atingiram como um murro, e eu chorei até adormecer, afogada no misto de perda, revelação e incerteza.Na manhã seguinte, ao me olhar no espelho, minha face inchada e meus olhos vermelhos eram testemunhas da noite sem
Ao meu redor, o café parece se desfocar e, por um instante, é como se estivéssemos apenas Giorgio e eu, imersos em um mundo só nosso. Tento recuperar a compostura, mas o convite inesperado e a intensidade no olhar dele me fazem esquecer, ao menos por um momento, das preocupações.Ele sorri com confiança e pergunta, em tom baixo:— E então, Elena… aceita o convite?Respiro fundo, tentando disfarçar o nervosismo.— Sim… aceito o convite — respondo, deixando escapar um sorriso que mistura curiosidade e uma leve insegurança.Giorgio sustenta o olhar, os olh
— Vou aceitar isso como um elogio! E você está muito elegante esta noite — comentei, admirando Giorgio, enquanto entrava no carro.Já dentro do carro, Giorgio sorriu com um brilho divertido nos olhos e comentou:— Obrigado, Elena. Com uma companhia como a sua, a elegância é quase uma exigência.Enquanto a cidade de Milão se desenrolava diante de nós, iluminada pelas luzes cintilantes que refletiam a vida noturna vibrante, o clima era leve, mas minha mente estava repleta de pensamentos conflitantes. O jantar com Giorgio poderia ser a oportunidade que eu tanto precisava para me distrair, mas a leitura do testamento na manhã seguinte pairava sobre mim como uma nuvem ameaçadora.&mdash