Presa com o gângster

Na manhã seguinte, os raios de sol invadiram o quarto enquanto a médica avaliava o seu paciente verificando os curativos. Examinou-o com calma e sorriu ao observar os olhos de Enrico se abrindo lentamente.

— Buongiorno! — Ela esboçou um sorriso complacente.

Quando, enfim, recobrou os sentidos e a visão já não estava mais embaçada, Enrico se surpreendeu com a incrível semelhança entre aquela médica e sua falecida mãe.

À semelhança era tão grande que ficou estupefato, ele quase esqueceu o motivo de estar ali. Quando os seus olhos encontraram as pupilas cor de jabuticaba de Lívia, algo especial aconteceu dentro dele, não conseguia parar de olhar para aquela mulher.

Percebendo o olhar insistente, Lívia afastou-se um pouco, jeito como ele a encarava parecia devastar-lhe a alma.

— Tem algum parente que eu possa informar que o senhor está na clínica?

— Não! — Ele se levantou tão rápido que as têmporas latejavam.

Havia uma faixa em torno de sua cabeça. Enrico franziu o cenho ao sentir a dor, mas não deixou que aquilo o abalasse.

— Para onde você me trouxe? — Ele deu um puxão em seu braço assim que saiu da cama.

O rosto de Lívia empalideceu, não esperava que o paciente fosse tão agressivo depois de tê-lo socorrido.

— Trouxe o senhor para o Hospital— respondeu, indignada. — deveria ser mais grato.

— Pelo quê? — Ele perguntou entre dentes.

— Por salvar a sua vida. Você estava desmaiado naquela calçada, debaixo da chuva, se esvaindo em sangue quando te encontrei. Não foi fácil te arrastar para o meu carro e muito menos te colocar nessa cama.

— Não fez mais que a sua obrigação.

— Você é mal-educado! — A médica retrucou.

Lívia não costumava agir daquele jeito, mas aquele paciente causou-lhe tamanha fúria que ela não teve reservas quanto a devolver a rispidez.

— Pode me informar o nome de algum parente? O senhor já está de alta… — ela abaixou o rosto e verificou o último exame na tela do computador. — Além disso, preciso saber como será a forma de pagamento pelos custos da internação, dos exames e dos serviços prestados.

Enrico cambaleou até a bandeja com vários instrumentos cirúrgicos, pegou o bisturi e apontou para a mulher acuada.

— Não tenho ninguém! É melhor ficar quietinha ou as coisas não ficarão ótimas para o seu lado.

Ele continuou ameaçando a médica para manter o seu paradeiro em segredo. Temia que os gângsteres da máfia rival tivessem seguido o carro de Lívia e estivessem esperando ele sair da clínica.

— Quero que me ajude a tomar um banho, — o pedido soou mais como ordem.

— Não sou a sua enfermeira, — ela se recusou. — Se você não percebeu, o banheiro deste quarto não tem chuveiro.

— Estou mandando você vir, — ele aumentou o tom da voz. — Não precisa tocar lá embaixo, — piscou.

O homem emitiu um grunhido ao avaliar a manga rasgada do blazer. Tocou na altura do abdômen e sentiu o tal livro caixa que recuperou para o tio.

— Esse terno foi feito sob medida. — Olhou para a faixa branca com mancha vermelha que envolvia a sutura em seu braço. — Não devia ter cortado. O tecido desse blazer vale mais do que essa clínica!

A médica deu de ombros, ignorando a reclamação do paciente irritado. Encheu uma bacia pequena com água e pegou um pano.

Do outro lado do quarto, ele retirou a pistola e o pequeno livro da cintura. Discretamente, escondeu tudo debaixo do travesseiro. Tirou o que sobrou do blazer e em seguida, ele abriu o cinto. Tirou a calça, apenas uma cueca preta o impedia de estar totalmente nu.

Lívia ficou pasma ao vê-lo assim, o rosto enrubesceu diante da indiscrição de seu paciente. Não era a primeira vez que via um homem seminu, mas nunca passou por tal situação no ambiente de trabalho.

— O que está esperando? — Os olhos inquisidores se fixaram na médica.

Tentando se abster da sedução que emanava daquele homem, ela ignorou o peitoral com músculos que se expandia até os ombros e cada relevo muito bem definido do abdômen. Em silêncio, ele sentia a mão delicada deslizando o pano por sua pele, removendo a sujeira de seu corpo. 

— Não vou lavar lá embaixo. — recusou com veemência. 

Furioso, Enrico tomou o pano de sua mão enquanto ordenava que ela trouxesse algo para comer.

— Tem alguns biscoitos na gaveta da minha mesa.

— Então pegue! — Exigiu. — Estou com fome — reclamou rudemente.

A médica abriu a gaveta da escrivaninha branca e retirou um pacote, olhou para o telefone, num ímpeto de emoção, a mulher assustada cogitou a ideia de retirar o aparelho do gancho sem ele perceber. 

— Doutora Ricci, — as pupilas azuis olharam do crachá para o rosto anguloso da médica — a senhorita não faz ideia de quem sou e do que posso fazer com esse maldito Hospital caso você toque nesse telefone.

— Eu devia ter te largado naquela calçada! — Reuniu forças para retrucar. — Não sei em que briga você se meteu e nem quero saber, realmente não me importo com sua vida! 

— Pensei que a senhorita tinha feito o juramento — esboçou um sorriso debochado.

Lembrou-se da voz da médica sussurrando algo sobre isso pouco antes de lhe aplicar a injeção que aliviou a dor de seu ferimento. Enrico estava fingindo estar inconsciente para saber do que aquela médica era capaz.

— Tem alguma roupa que me sirva? — Ele desviou do assunto.

O terno estava sujo de terra e sangue, além de estar molhado, precisava de uma roupa limpa.

Lívia saiu de trás da mesa, foi para o lado oposto onde ela pegou um avental capote azul. A médica se virou e deu três passos até o homem seminu que, mesmo se recuperando, exibia a boa forma com orgulho. Ela entregou o pacote de biscoito para Enrico e em seguida, deu a roupa para o paciente se vestir.

— Por favor, se vista e vá embora. Daqui a pouco, atenderei os outros pacientes.

Enrico enfiou a mão debaixo do travesseiro de onde retirou a arma, logo em seguida, apontou o cano da pistola para a médica.

— Já estou me cansando da sua atitude — vociferou. — Faça o que eu mandar!

As batidas fortes deixaram-no em alerta. Enrico vincou a testa e ao encarar Lívia novamente.

— É o entregador. — explicou, tentando manter a calma. — Ele traz os remédios, seringas e outros insumos diariamente.

Enrico vestiu o avental cirúrgico e segurou novamente o braço da médica.

— Mande ele ir embora!

Lívia caminhou lentamente até a entrada principal do Hospital enquanto Enrico apontava a arma para as suas costas. Ela destrancou e girou a maçaneta bem devagar. 

— Buongiorno, doutora!

O entregador viu o rosto e parte do corpo da doutora Ricci pela fresta da porta.

— Olá!

A médica olhou para o lado, tentando enviar sinais de que estava em perigo, mas ele não percebeu. 

— Assine aqui, por favor! — Entregou a prancheta.

Ela rubricou e pegou a caixa pequena. Agradeceu o jovem rapaz com um sorriso contido. 

— Como está a sua filha? — Ela indagou. 

— Está muito sapeca, os dentinhos estão nascendo.

— Que maravilha! 

Sentiu o cano da pistola apertando contra as suas costas, o risco estava aumentando, não tinha outra   escolha a não ser dispensar o entregador.

— Arrivederci! 

Com a mão direita, Enrico segurou firmemente o ombro da médica e puxou-a antes de trancar a porta e levá-la de volta para o quarto.

— Sente ali! — Apontou para a poltrona de couro preto ao lado da cama. — Não faça nenhuma gracinha!

Colocando a arma sobre a cama, Enrico abriu o pacote de biscoitos e começou a comer. Não conseguia tirar os olhos da médica, temia que Lívia fizesse algo que alertasse ao entregador. 

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