03 bem-vinda a Paris

MAVIE

DESÇO AS ESCADAS CORRENDO, com a bolsa no ombro esquerdo e o celular na mão. Eu estava bem atrasada. Na cozinha, pego duas torradas, uma com nutela e outra com geleia, coloco uma na boca, mastigando e engolindo mais rápido do que eu gostaria, faço a mesma coisa com a outra. Eu não gostava de chegar atrasada nos meus compromissos, mas hoje eu passei um pouco do horário, não sei o que deu em mim.

— Filha, come devagar, você pode se engasgar. Está atrasada? — pergunta mamãe.

— Só um pouco — digo de boca cheia.

— O que houve? Você nunca se atrasa.

— Eu sei! — digo sem acreditar. — A senhora também está atrasada, não?

— Os chefes nunca estão atrasados, querida. — papai entra na sala vestindo um terno, com o cabelo molhado e penteado perfeitamente para trás.

Ele vem e me dá um beijo na testa, depois um selinho na mamãe. Eles se moviam graciosamente pela cozinha, como um só. Mamãe estendia a mão para pegar a manteiga e papai já estava com ela na mão para entregá-la, era uma sintonia perfeita. Pareciam viver em um conto de fadas. Quando se falava de casal feliz e bem sucedidos me vinham eles na mente.

Papai era um coroa muito bonito. Na faixa dos seus 45 anos, ele mantinha seu corpo musculoso e saudável. Nem parecia um quarentão com cabelos grisalhos. Eu conseguia imaginar ele jovem, partindo vários corações. De mamãe nem se fala, não conseguia descrever sua beleza. No auge dos seus 40 anos ostentava um corpo curvilíneo e magro, quase como uma modelo, cabelos longos, com alguns fios brancos, mas que não diminuíam sua beleza em nada. Eu imagino por que papai se apaixonou perdidamente por ela, como sempre faz questão de falar.

— Tá' certo. Estou indo, vejo vocês mais tarde.

— Tenha um ótimo dia, querida.

— Vocês também. Amo vocês. — me despeço dos meus pais e vou para a empresa.

Eu tinha planos para hoje à noite com Raphael. Foquei tanto em entrar na Ópera de Paris que passava pouco tempo com meu namorado. Eu treinava todos os dias e mandava cartas de apresentação todo mês para a companhia, ainda não tive respostas, mas eu estava bastante otimista, não posso desistir. É um sonho que tenho desde garota, e fiz desse sonho meu objetivo. Ser bailarina na minha posição hoje não pagava muito bem, mas eu não me importava desde que estivesse dançando.

Meus pais não estavam muito felizes com isso, é claro, eles querem que eu entre pro negócio da família, e que em breve assuma o cargo de chefe definitivamente. Eles falavam muito sobre aposentadoria e que não queriam viver o resto da vida enfurnados em um escritório. E eu queria? Como dizer isso a eles? Que meu sonho era outro. Meus pais são minha vida, são tudo para mim. Sem eles eu não seria nada. Não quero decepcioná-los, era a última coisa que eu queria, mas também não posso abrir mão do meu sonho.

As ruas de Paris estavam movimentadas. Pela manhã a cidade fica um caos, eu esperava que a tarde fosse um pouco mais tranquila hoje. Ficar presa em um engarrafamento não fazia parte dos meus planos.

Uma buzina me tira do meu devaneio, não tinha visto o sinal ficar verde. Volto a dirigir, mas freio o carro bruscamente quando um louco passa por mim de moto tão rápido que fico assustada. Será que eu matei ele? Olho para os lados, mas ele já estava longe. Como isso é possível?

— Idiota! — grito, mesmo sabendo que não pode me ouvir.

O dia estava apenas começando.

[...]

Eu não tinha muita coisa para fazer na empresa dos meus pais. Apesar de ser uma empresa de jóias muito grande, meu trabalho era basicamente marcar reuniões, fazer anotações e deixar meus pais cientes dos compromissos durante o dia. Eu era apenas secretária.

Arrumo minha mesa, pego a bolsa, o celular e vou para o almoço. Tinha muita sorte de trabalhar meio período e ganhar um salário. Os prós de ser filha dos donos. Almoço no restaurante perto da empresa, de lá sigo para o apartamento que Cam e Soo compartilhavam no centro da cidade. Paro na frente do prédio e confiro o relógio, faltam dez minutos para às 13:00p.m. Quando avisto as meninas de longe buzino para se apressarem.

— Tá' maluca, porra? — pergunta Camila, educadamente.

— Vamos chegar atrasadas. — as duas entram e eu dou partida.

— Então é melhor você correr, amiga — Camila mexe no meu rádio e uma música da Taylor Swift começa a tocar, ela muda e outra da Taylor toca. — Não tem nada que preste?

— Camila, o rádio é meu!

— Tá bom — revira os olhos. — Aconteceu alguma coisa, amiga, tô te achando meio rabugenta hoje.

— Eu não estou rabugenta. — olho para Soo, pedindo ajuda. Ela sorri sem graça como que confirmando a suspeita de Camila.

— Viu!

— Tá certo. Um doido passou correndo de moto por mim hoje quase me atropelando.

— Se ele estava de moto e você de carro, quem ia atropelar ele era você.

— Você está do meu lado ou não?

— Estou do lado da justiça. — as duas riem.

— O que vocês vão fazer hoje? — Soo pergunta.

— Eu preparei algo especial para mim e Raphael. Faz tempo que não ficamos juntos. — sorrio.

— O que vocês vão fazer?

— Vou preparar um jantar lá em casa.

— Mas seus pais não vão estar em casa? — Camila questiona. — Até onde eu sei você disse que queria passar um tempo com Raphael, como isso vai funcionar?

— Tem uma choupana de madeira do lado de casa, arrumei para deixar bem confortável para a gente. Coloquei uma pequena mesa, velas e alguns lençóis no chão para gente se sentar.

— Ele vai gostar, tenho certeza.

— Eu espero.

[...]

Enquanto eu amarrava as sapatilhas em um canto do estúdio de dança, observo Raphael conversando com seus amigos do outro lado do estúdio. Ele era sem dúvidas lindo. Tinha cabelo curto e liso, era alto e levemente musculoso. Um dos melhores bailarinos com quem tive o prazer de dançar.

Quando Raphael me pediu em namoro fiquei bastante assustada, porque até em tão nossa relação era estritamente profissional, ele era meu par oficial no balé e nada além disso. Eu considerava um erro namorar alguém daqui. Mas certo dia ele me chamou para sair e eu aceitei, dois meses depois estávamos namorando. Eu não conseguia acreditar que estava mesmo namorando, e logo com ele, que eu admirava tanto.

Acho que as coisas foram bem rápidas entre nós, qualquer um que visse de fora diria isso, e talvez eu tenha me precipitado, porque depois de um ano namorando, nos afastamos muito, e agora me encontro tentando salvar nosso relacionamento. Eu esperava que tivesse salvação. Ele parece estar bem com esse afastamento, e talvez não me ame mais, mas irei descobrir isso hoje. Se houvesse alguma chance da gente dar certo, tínhamos que tentar, se não, a gente colocaria um ponto final.

Bem no fundo do meu coração eu não sabia o que sentia por Raphael. Nunca disse para ele que o amo e não estava pronta para dizer, Raphael sempre foi muito paciente, disse que esperaria meu momento e que não tinha pressa, mas eu sabia que isso lhe chateava. Se eu estivesse apaixonada por alguém e essa pessoa não retribuísse meus sentimentos me deixaria arrasada.

O professor Lucien entra na sala e pede para que todos tomem seus lugares. Ele começa a aula dizendo que as audiências para Giselle começariam na próxima semana, e que hoje o ensaio seria para essa peça em especial. Eu estava muito ansiosa, ser a protagonista de Giselle pode ser a porta de entrada para Ópera de Paris.

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