Três meses antes...
Enrico Bianchi era o sottocapo de uma poderosa máfia italiana e desde criança aprendeu a derramar sangue. Para vingar a morte de seus pais, ele treinou rigorosamente.
A cada chute e soco desferido contra o saco de pancadas, a mente evocava as lembranças da noite em que se escondeu embaixo da cama e ouviu os gritos desesperados de sua mãe.Após vinte e cinco anos, Enrico saía em missões, contudo, ele mantinha o treinamento rigoroso. Naquela manhã de sábado, ele ergueu a perna e deu um chute forte no saco de pancadas. O rapaz franzino caiu sentado.— Segura isso com mais força, — ordenou a voz prepotente.Enrico pegou a toalha e enxugou o suor que brotava de suas têmporas enquanto o outro homem se levantava.— Se você cair novamente, eu vou te chutar até cansar. — Ele espremeu os olhos enquanto o subordinado se colocava de pé.Com o passar do tempo, Enrico se tornou um assassino cruel e temido por todos os seus inimigos. Ele enterrou as suas emoções, não havia razão para se casar ou até mesmo ter um relacionamento como uma mulher a não ser por diversão.Apesar de todo o seu esforço para se vingar e cuidar do legado da família, o tio de Enrico ainda estava no poder. Don Massimo Bianchi era o Capo da máfia que controlava a célula da família. O seu tio era tão cruel e louco que ficava por horas assistindo à tortura de suas vítimas.Desde pequeno, Enrico sempre acompanhou o tio. Ele ficava ao lado da cadeira do homem robusto que lhe contava porque aquelas pessoas eram punidas.Enrico era o subchefe. Tinha a função de resolver os negócios ou disputas menores da máfia quando o seu tio não estava disponível. Ele assumiria o cargo caso o seu tio fosse preso ou quando estivesse velho demais.Certa noite, Enrico foi até a casa de mulheres, onde foi bem atendido pela cortesã e levado para um camarote VIP.O homem comprido de cabelos castanhos tinha um charme diabólico que atraía os olhares femininos; as pupilas, tão azuis quanto águas marinhas, cintilavam. Poderia seduzir e usar qualquer uma daquelas garotas seminuas que desfilavam pelo salão.Uma mulher, usando uma blusa decotada e minissaia, lhe serviu duas doses de uísque. Seus olhos estavam atentos às cortinas vermelhas que se abriram repentinamente. Apesar de não se apaixonar com facilidade, sempre gostou de exclusividade. A jovem stripper apareceu no palco e deslizou sensualmente no sofá cenográfico. Mantinha os olhos fixos em Enrico.Ele tomou um gole da bebida destilada enquanto centralizava a atenção nos movimentos da dançarina antes de seus olhos captarem um de seus subordinados que entrou no camarote.— O que você quer?— Don Bianchi solicitou a sua presença.Enrico cerrou os olhos com desgosto, todos sabiam que nos dias de folga, ele saía para se divertir.— O que aconteceu?— Ele quer falar diretamente com o senhor, — informou o homem grandalhão.— Diga que chegarei lá em uma hora.Impaciente, pediu à garçonete outra dose. De repente, avistou um homem robusto que se levantou assim que o show de stripper terminou. Percebeu quando a cortesã pegou um maço de dinheiro.Desconfiado, Enrico engoliu toda a bebida e colocou o copo na mesinha ao lado de sua poltrona, antes de se levantar e sair.— Aonde vai? — A stripper parou na frente dele.— Saia do meu caminho.— Pensei que hoje era o dia de…— Você já tem companhia — ergueu o queixo indicando o cliente que esperava por ela.— Eu ia te atender primeiro.— Já disse que gosto de exclusividade. Volte ao trabalho ou perderá outro cliente.— Achei que havia algo mais entre nós dois! — A stripper o olhava esperançosa, aguardando uma resposta.O sorriso maquiavélico deixava o rosto de Enrico mais sombrio, era óbvio que ele não se importava. A certeza de que aquele homem lhe era completamente inatingível a deixou triste.— Posso fazer aquela massagem que você gosta, amore mio! — Tentou seduzi-lo com sua voz melosa.— Não tenho o mínimo interesse em namorar ou casar, menos ainda com uma puta igual a você! — Enfiando as mãos nos bolsos, ele saiu do local sem se importar com a garota de coração partido.No Rolls-Royce preto, Enrico perguntou ao motorista sobre qual seria o real motivo do tio convocá-lo em pleno sábado, mas o homem continuava dizendo que não sabia.Assim que o veículo entrou na suntuosa propriedade, o motorista estacionou em frente a mansão com a fachada branca, ele permaneceu sentado, o seu semblante estava pesado.O homem grandalhão abriu a porta do carro e aguardou alguns segundos até que Enrico saiu ajeitando o blazer azul.Ele foi recebido por dois seguranças que estavam na porta. Do hall de entrada, dava para ouvir os berros do tio que amaldiçoava o conselheiro.Enrico tirou o paletó e entregou ao mordomo. Seguiu para a sala onde ouvia o conselheiro dizer o quão perigoso era mandá-lo para aquela missão. O conselheiro, há 30 anos cuidando dos assuntos da família, estava completamente inclinado a convencê-lo de que aquela era uma situação delicada.A família Bianchi era uma família religiosa, entretanto, os negócios principais eram voltados para redes de extorsão, contrabando, jogo ilegal e tráfico de armas, sendo assim, amizades com pessoas importantes eram primordiais para os negócios. Eles eram líderes admirados e temidos por todos à sua volta, desde funcionários até moradores de bairros vizinhos.À fama se dava graças aos rígidos códigos de conduta da família, o principal deles era executar brutalmente os seus inimigos e traidores.— Posso saber o motivo do alvoroço?Enrico acomodou-se no sofá, abriu os braços e apoiou no encosto estofado branco.— Seu tio quer que você vá atrás de um traidor. — disse o conselheiro.— Ele levou um documento importante e o livro caixa com todos os registros. — O tio de Enrico caiu pesadamente na poltrona.— Já sabe onde ele está?— Ele correu para pedir abrigo aos malditos da Gaspipe.Enrico inclinou o torso para frente e juntou as mãos. Aquele traidor devia estar contando com a segurança da máfia rival há algum tempo.— Tenho certeza que ele ainda vai buscar a família.— Vou atrás dele!— Mate aquele desgraçado, — Don Bianchi mandou enquanto encarava o sobrinho. — Quero o coração dele.•*´¨`*•.¸¸.•*´¨`*•.¸¸.•*´¨`*•.¸¸.•*
Do outro lado da cidade, Lívia deixou escapar um sorriso cansado após atender os últimos pacientes em sua clínica. Ela era uma jovem médica tão autoconfiante que, antes mesmo de concluir sua residência no hospital Saint-Mary, na França, ela já havia planejado ajudar o seu melhor amigo no atendimento aos pacientes e na administração de um Hospital na Itália. Quando retornou à Florença, a doutora Ricci se dedicou ao trabalho com afinco. Aquele havia sido um dia bastante agitado na emergência do hospital. Lívia verificou a agenda, havia mais dez pacientes já agendados para o dia seguinte. Despediu-se dos funcionários enquanto apagava as luzes da clínica. Estava trancando a porta quando ouviu uma voz gritar o seu nome do outro lado da rua.— Lívia!— Que susto! — Colocou a mão no peito.— Desculpe, não foi a minha intenção! — O rapaz se aproximou.— Sei! — Olhou atravessado para o amigo.— Pensei que você tinha um encontro, Mattia.— Pois, é! — Coçou a nuca instintivamente enquanto caminhavam. — Ela não era como eu esperava.— E como sempre, você fugiu.Lívia balançou a cabeça, não era a primeira vez que seu amigo fazia aquilo.— Quer jantar conosco? — ele perguntou, meio sem graça. — Minha mãe disse que preparou fettuccine.— Não sei — respondeu, pouco convincente. — Não quero ser uma intrusa no meio de sua família. — parou ao lado da porta do veículo vermelho.O convite do amigo era tentador, mas Lívia se sentia constrangida. Órfã de mãe e sem imaginar o paradeiro de seu pai, ela nunca soube o que era ter a família reunida em torno da mesa.— Sabe que a mamãe te adora, você é nossa convidada.— Só vou porque amo fettuccine e estou com muita fome.— Estou ouvindo seu estômago reclamando…— Bobo!Ao chegar à modesta casa, Lívia foi recebida pela mãe de seu amigo, ela era gentil e a tratava com carinho. O jantar já havia sido servido e os dois ainda falavam sobre as melhorias a se fazer na clínica, até serem interrompidos pela senhora de fios brancos.— Nada de falar de negócios à mesa!— Sim, mama!O jantar havia sido tão agradável que quando se deu conta o relógio já marcava nove horas da noite. Lívia olhou pela janela e viu que alguns pingos de chuva começavam a se chocar contra o vidro, era hora de ir. Mattia se ofereceu para levá-la até à porta enquanto Lívia abraçava a mama agradecendo pelo delicioso jantar. Enquanto caminhavam, Mattia tentou convencê-la de que poderia ser perigoso dirigir durante a chuva, mas Lívia não via problema e prometeu avisá-lo por mensagem assim que ela chegasse em casa. Após se despedirem, ela correu pelo gramado em direção ao carro.Naquela noite chuvosa, as ruas estavam vazias. Enrico seguiu o homem de capa preta por um longo caminho sem ser notado. Queria ter certeza de que não havia testemunhas à sua volta antes de cumprir a sua missão.Ele cresceu sabendo que os traidores eram raças da pior espécie e que deveriam ser liquidados o quanto antes. Parado num beco mal iluminado, esperava que o contador chegasse mais perto, nesse ramo a paciência é indispensável. Em um movimento súbito, Enrico passou a corda no pescoço do homem que, instintivamente, lutou para sobreviver.— Seu traidor de merda! — ele impôs toda a sua força apertando a corda cada vez mais, o homem buscava freneticamente pelo ar sem conseguir se desvencilhar de seu algoz — Vou te ensinar a não se meter com a minha família!Segurando entre o queixo e a cabeça, ele virou o pescoço do traidor para o lado oposto e quebrou-lhe o pescoço. Enrico soltou o corpo do homem sem vida no chão e cuspiu sobre ele, não satisfeito, desferiu chutes contra o corpo esti
Na manhã seguinte, os raios de sol invadiram o quarto enquanto a médica avaliava o seu paciente verificando os curativos. Examinou-o com calma e sorriu ao observar os olhos de Enrico se abrindo lentamente.— Buongiorno! — Ela esboçou um sorriso complacente.Quando, enfim, recobrou os sentidos e a visão já não estava mais embaçada, Enrico se surpreendeu com a incrível semelhança entre aquela médica e sua falecida mãe.À semelhança era tão grande que ficou estupefato, ele quase esqueceu o motivo de estar ali. Quando os seus olhos encontraram as pupilas cor de jabuticaba de Lívia, algo especial aconteceu dentro dele, não conseguia parar de olhar para aquela mulher.Percebendo o olhar insistente, Lívia afastou-se um pouco, jeito como ele a encarava parecia devastar-lhe a alma.— Tem algum parente que eu possa informar que o senhor está na clínica?— Não! — Ele se levantou tão rápido que as têmporas latejavam.Havia uma faixa em torno de sua cabeça. Enrico franziu o cenho ao sentir a dor, m
Após o incidente, Enrico estava mais atento aos movimentos da médica, para que ela não colocasse tudo a perder. Ele alisou o curativo do ferimento, o efeito do analgésico diminuía gradualmente. De longe, Lívia observou o cenho franzido de seu paciente, era nítido que ele começava a sentir dor. Em certo momento, ele tirou o avental e gemeu baixinho ao tocar no curativo. Havia um pouco de sangue na faixa branca. Tinha certeza que um dos pontos havia arrebentado.Intimamente, ela se recusava a cuidar daquele homem ingrato e perigoso. Fazia horas que ela estava presa com o mafioso. Enrico só entrou em sua vida para trazer mais problemas e ameaçá-la, então, por que deveria ajudá-lo? Ela continuou sentada, avaliando até onde ele suportaria a dor.— Tenho pacientes agendados!— O Hospital não abrirá hoje, diga que os funcionários estão de greve.— Dependo desse trabalho para me sustentar.— Pagarei a porra da dívida assim que estiver em segurança.— Vou perder o dia de trabalho!— Já disse
Lívia suspirou pesado ao pensar no cãozinho que devia estar na porta esperando por ela, mas diante de mais uma ameaça, não insistiu.Por volta das dez horas da manhã, a campainha tocou. — Feche! — Apontou para a cortina azul da janela. — Fique quietinha. Desde que o entregador apareceu, ele não permitiu que ela atendesse outras pessoas. Durante toda a manhã, o barulho da campainha se repetiu diversas vezes. Enrico não deixou que ela abrisse para os pacientes e nem mesmo para os funcionários que trabalhavam no hospital.Por volta de meio-dia, o estômago fez barulhos que deixaram-na envergonhada. — Está com fome, doutora?— Claro, não comi nada desde que saí da casa do Mattia.— A senhorita tem um homem?— Não! Mattia é meu melhor amigo.— Sei! Já trepei com algumas amigas, — sorriu ao lembrar do colegial. — Às vezes, eram duas!Fechando os olhos, ela tentou deletar as coisas absurdas de que o mafioso se gabava. Nunca gostou desse tipo de homem.— Tenho uma sala privada onde faço as
Enrico se esgueirou até a porta, destrancou e girou a maçaneta bem devagar. Seguiu pelo corredor sem fazer barulho e entrou no quarto em que passou a manhã com Lívia. Atento aos passos, esperou até que um homem de estatura mediana chegasse perto da porta. Tapou a boca do gângster rival e quebrou-lhe o pescoço com um único movimento. Assim que tirou o corpo do caminho, pegou o bisturi e os objetos cortantes da bandeja prata. Ouvia os gritos dos rivais chamando pelo comparsa morto.Enrico esperou por dois segundos após se esconder ao lado dos armários de remédios e atacou. Cravou o bisturi na jugular, antes que o homem gritasse. O mafioso sorria enquanto o homem se engasgava com o próprio sangue.Depois de tirá-lo do caminho, Enrico se escondeu atrás da porta. O clarão da lanterna iluminou os dois corpos jogados perto da cama. Antes que o terceiro homem pedisse ajuda, Enrico desferiu um golpe rápido com o bisturi contra o pescoço do rival. Fazia tempo que não ficava animado daquele je
Ambos ficaram em silêncio, esperando por mais ataques. Foram quase quinze minutos esperando, aflitos, mas não havia mais ninguém. Lívia estava apavorada, foi difícil recuperar o fôlego diante de tamanha selvageria, mas precisava se recompor para tratar dos ferimentos de Enrico. Apesar da forma como ele agiu, mantendo-a como refém em sua própria clínica e ameaçando sua vida, ela ainda era uma médica comprometida com seu juramento. A bala havia passado de raspão, mas foi o suficiente para agravar o ferimento já existente no braço do paciente. Lívia se viu, mais uma vez, contendo o sangramento e limpando o corte para fazer uma nova sutura. — Au! — Ele reclamou quando ela fechou o último ponto. — Faz isso direito! . — Eu sei o que estou fazendo. — ela replicou, furiosa O fato de que aquele homem estava sempre dando ordens e proferindo ameaças, sem demonstrar qualquer gratidão e respeito por ela, a deixava furiosa. Nem todos os cuidados dispensados a ele foram capazes de ameni
Lívia estava prestes a acordar o homem deitado à sua frente, mas recuou quando um pensamento cruzou sua mente. “Se quisessem nos matar, já teriam atirado”, ela refletiu, talvez aquela fosse a sua chance de pedir e ajudar a escapar dali. Em passos lentos, Lívia deixou o quarto onde Enrico estava deitado e seguiu pelo corredor até a entrada da clínica, mas antes que pudesse chegar à porta, homens de terno preto entraram no local. Antes mesmo que pudesse imaginar uma maneira de fugir, Lívia já havia sido dominada com truculência por um dos homens que a imobilizou contra ao chão. — Eu não fiz nada! — Ela se defendeu em voz baixa, imaginou que aqueles homens eram detetives e que estavam ali para prender o mafioso. — Sou médica, trabalho aqui na clínica. — O rosto estava pressionado contra o piso de madeira frio. — Fica quieta, maledita! — Tapou a boca da médica.Sem emitir qualquer som, Lívia reparou nas roupas dos quatro homens, eles não eram quem a médica imaginava.— Olha, o chefe
Os pensamentos de Lívia estavam acelerados e, enquanto escutava aqueles homens, o medo dominava à sua mente. Ouvia os gangsters chamarem o chefão de louco enquanto lembravam de tudo o que o tio de Enrico fez contra os seus rivais e, até mesmo, contra os seus próprios comparsas que falavam em suas missões. Depois de esperar por cinco minutos o motorista deu a partida no automóvel. Lívia permanecia em silêncio sentindo os cílios roçarem na venda em seus olhos, estava apreensiva, pois já há algum tempo não ouvia à voz de Enrico. — Depressa! — Um deles falou. — Onde está o senhor, Bianchi? — O motorista indagou. — O chefe está no outro carro!“Desta vez, ele me abandonou”, ela pensou. …Lívia foi retirada do carro bruscamente, não tinha noção de onde estava, apenas seguia os passos do homem que puxou-a com pressa. Ela tropeçou em alguma coisa dura.— Cuidado com os degraus!Colocando um pé atrás do outro, continuou dando passos inseguros ao descer a escada. Quando pararam de anda