Hoje é um dia marcado no calendário, não apenas pelo sol que brilha lá fora, filtrando-se suavemente pelas cortinas do meu quarto, mas pela sombra que se instala no meu coração. Hoje completa um ano do desaparecimento da minha mãe.
Com um nó na garganta, rolo para o lado da cama e me levanto. Logo penso que é apenas mais um dia e que preciso seguir a minha rotina matinal. O cheiro do café fresco que preparo se mistura com o aroma da lavanda das roupas que lavei na noite anterior. Ouço o canto dos pássaros vindo do lado de fora da minha janela, ecoando suavemente pelas paredes do meu pequeno apartamento. Esse som, que normalmente me agrada nas manhãs, hoje traz uma sonoridade diferente, fazendo o espaço ao meu redor parecer ainda menor, como se as paredes se aproximassem. Termino meu café, ainda com a mente presa nas lembranças da minha mãe, e coloco a xícara na bancada da cozinha, que me serve de mesa.
Enquanto me arrumo, percebo que meu uniforme de barista ainda está úmido, e, naquele momento, não tenho muita escolha. Ele vai terminar de secar no meu corpo. A camisa branca, com a logo da cafeteria, se esfrega contra a minha pele, como se estivesse se recusando a me aceitar. Coloco o avental preto, que contrasta com a camisa, e, em sequência, um colar que minha mãe deixou, um pequeno amuleto de amor e saudade.
Me pego encarando o espelho, observando cada detalhe. Por um instante, vejo o reflexo de uma mulher forte, determinada, pronta para enfrentar o dia. No entanto, a saudade me envolve como um manto pesado e frio, trazendo à tona memórias de risadas e conselhos que ecoam em minha mente. É um lembrete constante de que, embora eu esteja sozinha, levo um pedaço dela comigo onde quer que eu vá.
Quando termino de me vestir, ouço um leve toque na porta que faz meu coração disparar. Com passos hesitantes, caminho até a entrada e encontro uma carta jogada no tapete, aparentemente sem remetente. A curiosidade me impulsiona a me agachar e pegar o envelope, notando que ele é feito de papel simples, mas a caligrafia elegante, escrita à mão, dá um toque especial à correspondência.
Minhas mãos tremem levemente enquanto abro o envelope, a expectativa se misturando com um frio na barriga. O cheiro do papel, levemente adocicado, me transporta a tempos passados, como se a carta carregasse consigo um fragmento de uma história esquecida. Ao puxar o papel para fora, sinto uma leveza e um peso ao mesmo tempo, como se soubesse que a mensagem poderia mudar meu dia. O que estará escrito ali?
O papel é de uma qualidade surpreendente, quase luxuosa, e por um instante me vejo confusa, admirando a textura suave sob meus dedos. À medida que desdobro a carta, meu coração acelera; reconheço a caligrafia que, embora familiar, me enche de um misto de emoção e medo. Cada letra parece vibrar com memórias antigas, como se a pessoa que a escreveu estivesse ali, diante de mim. Minha mãe. A revelação me atinge como um relâmpago, e, em um só pensamento, o passado e o presente se entrelaçam, trazendo à tona sentimentos enterrados. Uma onda de nostalgia e apreensão me envolve, enquanto me preparo para descobrir as palavras que ela deixou para mim.
“Querida Elena,
Se você está lendo isso, é porque o destino finalmente nos separou. Sempre esperei que, um dia, você pudesse compreender a verdade e que as respostas chegassem até você.
Fiz uma escolha difícil, uma decisão tomada com amor, para proteger você. Seu pai não era apenas um homem de negócios, como eu te contei quando era criança; ele era um homem que fez promessas que não poderiam ser cumpridas a menos que nos afastássemos.
Em breve, você receberá algo que é seu por direito: o legado de Hector Saratoneli, seu pai. Reconheço que isso pode ser uma surpresa e que, talvez, você sinta raiva de mim. Mas é fundamental que você não continue vivendo à sombra do desconhecido. A decisão de me afastar foi uma tentativa de garantir que você tivesse uma vida longe dos perigos que nos cercavam. No entanto, está chegando o momento de você encarar toda a verdade.
Sei que há muito a descobrir e que a jornada pode ser dolorosa. Peço que me perdoe por cada lágrima que essa revelação possa causar. Espero que, um dia, você possa olhar para trás e entender o que me levou a agir assim. Saiba que, mesmo de longe, estou sempre torcendo por você, com todo meu amor e esperança.
Andrea”
Li e reli as palavras, cada frase cortando meu coração como uma faca afiada. O peso da verdade me sufoca, uma pressão insuportável que parece me prender ao chão. Enquanto o passado se desdobra diante de mim, minha mente gira, lutando para processar a revelação sobre quem é meu pai. Hector Saratoneli é um homem poderoso e influente; como posso receber algo que é meu por direito, quando tudo o que conheço parece desmoronar? Muitas perguntas pairam na minha mente naquele momento, mas nenhuma delas é maior do que a angústia de saber que minha mãe escreveu essa carta e que nunca teve coragem de se encontrar comigo.
Com a carta ainda em mãos, sinto uma necessidade urgente de desabar no chão, de permitir que as lágrimas escorram livremente. Mas não posso me dar esse luxo agora. Olho para o relógio e percebo que está quase na hora de trabalhar. A rotina me chama, mesmo que meu coração ainda esteja em pedaços.
Ao chegar ao café, onde as memórias e a normalidade me aguardam, o barulho do lugar me envolve. O som dos risos e das conversas animadas, o aroma do café fresco e o movimento frenético de clientes se tornam um contraste vívido à tempestade que se desenrola em minha mente. Cada xícara que é servida parece um lembrete da vida que continua, mesmo que a minha esteja prestes a mudar para sempre. Com um suspiro profundo, tento me concentrar no que está à minha frente.
A manhã vai se estendendo, e um olhar familiar faz meu coração disparar. O cobiçado Giorgio Barollo, o CEO da Vértice Progetti, entra no café com a mesma confiança de sempre, seu charme irresistível iluminando o ambiente. Ele é um enigma que desperta minha curiosidade e, a cada encontro, sinto meu coração acelerar como se estivesse correndo uma maratona. Por uma fração de segundos, consigo esquecer a carta que recebi, mergulhando em sua presença magnética.
— Bom dia, Elena. Um caffè con panna, por favor — ele diz, seu tom caloroso envolvendo-me como um abraço, fazendo minha pele arrepiar. A forma como pronuncia meu nome é como música, e sinto uma onda de emoção ao perceber que ele se lembra de mim.
— Bom dia, Giorgio. Um momento, por favor, é só aguardar que já chamo seu nome — respondo, tentando disfarçar a turbulência interna que a carta trouxe. Sinto que a voz me trai, quase tremendo enquanto me esforço para manter a compostura.
Mas aquela manhã traz uma sensação estranha no ar. Enquanto preparo o café de Giorgio, a televisão acima da minha cabeça interrompe a rotina com uma notícia urgente. Uma tragédia se desdobra na tela: a morte de um CEO. Esforço-me para não olhar para a tela e me concentro em terminar o pedido de Giorgio.
— Giorgio — chamo seu nome, e ele aparece diante de mim, com o olhar fixo na televisão, perplexo. Sem dizer uma palavra, ele se aproxima para pegar o café.
Um impulso irresistível me leva a me virar e observar o que todos no café estão olhando. E ali, estampado na tela, está a notícia do falecimento de Hector Saratoneli, meu pai. As palavras parecem ecoar em um burburinho distante, enquanto minha mente mergulha em um silêncio ensurdecedor. Vejo Giorgio se despedindo, mas seus lábios se movem sem que eu consiga captar o que ele diz. Tento forçar um sorriso, apenas para não parecer rude ao me despedir. Mas, internamente, meu mundo começa a desabar.
Viro-me novamente para a televisão, e entendo a palavra "testamento" sendo mencionada. Uma única pergunta ecoa em minha mente: será que era isso que minha mãe queria me dizer? Algo de Hector Saratoneli; meu pai; seria meu por direito? O caos emocional me consume.
Conto os segundos até que o dia termine, cada minuto vai se arrastando como se quisesse me punir por não poder escapar da realidade. Tudo que desejo é voltar para casa, onde posso desabar sobre minhas emoções, sem a pressão das aparências, e permitir que as lágrimas caiam livremente. O peso da revelação e a confusão em meu coração tornam-se insuportáveis.
Chegando em casa penso que hoje foi como atravessar uma tempestade que parecia não ter fim, porém, encontrei abrigo; mas não o alívio. Assim que fechei a porta atrás de mim, o silêncio do meu pequeno apartamento pareceu envolver tudo, se misturando ao vazio que eu sentia. O cansaço emocional pesava tanto quanto o físico. Cada centímetro do meu corpo parecia pedir para desabar, e foi exatamente o que fiz. Me permiti finalmente sentir tudo o que, durante o dia, tinha segurado por entre sorrisos e palavras trocadas. O peso da carta de minha mãe e a notícia sobre a morte de Hector Saratoneli me atingiram como um murro, e eu chorei até adormecer, afogada no misto de perda, revelação e incerteza.Na manhã seguinte, ao me olhar no espelho, minha face inchada e meus olhos vermelhos eram testemunhas da noite sem
Ao meu redor, o café parece se desfocar e, por um instante, é como se estivéssemos apenas Giorgio e eu, imersos em um mundo só nosso. Tento recuperar a compostura, mas o convite inesperado e a intensidade no olhar dele me fazem esquecer, ao menos por um momento, das preocupações.Ele sorri com confiança e pergunta, em tom baixo:— E então, Elena… aceita o convite?Respiro fundo, tentando disfarçar o nervosismo.— Sim… aceito o convite — respondo, deixando escapar um sorriso que mistura curiosidade e uma leve insegurança.Giorgio sustenta o olhar, os olh
— Vou aceitar isso como um elogio! E você está muito elegante esta noite — comentei, admirando Giorgio, enquanto entrava no carro.Já dentro do carro, Giorgio sorriu com um brilho divertido nos olhos e comentou:— Obrigado, Elena. Com uma companhia como a sua, a elegância é quase uma exigência.Enquanto a cidade de Milão se desenrolava diante de nós, iluminada pelas luzes cintilantes que refletiam a vida noturna vibrante, o clima era leve, mas minha mente estava repleta de pensamentos conflitantes. O jantar com Giorgio poderia ser a oportunidade que eu tanto precisava para me distrair, mas a leitura do testamento na manhã seguinte pairava sobre mim como uma nuvem ameaçadora.&mdash
Aos poucos, me afastei, ainda sentindo o gosto dele em meus lábios e o calor de seu toque na pele. Ele me olhava com a mesma intensidade, como se quisesse decifrar o que eu estava sentindo.— Obrigada por esta noite, Giorgio — sussurrei, com um sorriso tímido.Ele apenas sorriu, um sorriso cúmplice e cheio de promessas, enquanto eu me virava e caminhava em direção à entrada do prédio, ainda sentindo o coração disparado e o gosto daquele momento ainda fresco em meus lábios. Já dentro do elevador, encarei meu reflexo no espelho, mal acreditando no que tinha acabado de acontecer. Um sorriso involuntário surgiu no meu rosto, e naquele instante, percebi que algo dentro de mim havia mudado.Ao abrir a porta de casa, o clima da noite muda num instante. O envelope, deixado estrategicamente sobre a bancada, parece esperar po
As palavras do advogado ecoam na sala, e um murmúrio coletivo se espalha entre os presentes. Olhares de surpresa e incredulidade se cruzam, enquanto eu me sinto cada vez mais exposta. O peso da revelação se transforma em uma pressão insuportável, e o ar parece rarefeito.Riccardo, ainda em choque, bate a mão na mesa com tanta força que o som do impacto reverbera pela sala, fazendo todos se calarem instantaneamente. Seu rosto está vermelho, a indignação transparecendo em cada linha da sua expressão.— Como assim, a empresa é dela? — questiona Riccardo, a voz carregada de incredulidade e raiva. — Sempre estive ao lado do meu pai, sempre fui essencial para a Adoneli! Lido com inúmeras pessoas, todos os grandes contratos vieram de mim! E agora aparece essa..
Assim que cheguei em casa, a adrenalina da reunião da Adoneli ainda pulsava em meu corpo. Fechei a porta atrás de mim e, com um suspiro profundo, deixei que a normalidade da minha casa me envolvesse. Cada objeto ao meu redor parecia estar em seu lugar, mas eu sabia que minha vida havia mudado de maneira irreversível.Caminhei até o meu quarto e encarei o uniforme de barista pendurado no cabide. Era um uniforme simples, mas que representava a vida que eu levava até aquele momento.Depois de me trocar, desci pelo elevador e caminhei até o café, o movimento ainda era calmo, em contraste com a agitação dos meus pensamentos. Como de costume, preparei café para cada um dos clientes na fila, que me sorriam e agradeciam. Por um momento, senti uma onda de normalidade. O aroma do café fresco e o som da máquina me faziam sentir parte de algo familiar, mesmo que a ansiedad
Ao me vestir para o trabalho nesta manhã, sinto uma mistura de emoção e despedida em cada movimento. Minha mãe surge nas minhas lembranças, como se estivesse me lembrando de encarar esse novo mundo com a força que ela sempre cultivou em mim. Coloco os uniformes extras na mochila e não resisto em adicionar um vestido bonito, pensando no almoço com o Giorgio; um momento que promete ser muito mais do que uma simples refeição. “Hoje é o adeus à minha antiga vida”, repito em silêncio.Ao chegar ao café, encontro o Sr. Mattia organizando as mesas e ajustando a temperatura das máquinas para a manhã. Ele sorri, mas percebo algo melancólico em seu olhar. Sem dizer nada, deixo meus uniformes dobrados sobre sua mesa, como um gesto silencioso de gratidão pelo tempo que passei a