05 A festa

Cecílie

MAS QUE MERDA… Penso ao chegar no endereço que Camila tinha me passado. O bairro tinha algumas casas velhas e outras já estavam caindo aos pedaços. O lugar parecia uma cidade fantasma, era assustador. Como elas tiveram coragem de vir até aqui? Agora não dava mais para voltar atrás, eu seria rápida.

Será que Camila tinha me passado o endereço errado? No momento em que me faço essa pergunta, avisto luzes coloridas piscando no fim da rua. Algumas árvores atrapalhavam minha visão e escondia a casa muito bem, se não tivessem essas luzes eu nunca teria encontrado. Mas porque alguém faria uma festa aqui?

Continuo andando com o carro e estaciono há alguns metros de distância da casa. A última coisa que eu queria era chamar atenção, foi uma ideia idiota vir até aqui, mas eu não deixaria minhas amigas nesse lugar.

Olho com atenção para casa e parecia muito com cenário de filme de terror, só que com pessoas bêbadas e drogadas. Eu olhava ao redor e só conseguia ver pessoas inconscientes jogadas no chão ou vomitando no gramado. O som estava tão alto que me fez compreender porque eles faziam as festas aqui, não havia ninguém para denunciar, eu mesma não conseguia ouvir minha própria respiração. Mal cheguei e já queria ir embora.

Respiro fundo tomando coragem para mexer meu pés nesse salto ridiculamente fino que coloquei querendo ficar linda para Raphael, ao que o mesmo não se deu o trabalho de elogiar meu esforço patético. Olhando para minha situação, começo a me arrepender dessa decisão.

Ando até a porta da frente alerta a tudo que acontece à minha volta. Subo os três degraus da escada, e no instante em que atravesso a porta uma lufada de ar quente me atinge, me deixando zonza. A casa estava lotada, mas as pessoas não pareciam notar o quanto era desconfortável ficar num ambiente com várias outras pessoas suadas se esfregando em você, dançando e gritando, a essa altura do campeonato era impossível você falar e ser ouvida aqui.

Comecei a procurar pelas meninas olhando por cima do mar de cabeças, mas era uma missão quase impossível devido a minha falta de tamanho, mas eu estava empenhada. Empurro algumas pessoas da minha frente com brutalidade, sem me importar com os xingamentos que recebo em seguida. Olho ao redor procurando pela cabeleira de Camila, quando uma sensação forte me atinge a espinha fazendo um arrepio brotar no final da minha coluna e subir por ela, se instalando atrás da nuca.

Olho desesperadamente para os lados como se a resposta dessa sensação estivesse por perto, me observando, se espreitando pelos cantos dessa casa. Só que não fazia sentido algum, de duas, uma: ou eu estava enlouquecendo, ou a fumaça da maconha estava afetando minha mente deixando-me verdadeiramente perturbada.

De relance, vejo uma figura parada nas escadas do segundo andar me encarando. Assim que meus olhos cruzam com os dele, arrepios correm por todo meu corpo, me deixando paralisada e sem fôlego. Arfo instintivamente. Eu tentava desviar o olhar a qualquer custo, mas tinha alguma coisa mais forte que eu, que não deixava eu concluir o ato. Eu sentia meu rosto ficando vermelho vivo pela atenção desnecessária, mas só consegui olhar para o chão por breves segundos e suspender rapidamente para encará-lo novamente.

Um homem para em sua frente para cumprimentá-lo, pela intimidade, concluo que é algum amigo. Aproveito a oportunidade de não estar sendo observada também e presto atenção em suas roupas. Ele vestia uma camisa branca que adornava seus músculos abdominais, jaqueta de couro preta e calça jeans de lavagem escura. A corrente dourada, o relógio de ouro no pulso esquerdo e as tatuagens no pescoço e nas mãos completavam seu visual de bad boy.

Mas o que me chamou atenção mesmo foi seu rosto marcado por uma cicatriz no olho esquerdo, que ia do supercílio e atravessava sua pálpebra. Era uma cicatriz bem grande, e eu tinha a impressão que, o que a causou foi doloroso. Ele parecia carregar muitos segredos com essa cicatriz, mas ela era estranhamente linda e combinava perfeitamente com seu belo rosto.

Sinto uma queimação na boca do estômago, e uma sensação boa no vão entre minhas pernas, meu corpo não me obedecia e eu estava assustava por que sabia exatamente o que ele queria me dizer. Era a minha deixa para ir embora desse lugar. Dou meia volta e saio correndo da casa.

O ar gelado da noite me atinge, deixando-me aliviada por ter saído do inferno atrás de mim. Eu só tinha um problema agora, como encontraria minhas amigas? Elas podem estar em qualquer lugar. Tento ligar um, duas, três vezes e ninguém atende. Estava quase desistindo quando um cara que eu nunca tinha visto na minha vida para na minha frente, falando coisas desconexas, faço menção de passar por ele quando o mesmo segura meu braço com força, me fazendo soltar um Ai.

— Calma bebê, aonde vai com tanta pressa?

— Quem é você? — puxo meu braço, mas não surte efeito algum, ao invés disso ele aperta com mais força. — Me solta!

— Sou um cara legal. — ele sorri torto, seu bafo de álcool faz eu torcer o nariz com desgosto — Você vai gostar de me conhecer. — ele me puxa para mais perto do seu corpo.

Os próximos segundos foram os mais assustadores da minha vida. Aconteceu tudo muito rápido. Num segundo o cara que vi dentro da casa me encarando estava em cima do outro socando seu rosto com brutalidade, eu só conseguia enxergar o sangue saindo do rapaz e sujando sua camisa branca. Ele não parava de bater, vai matar o outro se eu não fizer nada.

— Pare! — seguro seu punho suspenso no ar, pronto para golpear o pobre de novo. — Ele já teve o que merecia.

Ele me encara, seus olhos observam cada centímetro do meu rosto preocupado, procurando alguma coisa, e então olha no fundo dos meus olhos. Sua mão desce devagar e descansa em seu joelho, a outra solta o rapaz que cai cuspindo sangue. O estranho se levanta e ainda me encarando, pergunta:

— Você está bem?

Ele sussurra rouco e baixo para somente eu escutar. Prendo a respiração involuntariamente. Que loucura é essa? Eu podia estar muito enganada, mas sua voz era a coisa mais bonita que eu já tinha escutado. Eu me recuso a me sentir atraída por um estranho. Era errado de todas as formas possíveis.

Um grupo de pessoas tinha feito uma roda ao nosso redor para ver o espetáculo, o que me deixou extremamente desconfortável, ao perceber, ele segura minha mão com a sua que não estava suja de sangue e gentilmente me puxa para longe das pessoas.

— Está melhor?

Eu incrivelmente tinha perdido o dom da fala. Se ele continuasse falando assim eu nunca conseguiria agradecê-lo. Vai, se esforça Cecílie.

— Sim. Obrigada.

Ele sorri.

E eu quase caio pra trás.

— Você mora perto daqui?

— Cecílie! — ouço a voz de Camila. — Cecílie, aqui!

Vejo as meninas caminhando. Graças a Deus. Elas vinham em minha direção. Quando vou agradecer mais uma vez, ele não estava mais lá, fico um pouco decepcionada, afinal eu queria saber seu nome. Talvez eu nunca mais o veja novamente.

— Onde vocês estavam? Procurei por toda a parte.

— Desculpa por não ter avisado, estávamos no fundo da casa, perto da piscina.

Decido não brigar, eu já estava muito cansada pra isso, só queria ir para casa dormir.

— Vocês estão bem?

— Sim, e você?

— Sim. — penso no estranho que me salvou. — Estão, vamos. Já está bem tarde.

[…]

No caminho de casa, Soo dormia no ombro de Camila, que apoiava a cabeça na de Soo. Eu dirigia em silêncio, às vezes o pensamento voltava pro estranho da festa. Ele era perturbadoramente lindo, quando nos encaramos dentro da casa seu rosto tinha uma expressão grosseira, mas assim que falou comigo a ideia de ser uma pessoa ruim tinha sumido. Ele era gentil e tinha me salvado de um destino trágico.

Qual será seu nome?

Estaciono o carro na frente de casa e acordo as meninas, que resmungam um pouco, mas entram e vão direto pro meu quarto. Preparo um cama para as duas e vou dormir também. Fecho os olhos e minha mente vaga para horas atrás na festa, quando o lindo estranho olha no fundo dos meus olhos.

Cinza. Era a cor dos seus.

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