03 planos

Cecílie

DESÇO AS ESCADAS COM certa pressa, com a bolsa no ombro esquerdo e o celular na mão. Meu dia começou bem, eu estava atrasada e me sentia muito cansada ainda. Na cozinha, pego uma torrada e coloco na boca, mastigando e engolindo mais rápido do que eu gostaria. Eu não gostava de chegar atrasada nos meus compromissos, mas hoje eu passei um pouco do horário; não sei o que deu em mim, talvez tenha sido ontem, a peça exigiu muito de mim.

— Querida, coma devagar, você pode se engasgar. Está atrasada? — indaga mamãe, passando geleia na torrada. Ela estava bem calma para quem está atrasada também.

— Um pouco — digo de boca cheia.

— O que aconteceu? Você nunca se atrasa. E não coma de boca cheia, é mal educado. — não sei se está me repreendendo ou preocupada.

— Desculpa — digo ainda com a boca cheia e ela revira os olhos. — A senhora também está atrasada. — afirmo.

— Os chefes nunca estão atrasados, querida. — papai entra na sala vestindo um terno preto, com o cabelo molhado e com os fios perfeitamente alinhados para trás.

Ele me dá um beijo na testa, depois um selinho na mamãe. Eles se moviam graciosamente pela cozinha, como um só. Mamãe estendia o braço para pegar a geleia e papai já estava com ela na mão para entregá-la, era uma sintonia perfeita. Pareciam viver em um conto de fadas. Um casal feliz e bem sucedido.

Papai era um coroa muito bonito. Na faixa dos seus 45 anos, ele mantinha seu corpo musculoso e saudável, nem parecia um quarentão com cabelos grisalhos. Eu conseguia imaginar ele jovem, partindo vários corações na sua idade. Sobre mamãe nem se falava, não conseguia descrever sua beleza. No auge dos seus 40 anos ostentava um corpo curvilíneo e magro, quase como uma modelo da Victoria's Secret. Cabelos longos, com alguns fios brancos — mas que não diminuíam sua beleza em nada —, moldava seu rosto. Eu imagino por que papai se apaixonou perdidamente por ela, como sempre faz questão de falar.

— Tá' certo. Estou indo, vejo vocês mais tarde.

— Tenha um ótimo dia, querida.

— Vocês também. Amo vocês. — me despeço dos meus pais e vou para a empresa.

Eu tinha planos para hoje à noite com Raphael. Estou tão focada em entrar na companhia de Ballet da Ópera de Paris que passei pouco tempo com meu namorado. Eu treinava todos os dias e mandava cartas de apresentação todo mês para a companhia, ainda não tive respostas, mas eu estava bastante otimista, não queria desistir. É um sonho que tenho desde garota, e fiz desse sonho meu objetivo.

Meus pais queriam que eu dançasse, mas que não fizesse o ballet de profissão, porque eles tinham outros planos para mim e dançar não dá dinheiro, segundo eles. É claro que neguei, mas não ficaram muito felizes. Papai e mamãe querem que eu entre pro negócio da família, e que em breve assuma o cargo de chefe definitivo da Empire D'or. Eles falavam muito sobre aposentadoria e que não queriam viver o resto da vida enfurnados em um escritório. E eu deveria querer? Como dizer a eles que meu sonho era outro. Meus pais são minha vida, são tudo para mim, não quero decepcioná-los, mas também não posso abrir mão do meu sonho.

As ruas de Paris estavam movimentadas. Pela manhã a cidade ficava um verdadeiro caos, eu esperava que a tarde fosse um pouco mais tranquila. Ficar presa em um engarrafamento por duas horas não fazia parte dos meus planos.

Uma buzina me tirou do meu devaneio, não tinha visto o sinal ficar verde. Volto a dirigir tranquilamente pelas avenidas, quando vejo um vulto passar por mim me fazendo frear o carro bruscamente. Olho assustada para os lados, mas a moto já estava longe. Como isso é possível?

— Idiota! — grito, mesmo sabendo que não pode me ouvir.

O dia estava apenas começando.

[...]

Eu não tinha muita coisa para fazer na empresa dos meus pais. Apesar de ser uma empresa de jóias muito grande, meu trabalho era basicamente marcar reuniões, fazer anotações e deixar meus pais cientes dos compromissos durante o dia. Eu era apenas a secretária.

Arrumo minha mesa, pego a bolsa, o celular e vou para o almoço. Tinha muita sorte de trabalhar por meio período e ganhar um salário. Os prós de ser filha dos donos. Almoço no restaurante perto da empresa, de lá sigo para o apartamento que Cam e Soo compartilhavam no centro da cidade. Paro na frente do prédio e confiro o relógio, faltam dez minutos para às 13:00p.m. Quando avisto as meninas de longe buzino para apertarem os passos.

— Tá' maluca, porra? — pergunta Camila, educadamente.

— Vamos chegar atrasadas. — as duas entram e eu dou partida.

— Então é melhor você correr, amiga — Camila mexe no meu rádio e uma música da Taylor Swift começa a tocar, ela muda e outra da Taylor toca. — Não tem nada que preste?

— Camila, o rádio é meu!

— Tá bom — revira os olhos. — Aconteceu alguma coisa, amiga? Tô te achando meio rabugenta hoje.

— Eu não estou rabugenta. — olho para Soo. Ela sorri sem graça, como que confirmando a suspeita de Camila.

— Tá' vendo!

— Tá' certo — bufo. — Pela manhã foi uma droga, comecei me atrasando e um doido passou por cima de mim de moto, quase me matando.

— Se ele estava de moto, quem ia atropelar alguém era você.

— Você está do meu lado ou não?

— Estou do lado da justiça. — nós três rimos.

— O que vocês vão fazer hoje? — Soo pergunta.

— Eu preparei algo especial para mim e Raphael. Faz tempo que não ficamos juntos. — sorrio.

— O que vão fazer?

— Vou preparar um jantar lá em casa.

— Seus pais não vão estar em casa? — Camila questiona. — Como isso vai funcionar? Se vocês quiserem… Você sabe?

— Camila, nem todo relacionamento é baseado em sexo. — eu não queria tocar nesse assunto, mas agora não tinha mais volta.

Camila arregala os olhos surpresa, eu sabia que agora estava ferrada. Ela ia me encher de perguntas. É o que eu estava tentando evitar.

— Cecí, não me diga que você ainda não fez nada com Raphael.

Me encolho no banco, dando de ombros. Tinha alguma regra que dizia que tínhamos que transar para estarmos oficialmente namorando? Eu não tinha transado com Raphael, na verdade, nem com Raphael, nem com ninguém, podem me achar idiota, mas eu não estava pronta ainda. Eu nem sei quando a gente se sente pronta para isso, mas esperava descobrir com ele.

O resto do caminho foi Camila fazendo suas perguntas evasivas descaradamente, e eu mudando de assunto todas as vezes.

[...]

Enquanto eu amarrava as sapatilhas em um canto do estúdio de dança, observo Raphael conversando com seus amigos do outro lado do estúdio. Ele era sem dúvidas muito bonito, tinha cabelo curto e liso, era alto e levemente musculoso. Um dos melhores bailarinos com quem tive o prazer de dançar.

Quando Raphael me pediu em namoro fiquei bastante assustada, porque até em tão nossa relação era estritamente profissional, ele era meu par oficial no balé e nada além disso. Eu considerava um erro namorar alguém daqui, mas certo dia ele me chamou para sair e eu aceitei, dois meses depois estávamos namorando. Eu não conseguia acreditar que estava mesmo namorando, e logo com ele, que eu admirava tanto.

As coisas foram um pouco rápidas entre nós, e talvez eu tenha me precipitado em aceitar seu pedido, porque depois de um ano namorando nos afastamos muito, e agora me encontro tentando salvar nosso relacionamento. Eu esperava que tivesse salvação. Se houvesse alguma chance da gente dar certo, tínhamos que tentar, se não, a gente colocaria um ponto final.

Bem no fundo do meu coração eu não sabia o que sentia por Raphael de verdade. Nunca disse para ele que o amo e não estava pronta para dizer. Raphael sempre foi muito paciente, disse que esperaria meu tempo e que não tinha pressa, mas eu sabia que isso lhe chateava. Se eu estivesse apaixonada por alguém e essa pessoa não retribuísse meus sentimentos, me deixaria arrasada.

O professor Lucien entra na sala e pede para que todos tomem seus lugares. Ele começa a aula dizendo que as audiências para Giselle começariam mês que vem, e que hoje o ensaio seria para essa peça em especial. Eu estava muito ansiosa, ser a protagonista de Giselle pode ser a porta de entrada para Ópera de Paris.

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