Em passos apressados, Enrico continuou andando. Um de seus subordinados o cumprimentou, mas ele o ignorou. Estava com receio de que o nó se formando em sua garganta ficasse aparente em sua voz, afinal, seria o futuro Capo, precisava manter a postura.
Dentro do carro, ele tirou o blazer e afrouxou o colarinho, sentia a raiva sufocá-lo. Sentia-se estúpido por ter sido enganado por um rabo de saia.
— Ela vai ter o que merece! — Desferiu um soco contra o volante. — Isso não vai ficar assim! — Outro soco. Depois outro, e mais outro.
O carro deslizava tão rápido pela pista, que as árvores que ladeavam a estrada mais pareciam borrões vistas de dentro do automóvel. Enrico baixou os vidros, permitindo que o ar gelado condensasse sua respiração irregular, o vento frio açoitou o seu rosto. A voz do tio ainda reverberava em sua mente, as informações colhidas, junto com a moeda e o pendrive, confirmavam o que Enrico tinha tanto medo de admitir para si mesmo: ele estava errado sobre a própria esposa. A mulher que ele amava era uma farsa, mas Enrico estava cansado daquele casamento falso, estava na hora de dar uma lição na mulher que o enfeitiçou com os seus encantos.
O céu estava rosado quando Enrico saiu do carro, ele ergueu levemente a cabeça e acenou para os dois seguranças que vigiavam a entrada da propriedade.
Enrico entrou na sala, olhou para o sofá onde Lívia estava encolhida, envolta em um cobertor. Por breves segundos, ele se compadeceu da mulher com marcas de lágrimas no canto dos olhos, mas sua expressão se transformou quando as palavras do tio ecoaram em sua mente. Ele estava hesitante e angustiado, mas no final, foi dominado pelo ódio em seu coração. Não havia mais ternura em seu olhar.
Pisando duro contra o chão, ele foi até o sofá e puxou o cobertor tão bruscamente que Lívia despertou, assustada. Colocou a mão no peito, o seu coração batia mais rápido.
— O que houve? — indagou a voz trêmula de Lívia. — Eu fiquei a madrugada toda te esperando.
— O que houve? — Riu debochadamente. — Você não tem vergonha da maneira como interpreta esse papel de boa mocinha, não é?
— Não permito que fale dessa maneira comigo! — Ela replicou e encolheu-se ainda mais quando Enrico avançou.
— Cale-se! — A sua voz estava carregada de ódio.
— Por que fica dizendo que estou encenando?
— Bravo! — Enrico começou a bater palmas — Hollywood está perdendo uma grande atriz. — Ele continuou aplaudindo. — Digna de um Oscar!
— Não entendo porque está tão chateado comigo… — retrucou.
— Não seja sonsa! — Ele aumentou o tom da voz. — Você não se cansa? Hâ!?
Lívia contraiu os ombros e engoliu em seco ao avistar a pistola na cintura de Enrico.
— Não sei como não desconfiei de você antes — disse, negando com a cabeça. — Eu devia ter percebido que todos os seus movimentos e palavras foram bem ensaiados! — Segurou-lhe o queixo e levantou o rosto de Lívia, os olhos negros estavam marejados. — A melhor parte disso tudo foi o seu ato de bondade para me salvar… — a mágoa repercutiu em sua voz
— Eu sempre fiz o que estava ao meu alcance para salvar vidas. Prometi que faria de tudo, segundo o meu poder e minha razão, para salvar até mesmo bandidos feito você! — Lívia replicou, cuspindo cada palavra.
— Ah! — Aplaudiu de novo, mas desta vez, mais alto. — O juramento de Hipócrates! Você tem uma resposta para tudo.
— Não tenho que ficar ouvindo isso. — Levantou-se do sofá. — Vou embora dessa casa!
— Você só vai sair daqui quando eu mandar! — Ele gritou. — Senta aí!
Enrico tirou a glock da cintura e colocou na mesinha de centro.
Naquele exato momento, Lívia recordou-se do que ele comentou sobre a mulher que matou por traí-lo. Pela fisionomia tenebrosa do marido, sabia que Enrico não hesitaria em fazer o mesmo com ela. Lívia foi para o lado oposto e sentou na poltrona de frente para o marido. Não sabia o que esperar, sabia apenas que não deveria baixar a guarda.
— Quer falar mais alguma coisa? — Ela tentou demonstrar segurança.
O jeito como alisava as costas das mãos trêmulas denunciavam o seu medo e nervosismo. Por um segundo, Enrico chegou a hesitar, mas rapidamente, ele tratou de reavaliar os sentimentos por aquela mulher.
— Você não tem jeito mesmo! — Ele teceu o comentário, sorrindo.
Houve um longo minuto de silêncio naquela sala. A tensão planava entre o casal. Estava amanhecendo, Lívia não tinha dormido bem naquela noite.
— Já brincou de roleta russa? — Ele olhou de Lívia para a glock.
— Não! — Ela se concentrou na pistola.
Enrico estava tão dominado pela paranoia que retirou a arma da mesa antes que Lívia fizesse o mesmo.
— Eu já brinquei de roleta russa com um colega.
Os lábios se contorcem num sorriso tenebroso enquanto Enrico alisava o cano da semiautomática.
— Não usei essa belezinha aqui. — Empunhou a glock — Foi uma 48 que o meu tio me deu em um dos meus aniversários. Naquele dia, o tambor tinha uma, apenas uma bala, e eu acertei a perna dele de primeira.
Lívia se remexeu no sofá, estava assustada com o tipo de educação que Enrico teve. Ele foi ensinado a odiar, a passar por cima e eliminar todos os problemas que estivessem em seu caminho.
Três meses antes... Enrico Bianchi era o sottocapo de uma poderosa máfia italiana e desde criança aprendeu a derramar sangue. Para vingar a morte de seus pais, ele treinou rigorosamente.A cada chute e soco desferido contra o saco de pancadas, a mente evocava as lembranças da noite em que se escondeu embaixo da cama e ouviu os gritos desesperados de sua mãe.Após vinte e cinco anos, Enrico saía em missões, contudo, ele mantinha o treinamento rigoroso. Naquela manhã de sábado, ele ergueu a perna e deu um chute forte no saco de pancadas. O rapaz franzino caiu sentado.— Segura isso com mais força, — ordenou a voz prepotente.Enrico pegou a toalha e enxugou o suor que brotava de suas têmporas enquanto o outro homem se levantava.— Se você cair novamente, eu vou te chutar até cansar. — Ele espremeu os olhos enquanto o subordinado se colocava de pé.Com o passar do tempo, Enrico se tornou um assassino cruel e temido por todos os seus inimigos. Ele enterrou as suas emoções, não havia razão
Naquela noite chuvosa, as ruas estavam vazias. Enrico seguiu o homem de capa preta por um longo caminho sem ser notado. Queria ter certeza de que não havia testemunhas à sua volta antes de cumprir a sua missão.Ele cresceu sabendo que os traidores eram raças da pior espécie e que deveriam ser liquidados o quanto antes. Parado num beco mal iluminado, esperava que o contador chegasse mais perto, nesse ramo a paciência é indispensável. Em um movimento súbito, Enrico passou a corda no pescoço do homem que, instintivamente, lutou para sobreviver.— Seu traidor de merda! — ele impôs toda a sua força apertando a corda cada vez mais, o homem buscava freneticamente pelo ar sem conseguir se desvencilhar de seu algoz — Vou te ensinar a não se meter com a minha família!Segurando entre o queixo e a cabeça, ele virou o pescoço do traidor para o lado oposto e quebrou-lhe o pescoço. Enrico soltou o corpo do homem sem vida no chão e cuspiu sobre ele, não satisfeito, desferiu chutes contra o corpo esti
Na manhã seguinte, os raios de sol invadiram o quarto enquanto a médica avaliava o seu paciente verificando os curativos. Examinou-o com calma e sorriu ao observar os olhos de Enrico se abrindo lentamente.— Buongiorno! — Ela esboçou um sorriso complacente.Quando, enfim, recobrou os sentidos e a visão já não estava mais embaçada, Enrico se surpreendeu com a incrível semelhança entre aquela médica e sua falecida mãe.À semelhança era tão grande que ficou estupefato, ele quase esqueceu o motivo de estar ali. Quando os seus olhos encontraram as pupilas cor de jabuticaba de Lívia, algo especial aconteceu dentro dele, não conseguia parar de olhar para aquela mulher.Percebendo o olhar insistente, Lívia afastou-se um pouco, jeito como ele a encarava parecia devastar-lhe a alma.— Tem algum parente que eu possa informar que o senhor está na clínica?— Não! — Ele se levantou tão rápido que as têmporas latejavam.Havia uma faixa em torno de sua cabeça. Enrico franziu o cenho ao sentir a dor, m
Após o incidente, Enrico estava mais atento aos movimentos da médica, para que ela não colocasse tudo a perder. Ele alisou o curativo do ferimento, o efeito do analgésico diminuía gradualmente. De longe, Lívia observou o cenho franzido de seu paciente, era nítido que ele começava a sentir dor. Em certo momento, ele tirou o avental e gemeu baixinho ao tocar no curativo. Havia um pouco de sangue na faixa branca. Tinha certeza que um dos pontos havia arrebentado.Intimamente, ela se recusava a cuidar daquele homem ingrato e perigoso. Fazia horas que ela estava presa com o mafioso. Enrico só entrou em sua vida para trazer mais problemas e ameaçá-la, então, por que deveria ajudá-lo? Ela continuou sentada, avaliando até onde ele suportaria a dor.— Tenho pacientes agendados!— O Hospital não abrirá hoje, diga que os funcionários estão de greve.— Dependo desse trabalho para me sustentar.— Pagarei a porra da dívida assim que estiver em segurança.— Vou perder o dia de trabalho!— Já disse
Lívia suspirou pesado ao pensar no cãozinho que devia estar na porta esperando por ela, mas diante de mais uma ameaça, não insistiu.Por volta das dez horas da manhã, a campainha tocou. — Feche! — Apontou para a cortina azul da janela. — Fique quietinha. Desde que o entregador apareceu, ele não permitiu que ela atendesse outras pessoas. Durante toda a manhã, o barulho da campainha se repetiu diversas vezes. Enrico não deixou que ela abrisse para os pacientes e nem mesmo para os funcionários que trabalhavam no hospital.Por volta de meio-dia, o estômago fez barulhos que deixaram-na envergonhada. — Está com fome, doutora?— Claro, não comi nada desde que saí da casa do Mattia.— A senhorita tem um homem?— Não! Mattia é meu melhor amigo.— Sei! Já trepei com algumas amigas, — sorriu ao lembrar do colegial. — Às vezes, eram duas!Fechando os olhos, ela tentou deletar as coisas absurdas de que o mafioso se gabava. Nunca gostou desse tipo de homem.— Tenho uma sala privada onde faço as
Enrico se esgueirou até a porta, destrancou e girou a maçaneta bem devagar. Seguiu pelo corredor sem fazer barulho e entrou no quarto em que passou a manhã com Lívia. Atento aos passos, esperou até que um homem de estatura mediana chegasse perto da porta. Tapou a boca do gângster rival e quebrou-lhe o pescoço com um único movimento. Assim que tirou o corpo do caminho, pegou o bisturi e os objetos cortantes da bandeja prata. Ouvia os gritos dos rivais chamando pelo comparsa morto.Enrico esperou por dois segundos após se esconder ao lado dos armários de remédios e atacou. Cravou o bisturi na jugular, antes que o homem gritasse. O mafioso sorria enquanto o homem se engasgava com o próprio sangue.Depois de tirá-lo do caminho, Enrico se escondeu atrás da porta. O clarão da lanterna iluminou os dois corpos jogados perto da cama. Antes que o terceiro homem pedisse ajuda, Enrico desferiu um golpe rápido com o bisturi contra o pescoço do rival. Fazia tempo que não ficava animado daquele je
Ambos ficaram em silêncio, esperando por mais ataques. Foram quase quinze minutos esperando, aflitos, mas não havia mais ninguém. Lívia estava apavorada, foi difícil recuperar o fôlego diante de tamanha selvageria, mas precisava se recompor para tratar dos ferimentos de Enrico. Apesar da forma como ele agiu, mantendo-a como refém em sua própria clínica e ameaçando sua vida, ela ainda era uma médica comprometida com seu juramento. A bala havia passado de raspão, mas foi o suficiente para agravar o ferimento já existente no braço do paciente. Lívia se viu, mais uma vez, contendo o sangramento e limpando o corte para fazer uma nova sutura. — Au! — Ele reclamou quando ela fechou o último ponto. — Faz isso direito! . — Eu sei o que estou fazendo. — ela replicou, furiosa O fato de que aquele homem estava sempre dando ordens e proferindo ameaças, sem demonstrar qualquer gratidão e respeito por ela, a deixava furiosa. Nem todos os cuidados dispensados a ele foram capazes de ameni
Lívia estava prestes a acordar o homem deitado à sua frente, mas recuou quando um pensamento cruzou sua mente. “Se quisessem nos matar, já teriam atirado”, ela refletiu, talvez aquela fosse a sua chance de pedir e ajudar a escapar dali. Em passos lentos, Lívia deixou o quarto onde Enrico estava deitado e seguiu pelo corredor até a entrada da clínica, mas antes que pudesse chegar à porta, homens de terno preto entraram no local. Antes mesmo que pudesse imaginar uma maneira de fugir, Lívia já havia sido dominada com truculência por um dos homens que a imobilizou contra ao chão. — Eu não fiz nada! — Ela se defendeu em voz baixa, imaginou que aqueles homens eram detetives e que estavam ali para prender o mafioso. — Sou médica, trabalho aqui na clínica. — O rosto estava pressionado contra o piso de madeira frio. — Fica quieta, maledita! — Tapou a boca da médica.Sem emitir qualquer som, Lívia reparou nas roupas dos quatro homens, eles não eram quem a médica imaginava.— Olha, o chefe