- Lamento informar que a senhorita está com endometriose. – disse o médico.
Endometriose. Ok, eu já tinha ouvido falar. Mas jamais busquei o significado no G****e.
- E... Isso é grave? – perguntei, preocupada.
- A endometriose é quando o endométrio, que é esta mucosa... – mostrou na espécie de brinquedo que ele tinha contendo um útero e todas as suas partes que tinha sobre a mesa. – Que reveste a parte interna do seu útero, cresce em outras regiões do corpo...
- Como assim? – arqueei a sobrancelha, em pânico.
- Calma... Vou tirar todas as suas dúvidas. Continuando: mensalmente o endométrio fica mais espesso para que um óvulo, depois de fecundado, possa se implantar nele. Quando não há gravidez, ele descama e é expelido na menstruação. A endometriose é quando algumas dessas células não são expelidas e caem nos ovários ou cavidade abdominal, onde voltam a multiplicar-se e sangrar. Então elas podem se espalhar por outras partes do corpo, como por exemplo intestino, bexiga, peritônio... – ele ia mostrando cada órgão que falava com a caneta, no seu protótipo feminino plástico.
- Quais as causas? – fiquei curiosa.
- As causas ainda não são completamente conhecidas. Mas dois fatores que se levam em conta atualmente é que possa ser genética. Sua mãe tem?
- Eu não sei... Minha mãe já morreu. Talvez até pudesse ter desenvolvido, mas não tenho como saber. Mas minha avó com certeza não.
- Outra hipótese é que esteja relacionada a possíveis deficiências do sistema imunológico.
- Então minhas cólicas intensas e que parecem me matar são por este motivo?
- Basicamente, sim.
- Sente dores durante as relações sexuais?
- Eu... Não tenho relações sexuais a algum tempo.
Ele me olhou parecendo surpreso:
- E... Quando tinha relações... Sentia dores?
- Por vezes... Mas não posso levar isso em conta. Meu parceiro era... Como posso explicar... – tentei encontrar as palavras certas.
- Bem, não precisa me explicar, senhorita Novaes. Então, sentia dores, isso?
Assenti, com a cabeça, certa de que ele não queria ouvir minha história de oito ano ao lado de Jardel.
- A senhorita é jovem. Esta doença impacta na gravidez. Ou seja, é uma das causas que mais dificulta que isso aconteça. Mas claro que pode ser revertida com um tratamento adequado. Como não tem relações sexuais a um tempo, como me relatou, não deve ter interesse em engravidar por enquanto, estou certo?
Assenti com um gesto de cabeça, novamente. Minha voz não saiu e eu tentava fazer com que os mil pensamentos que passavam pela minha cabeça não me deixassem completamente louca, já que eu estava zonza.
Eu queria engravidar? Sinceramente, nunca pensei nisso. Minha vida era focada em estudo, trabalho e um ex namorado que não valia nem que eu perdesse tempo pensando nele.
Mas ao mesmo tempo, talvez eu não quisesse ter um filho com Jardel. Eu era jovem... Ok, nem tanto. Mas eu esperava encontrar outra pessoa um dia, não sei exatamente quando. E se ele também não tivesse filhos? Então... Nunca teríamos um bebê?
Meu instinto materno hoje era zero. Mas talvez no futuro não fosse. Como eu saberia? Por hora, pouco me importava em engravidar ou não. Eu estava doente...
- Quanto tempo tenho de vida? – me ouvi perguntando, olhando para o nada.
Ouvi a gargalhada do médico, enquanto ele se recostava na cadeira, limpando as lágrimas que caíam dos seus olhos.
- Doutor, está rindo de mim? – perguntei aturdida.
- Me desculpe, senhorita Novaes. Mas realmente achei engraçada sua pergunta. Achei que tinha me feito entender que há tratamento.
- Então não vou viver com isso para sempre, estou certa?
- Embora não descobrimos no início da doença, já que a senhorita não vai ao ginecologista a... – ele olhou no computador. – Quatro anos?
- Sim... Mas eu posso justificar.
- Pode?
- Eu... Estava cheia de trabalho. Fazendo uma especialização. Muito estudo. E ainda tinha um namorado... E ele me trazia muita dor de cabeça, acredite.
- Então... Em 365 dias no ano, encontrar 30 minutos para visitar o médico e fazer o preventivo era tão difícil assim?
Suspirei, me recostando no encosto da cadeira:
- Parece mentira, mas esqueci de mim por um tempo... Focando em outra pessoa.
- Sempre deve focar em você também, senhorita Novaes.
- Eu sei, doutor. E acredite, todos me falaram isso.
- Bem, vou prescrever alguns medicamentos para controlar a dor durante o período menstrual e para evitarmos a progressão da doença. Iremos acompanhando regularmente e não podemos descartar uma cirurgia para retirar áreas afetadas.
- Eu... Nunca fiz uma cirurgia...
- Só uma hipótese... Caso faça o tratamento da mesma forma que procura seu ginecologista, por exemplo.
Meus olhos vidraram na direção dele. Que ginecologista sarcástico e cruel.
- Uma dieta saudável e prática de exercícios físicos ajudam a reduzir os sintomas, embora não sejam suficientes para resolver todo o problema.
Peguei a receita, os exames arquivados numa pasta, junto com toda a minha agonia e despedi-me dele.
Assim que desci do elevador, no térreo e vi a luz do dia fora do prédio, peguei meu celular:
- G****e, me diga tudo sobre endometriose.
Fui ouvindo enquanto me dirigia para casa, caminhando.
A consulta foi final de tarde e ainda atrasou trinta minutos. O dia tinha sido livre, já que meu emprego temporário acabou na semana que passou.
Então agora eu tinha que procurar outro emprego, pois dinheiro não caía do céu. E além de tudo, eu tinha a tal endometriose que não era nada simples.
Quando o G****e acabou de falar, tenho a impressão de que doutor Ginecologista pode ter copiado tudo que me disse dali. Ou ele explicou muito bem, porque o senhor G****e não tinha nenhuma novidade além do que me foi dito.
Cheguei em frente ao meu prédio e fiquei cansada só de pensar em subir as escadas. A porcaria do elevador passava mais tempo estragado do que funcionando. Isso que dava morar em prédio velho. Cobravam um valor absurdo de condomínio por um péssimo serviço prestado.
O lugar onde eu morava ficava no centro de Noriah Norte, próximo de quase tudo. Embora o aluguel fosse alto, diminuía despesas com transporte. Eu divida aluguel com dois amigos: Benício, que chamávamos de Ben, e Salma.Salma era minha amiga desde sempre. Viemos juntas da cidade onde morávamos para dividir o aluguel e estudarmos. Eu fui para a faculdade e ela foi ser dançarina numa boate. Nunca passou nem na frente da faculdade.Ben eu conheci na faculdade. E desde que o vi a primeira vez já sabia que seríamos melhores amigos. Um mês depois ele foi morar conosco, porque era mais perto da faculdade.O incrível é que não fazíamos o mesmo curso e por coincidência, na primeira matéria que cursamos, que era básica e envolvia quase todos os cursos, nos encontramos e foi amor à primeira vista.Subi as escadas contando os passos, já imaginando se aquilo faria bem para minha endometriose. Bem, não deixava de ser um exercício físico. Pobre era assim: fazia da correria diária exercício físico. Eu
- Eu levei em conta a opinião de vocês, sim. – Contestei.- Jura, querida? – Ben me encarou.- Se tivesse nos ouvido, não tinha perdido oito anos da sua vida envolvida com aquele traste. E ainda me julga. – Salma sentou no outro sofá, com as pernas para cima, empolgada em começar a discutir a parte mais ridícula da minha vida.- Eu estou livre dele e isso que importa. Agora eu só tenho um foco: Bon Jovi.Os dois começaram a rir.- Enquanto estava com Jardel o Bon Jovi era o amante? Ou o contrário? – Ben estreitou os olhos, se segurando para não rir.- Qualquer coisa. – dei de ombros. – Ele sempre foi o verdadeiro amor da minha vida.- E o meu Axel Rose, dona Alice no País das Maravilhas. – Ben me abraçou. – Não comece a inventar esta história de “vou amar alguém impossível e ser mais feliz se for assim”.- Ben tem razão, Babi. Já se passaram dois anos. Você tem que seguir em frente.Sim, fazia dois anos que eu havia me livrado de Jardel, meu ex namorado. E não foi nada fácil. Só conse
Eu não sei se meu pai foi este homem, ou outro... Ou quem sabe um terceiro ou quarto. Mamãe nunca quis falar sobre ele. Só dizia que foi enganada e que ele sabia da minha existência, mas nunca veio atrás de nós.Infelizmente minha vó não sabia de nada. E nem sei direito porque as duas eram tão afastadas e não se falavam, mesmo depois da morte de meu avô.Mandy Novaes era financeiramente melhor que minha mãe. Mesmo com minhas crises de rebeldia tardias, pagou toda minha faculdade. E ajudou no meu primeiro emprego, já no Centro de Noriah Norte. Fui demitida porque Jardel entrou drogado no meu ambiente de trabalho e fez uma cena lamentável.Enfim, a vida não era fácil para ninguém. Eu não acreditava que pudessem existir pessoas sem problemas.Mal eu sabia que sim, existia... E logo eu conheceria. E que “eu” seria o único problema de alguém. Afinal, a gente não tem como prever o futuro. Porque se fosse assim, quando vi Jardel a primeira vez, teria sumido na mesma hora.Seguir em frente eu
O sonho de qualquer pessoa em Noriah Norte talvez fosse entrar na Babilônia sem passar pela fila, apresentando um cartão VIP. Isso era quase como ter um passe de celebridade. Mas não era o nosso caso, visto que entraríamos pela porta de serviço.A Boate Babilônia era simplesmente gigantesca, ocupando toda uma quadra. O estacionamento era no andar inferior, subsolo. Mas só tinha direito a estacionar lá quem tinha o tal certificado VIP.Com frequentadores elitizados, já que o ingresso era quase o preço de um rim no mercado negro, o local contava com mulheres de todos os tipos “à caça” de conforto com a conta bancária de um ricaço. E, em contrapartida, homens que procuravam mulheres bonitas, gostosas e famosas.Morávamos perto dali e nossa melhor amiga trabalhava naquele lugar e nunca tínhamos pisado os pés lá dentro.Salma trabalhava ali há muitos anos. Mas minha amiga era muito correta e jamais cogitou nos dar passes gratuitos, sequer pela entrada onde hoje ela havia decidido ir contra
Não podia beber mais, ou acabaria com o cartão de minha amiga Salma. Certamente seria descontado do salário dela depois. Se bem que acho que ela não se importaria se eu provasse um chopp de... Menta.- Vai ficar bêbada deste jeito. – o barman me entregou o terceiro copo, rindo.- Acho que não... Parece ser pouco alcoólico. – gritei para ser ouvida, não percebendo que a mesma pessoa me entregou os copos.Todos os barman’s e bargirl’s vestiam calças pretas, com colete da mesma cor, social e camisas brancas por baixo. A roupa era bordada com o nome do lugar.- Te dou meia hora e estará dançando sem roupa na pista. – ele garantiu.Comecei a rir:- Obrigada pela dica. Vou levar em conta.- Quando estiver nua na pista? – riu.Assenti com a cabeça, virando o último copo, que já me tonteou um pouco.Fui encontrar meu amigo, que seguia dançando sozinho entre a multidão. E não foi difícil encontrar um rapaz magro, não muito alto, com blazer vermelho com xadrez, calça azul brilhante e botinas m
- Você me chamou de “desclassificado babaca”? Quem pensa que é? – ele veio na minha direção, furioso e eu fui andando para trás, amedrontada.Quando ele chegou próximo, coloquei os braços na frente do rosto, temendo que ele fosse me bater.Um longo silêncio pairou entre nós. Fui retirando meus braços, vagarosamente, sentindo os olhos dele sobre mim.- Eu... Não vou bater em você. – ele falou aturdido.- Eu... Não achei que fosse... – menti.- Chame os seguranças e mande retirá-la daqui imediatamente. E exija que a joguem para o lado de fora da boate. Certamente uma paparazzi disfarçada. – falou a mulher.- Papa... Papa... – a palavra não saía. A bebedeira me impedia de raciocinar muito bem. – Sou só uma frequentadora desta porra... Foi um acidente... Entrei no lugar errado.- E quem me garante que você não vai espalhar aos quatro cantos do mundo o que viu aqui? – ele disse com os olhos frios.Ele usava uma camisa branca, aberta uns dois botões. Tinha marca de batom na gola e no peito
- Alegria.- Que diferente. De onde sua mãe tirou?- De um filme.- Achei que fosse de origem viking. Ou um tipo de deus... Algo assim.Ele não falou nada. Descemos uma escadaria e ele abriu uma porta corta-fogo, onde tive a visão da rua, do lado de fora da boate.Suspirei:- Foi tão difícil entrar aqui... E tão rápido para sair. Eu sou uma desastrada azarada, esta é a verdade. Fui cair justo no lugar onde Heitor Casanova e sua esposa estavam.- Adeus, senhora Bongiove. – ele disse, fechando a porta.- É Novaes... – falei para mim mesma, já que ele não estava mais ali.Sentei no cordão da calçada. Precisava colocar meus pensamentos em ordem. Salma estava trabalhando e eu não queria estragar a foda de Ben, sabendo que ele não fazia sexo há um tempinho também.Peguei meu telefone e mandei uma mensagem no grupo que tínhamos em comum:“Amores, eu fiquei um pouco bêbada e vou chamar um motorista de aplicativo e dormir na casa da minha avó. Tenham uma noite maravilhosa.”Chamei o motorista
- Olá, Ana... Quanto tempo!Senti o abraço apertado dela e retribuí. Eu gostava tanto de Ana. E senti sua falta ao longo destes dois anos.- Entre... Por favor.Ela se afastou e entrei, ficando de pé.- Sempre sinta-se em casa aqui, Bárbara. Sabe o quanto eu a estimo.- Obrigada. – falei sentando.- Vou fazer um café para nós.- Não precisa... Eu já vou. Estou só de passagem. Tenho um compromisso logo em seguida. – Menti.- Por favor... Me deixei lhe oferecer um café.Assenti, sabendo que aquilo poderia ser importante para ela.Ana foi para a cozinha. Certamente os meninos não estavam em casa, pois tinha muito silêncio naquela casa enorme.Olhei as fotos penduradas na parede e porta-retratos na estante. Tudo tinha a imagem de Jardel... E algumas de nós dois juntos. Eu ainda estava dentro da casa dela, como recordação.Vi meu sorriso estampado e nossos beijos em diferentes ângulos para fotos e fiquei me perguntando se eu fui feliz naqueles momentos, ao lado dele. Porque eu lembrava do