Capítulo 5: O testamento – Parte 1

Aos poucos, me afastei, ainda sentindo o gosto dele em meus lábios e o calor de seu toque na pele. Ele me olhava com a mesma intensidade, como se quisesse decifrar o que eu estava sentindo.

— Obrigada por esta noite, Giorgio — sussurrei, com um sorriso tímido.

Ele apenas sorriu, um sorriso cúmplice e cheio de promessas, enquanto eu me virava e caminhava em direção à entrada do prédio, ainda sentindo o coração disparado e o gosto daquele momento ainda fresco em meus lábios. Já dentro do elevador, encarei meu reflexo no espelho, mal acreditando no que tinha acabado de acontecer. Um sorriso involuntário surgiu no meu rosto, e naquele instante, percebi que algo dentro de mim havia mudado.

Ao abrir a porta de casa, o clima da noite muda num instante. O envelope, deixado estrategicamente sobre a bancada, parece esperar por mim, trazendo de volta todo o peso da realidade. Ainda vestida com as roupas do encontro, pego o envelope e me sento no sofá, hesitante, abro o envelope mais uma vez. Meus olhos percorrem as páginas, enquanto frases específicas parecem pular diante de mim, nítidas e inevitáveis.

A primeira informação que me impacta é o local da leitura do testamento: será na Adoneli Group, no vigésimo segundo andar, um cenário que por si só já intimida. Meu meio-irmão estará presente, assim como toda a junta administrativa e jurídica da empresa. A ideia de encarar essas pessoas desconhecidas, em um ambiente tão formal, faz minha cabeça latejar, como se os papéis ao meu redor pesassem uma tonelada.

 A leitura dos documentos, repleta de palavras formais e termos legais, me parece um enigma. Alguns pontos eu compreendo; outros, com termos desconhecidos, só intensificam a ansiedade. Por fim, as instruções de vestimenta aparecem: devo me apresentar em um conjunto ou vestido formal, preferencialmente preto. A escolha da cor parece um aviso sombrio, como se anunciasse o tom que aquela reunião poderia tomar.

Respiro fundo e fecho o envelope, tentando empurrar aquelas informações para o fundo da minha mente. Em vez disso, deixo que a lembrança do beijo com Giorgio tome conta dos meus pensamentos, como um refúgio de tudo aquilo. Repasso cada detalhe daquele momento, sentindo o calor de seu toque e a intensidade de nossos olhares, como se fossem minha âncora, me mantendo firme para encarar o resto da noite.

Logo pela manhã, envio uma mensagem para uma colega de trabalho, pedindo que me cubra no turno matinal. A resposta vem rápido e é positiva. Em seguida, aviso meu gerente sobre o imprevisto, também por mensagem. Ele agradece pela minha organização e ajusta meu expediente para começar às 13h.

Embora a apreensão ainda esteja lá, sinto um leve alívio. Ao menos, agora posso ir até a Adoneli Group sem a preocupação com o trabalho, focando totalmente no que me espera.

Escolho a roupa mais formal que encontro: uma blusa de cetim e uma calça preta. Ao me olhar no espelho, pergunto: "Está formal o suficiente?" Um nó se forma no meu estômago. Cada detalhe parece insuficiente, como se estivesse me preparando para um evento grandioso e intimidador, como embarcar no Titanic, ciente dos riscos à frente, mas sem outra opção.

O tempo parece passar mais rápido do que o normal enquanto termino de me arrumar. Estou prestes a pegar minha bolsa quando o celular vibra. Uma mensagem de Giorgio ilumina a tela:

"Não te vi hoje no café. Está tudo bem, Elena?"

A imagem do nosso beijo da noite passada aparece na minha mente. Meu coração vacila por um segundo, mas sei que agora não posso me distrair. Fecho os olhos e respiro fundo, deixando a lembrança se dissipar enquanto deslizo o celular na bolsa.

Minutos depois, dentro de um táxi, olho a cidade pela janela. Cada prédio, cada semáforo, parece mais estranho e distante do que nunca. Quando o carro para em frente ao edifício da Adoneli Group, minha respiração falha por um instante. O prédio é enorme, suas paredes de vidro e aço parecem tocar as nuvens cinzentas. Ao levantar o olhar, sinto uma tontura leve e um arrepio corre pelas minhas costas. Tudo na minha vida parece menor diante dessa construção. Respiro fundo e, reunindo toda a coragem que posso, e dou os primeiros passos.

Assim que entro, vejo Alessandro à minha espera no saguão. Ele mantém uma expressão formal, com um toque de frieza que me deixa desconfortável.

— Bom dia, Elena. Vejo que é pontual — diz ele, com um leve sorriso calculado.

Aceno e sigo em silêncio, passando pelo vasto saguão. Cada passo ecoa no piso de mármore brilhante, aumentando a minha tensão. Minhas mãos começam a suar, e sinto o peso de cada respiração, como se o ar ali fosse mais denso. Quando chegamos ao elevador, ele aperta o botão para o vigésimo segundo andar.

Ao sair, me deparo com um corredor impecável e extenso, repleto de salas de vidro. Dentro delas, profissionais trabalham intensamente, concentrados, e o movimento constante de pessoas entrando e saindo me faz sentir ainda mais deslocada. Enquanto sigo Alessandro, tento conter o tremor nas pernas, mas um breve tropeço me faz perder o equilíbrio. Rapidamente me recomponho, torcendo para que ninguém tenha notado.

Alessandro para diante de uma sala com as cortinas fechadas, aumentando o mistério no ar. Respiro fundo e entro, com o coração batendo acelerado.

A sala é ampla e sofisticada. No centro, uma longa mesa de reuniões domina o espaço, cercada por cadeiras bem alinhadas. Na extremidade da mesa, uma cadeira de couro preto com detalhes dourados se destaca, ocupando uma posição de prestígio, como se esperasse por alguém especial. Imagino que aquela tenha sido a cadeira de Hector, e a ideia de que logo alguém estará ocupando o lugar dele me desperta uma mistura de curiosidade e apreensão.

Escolhi uma cadeira discreta no meio das outras, mas Alessandro aponta para uma mais próxima à cadeira de couro imponente, como se quisesse reforçar a importância da minha presença. Sinto uma vontade súbita de sair correndo, mas minhas pernas estão paralisadas.

Aos poucos, outras pessoas entram na sala e se acomodam nas cadeiras restantes em silêncio. Cada novo rosto traz consigo uma expressão de seriedade, e o ambiente se torna mais tenso e formal a cada minuto. Então, um jovem rapaz, com uma presença forte, se senta na cadeira de couro na extremidade da mesa. Ao me notar, ele lança um breve olhar em minha direção.

— Olá. Nunca te vi por aqui. Sou Riccardo, filho de Hector Saratoneli.

Seu tom é direto e frio, como se buscasse medir minha reação sem mostrar nada em troca.

— Olá, me chamo Elena. — Minha voz soa firme, mas há um nervosismo escondido por trás. — Filha de Andrea Bianchi.

Riccardo ergue uma sobrancelha, mas não há nenhum sinal de reconhecimento ou surpresa em sua expressão. Alessandro, ao nosso lado, observa em silêncio, enquanto os advogados na sala começam a organizar os documentos e preparar o espaço para a leitura oficial do testamento.

Quando o advogado começa a falar, suas palavras ressoam na sala como um peso. O tom formal e cauteloso me faz sentir distante, como se estivesse ouvindo de fora, tentando captar cada detalhe sem entender tudo. Ao meu lado, Riccardo observa os documentos, com a postura rígida e controlada. Ele parece seguro em seu ambiente, enquanto eu me sinto deslocada, como uma intrusa.

— Senhoras e senhores — continua o advogado, ajustando os óculos e lançando um olhar sério à mesa —, agora vamos dar seguimento a leitura do testamento de Hector Saratoneli. Ele deixou uma série de bens que serão distribuídos entre os herdeiros.

A palavra "herdeiros" ecoa na sala, e percebo que Riccardo se mexe na cadeira, sua postura se tornando mais atenta.O advogado inicia a lista das propriedades, descrevendo uma casa em uma praia tranquila e um apartamento luxuoso na cidade, todos avaliados em cifras que fazem minha cabeça rodar. Fala também sobre dois carros esportivos de alto valor, investimentos em ações, e uma quantia significativa de dinheiro que Riccardo receberá.

Quando ele chega à parte da empresa, uma pausa dramática se instala na sala. O silêncio é tão denso que posso ouvir meu próprio coração batendo. Todos os olhares se voltam para ele, e a tensão aumenta. O advogado respira fundo, como se estivesse se preparando para revelar uma verdade profunda.

— Além das propriedades e dos bens mencionados, Hector fez uma adição ao seu testamento — diz o advogado, fixando o olhar em Riccardo. — Uma nova pessoa foi incluída: Elena Bianchi Saratoneli.

Meu coração quase para ao ouvir meu nome. A sala parece diminuir ao meu redor, e um olhar de surpresa se espalha entre os presentes. As palavras não parecem fazer sentido de imediato. Eu, uma estranha ali, com um nome tão associado a poder e controle, agora sou parte disso tudo.

— Filha de Hector — o advogado continua, sua voz clara e firme, ecoando nas paredes da sala. — Ele deixou duas coisas para você: a empresa e um milhão de euros.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo