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Você não vai sair daqui!  

Após o incidente, Enrico estava mais atento aos movimentos da médica, para que ela não colocasse tudo a perder. Ele alisou o curativo do ferimento, o efeito do analgésico diminuía gradualmente. 

De longe, Lívia observou o cenho franzido de seu paciente, era nítido que ele começava a sentir dor. Em certo momento, ele tirou o avental e gemeu baixinho ao tocar no curativo. Havia um pouco de sangue na faixa branca. Tinha certeza que um dos pontos havia arrebentado.

Intimamente, ela se recusava a cuidar daquele homem ingrato e perigoso. Fazia horas que ela estava presa com o mafioso. Enrico só entrou em sua vida para trazer mais problemas e ameaçá-la, então, por que deveria ajudá-lo? Ela continuou sentada, avaliando até onde ele suportaria a dor.

— Tenho pacientes agendados!

— O Hospital não abrirá  hoje, diga que os funcionários estão de greve.

— Dependo desse trabalho para me sustentar.

— Pagarei a porra da dívida assim que estiver em segurança.

— Vou perder o dia de trabalho!

— Já disse que vou te ressarcir. — grunhiu de dor.

O efeito da medicação finalmente passou por completo. Lívia tinha que ter lhe dado um analgésico uma hora atrás, mas as coisas mudaram um pouco quando Enrico se tornou violento apontando uma arma em sua direção.

— Por que está doendo tanto?

— É comum existir dor ou incômodo no local.

— Você apertou demais esses pontos, — reclamou e mordeu o lábio inferior ao sentir outra pontada no ferimento. 

— A inflamação é parte do processo de cicatrização da pele — explicou a voz serena. Lívia prendeu os cabelos num coque no alto da cabeça. — Nunca levou pontos?

— Já! — respondeu ele com os dentes cerrados. — Mas não doía tanto assim. Você apertou demais de propósito. — murmurou o tom rouco.

Enrico olhou para o armário de remédios. Cambaleou e averiguou as medicações.

— Você tem algo para dor? — inquiriu sem largar a pistola.

Lívia ainda estava assustada, qualquer movimento em falso e aquele homem atiraria. Ela se levantou bem devagar e deu poucos passos ao encontro do homem comprido.

— Licença! — Pediu.

Enrico deu um passo para o lado, não tirou os olhos da garota de estatura mediana. Aproximando-se um pouco, sentiu o aroma de pêssego nos cabelos sedosos de Lívia, que se assustou.

— O que está fazendo?

— Você está demorando demais para pegar a porra da medicação. 

Lívia se virou, segurava um frasco com analgésicos e outro com anti-inflamatórios. Pegou um comprimido para dor e uma cápsula para aliviar a inflamação e os entregou ao gângster.

— Preciso de água. — Jogou os dois remédios na boca.

Lívia foi até a uma pequena geladeira no canto da sala em tons terrosos e retirou uma garrafa de água. Nunca se sentiu tão ultrajada por cuidar de um paciente.

— Tem alguma roupa que não seja aquela camisola de hospital?

Enrico virou a garrafa e bebeu o restante da água pelo gargalo.

— Aqui não é uma loja de grife. — retrucou enquanto fechava o armário de remédios.  

As pupilas claras do jovem mafioso avaliaram o curativo sujo de sangue.

— Troque isso! — Apontou para a faixa branca com uma mancha vermelha.

Ele se jogou na poltrona reclinável onde Lívia estava sentada.   

Girando os calcanhares, Lívia pegou o álcool, algodão e gaze, distribuiu o material para o curativo sobre a mesa e puxou a cadeira.

Na mira da pistola, ela começou a desenrolar o tecido que cobria a sutura. Reparou que dois pontos estavam arrebentados.

— Você costurou mal!

— Isso não é culpa minha, foi você que se esforçou. Fica apontando essa porcaria para mim, — indicou a arma de fogo com o queixo — e ainda me puxa de um lado para o outro como se eu fosse um brinquedo.

Enrico riu da comparação, se a doutora Lívia soubesse o que ele costumava fazer com os brinquedos na infância, não o enfrentaria daquela maneira.

— Au! — Berrou quando sentiu a ardência.

A médica encostou o algodão embebido em álcool sobre a sutura. Depois da assepsia, enrolou o braço esquerdo com uma faixa limpa.

— Você pode colocar o avental por gentileza! — Ela ergueu o rosto e fitou o homem seminu. 

— Nunca viu o seu namorado nu?

Enrico acreditava que uma médica tão bonita quanto Lívia, devia ter alguém esperando por ela em casa. O pensamento gerou uma preocupação, no momento em que dessem falta da doutora Ricci, poderiam acionar a polícia.

— Trabalho demais. — empurrou a cadeira para trás, afastando-se. — Na maior parte do meu tempo, eu fico cuidando de pessoas e salvando vidas.

— Você é solteirona! Não entendo como uma mulher tão linda vive para o trabalho e não curte a vida.

Lívia tencionou o lábio. Poderia ter um namorado se desse uma chance ao melhor amigo, mas não correspondia ao sentimento de Matteo. Ignorando o paciente, ela pegou o controle e apertou o botão para ligar o ar condicionado. Em poucos minutos, a sala ficou mais gelada.

— Desligue isso! — A voz rouca ordenou.

— Está abafado aqui dentro. Eu não ficarei suando só porque você quer passear de cueca.

— Você também pode tirar a roupa.

— Caspita! 

Enrico deu alguns t***s no braço da poltrona, não sentia mais dor e estava mais relaxado. Saindo do sofá, pegou a roupa hospitalar e vestiu.

— Tenho um cachorro!

— É mesmo! — exclamou, desinteressado.

— Sempre coloco comida e água pela manhã… passei a noite aqui e o Bob deve estar com fome.       

Retornou e se acomodou no estofado de couro. Estava mais preocupado que Lívia chamasse a polícia do que com um animalzinho esfomeado. 

— Está achando que sou estúpido? — Ele tocou na pistola prateada e contemplou o rosto pálido da doutora. — Você não vai sair daqui!  

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