- Alegria.
- Que diferente. De onde sua mãe tirou?
- De um filme.
- Achei que fosse de origem viking. Ou um tipo de deus... Algo assim.
Ele não falou nada. Descemos uma escadaria e ele abriu uma porta corta-fogo, onde tive a visão da rua, do lado de fora da boate.
Suspirei:
- Foi tão difícil entrar aqui... E tão rápido para sair. Eu sou uma desastrada azarada, esta é a verdade. Fui cair justo no lugar onde Heitor Casanova e sua esposa estavam.
- Adeus, senhora Bongiove. – ele disse, fechando a porta.
- É Novaes... – falei para mim mesma, já que ele não estava mais ali.
Sentei no cordão da calçada. Precisava colocar meus pensamentos em ordem. Salma estava trabalhando e eu não queria estragar a foda de Ben, sabendo que ele não fazia sexo há um tempinho também.
Peguei meu telefone e mandei uma mensagem no grupo que tínhamos em comum:
“Amores, eu fiquei um pouco bêbada e vou chamar um motorista de aplicativo e dormir na casa da minha avó. Tenham uma noite maravilhosa.”
Chamei o motorista e segui diretamente para o sítio, que ficava longe dali.
Depois de quarenta minutos, chegamos à estrada de chão. E assim seguiríamos por mais vinte minutos.
A área de terra da minha avó era cercada por madeiras brancas, as horizontais apoiadas nas verticais, deixando vãos, de onde se via absolutamente tudo. Abri o portão de madeira e fiz o motorista seguir o trajeto dentro da propriedade, até chegar na casa.
Apertei a campainha. Usar a chave e subir ao quarto dela para pedir dinheiro para pagar a corrida iria assustá-la.
Não demorou muito e ela desceu. Ficou surpresa ao me ver.
- Boa noite, vó... Desculpe chegar este horário... Mas... Poderia pagar o motorista e depois explico?
- Claro... – ela voltou para dentro de casa e pagou em dinheiro o homem.
Entrei e ela fechou a porta. A lareira ainda tinha brasa terminando de queimar. Mandy usava um roupão fofinho. Pegou uma manta do sofá e colocou sobre mim:
- Está frio para você estar praticamente pelada, menina.
- Eu fui sair com Ben e Salma... E acabei me entediando. Não queria atrapalhar a noite deles e pensei em dormir aqui. Pode ser?
- Claro, Babi. Venha...
Ela colocou o braço sobre meus ombros e me levou até o quarto.
- Quer conversar?
- Não... Estou cansada. Mas prometo passar o dia aqui amanhã.
- Fico tão feliz por você estar aqui... Mesmo chegando na minha casa durante a madrugada e quase me matando do coração. – riu.
Ela me deu um beijo na testa e fechou a porta. Deitei na minha cama, de sapato e tudo mais. Ainda tinha alguns pôsteres de Bon Jovi e banda grudados na parede e aquilo me lembrava o tempo que passei ali... E também trazia à minha mente Jardel. Eu não gostava de pensar nele. Me lembrava uma época em que eu fui submissa e condolente. Eu ainda tentava esquecer aquela Bárbara.
Lembrei do segurança Anon me chamando de senhora Bongiove e comecei a rir. Como podia uma pessoa não ter noção de quem era Bon Jovi? Será que trabalhava a pouco tempo para Heitor Casanova?
O certo é que era o homem de confiança, ou não seria chamado pela esposa dele.
Lembrei do olhar de Heitor Casanova sobre mim e senti raiva. Que homem prepotente. Foi só um erro... Eu jamais entraria ali escondida para ver alguém o chupando no meio do corredor. Será que não dava para perceber que eu estava bêbada e perdida?
Fechei meus olhos e adormeci em pouco tempo.
Quando acordei já passava das onze horas. Tomei um banho e coloquei uma roupa que tinha ainda no meu armário, de quando eu era jovem. Deveria me dar por satisfeita que consegui entrar numa roupa de anos atrás. Ficavam ali justo para emergências como aquelas. E por eu usar tanto o “emergencial”, já tinha levado quase tudo para o meu apartamento.
Assim que desci, minha avó já me esperava com café servido, bolos, pães, geleias caseiras e tudo que eu tinha direito.
Ela era sempre assim: tentava me engordar.
Parecia que eu não comia há séculos. Na verdade, eu sabia que quase nada se igualava à comida dela, nem ao seu café da manhã... Muito menos à forma como ela me tratava: com carinho.
Eu ainda não entendia como ela conseguiu ficar tanto tempo longe, sendo que era visível o amor que ela sentia por mim. Perguntei inúmeras vezes sobre meu pai e o passado de minha mãe e nunca consegui arrancar uma palavra dela. Houve um tempo que eu acreditei que ela realmente não soubesse de nada.
Mas o tempo passou e eu me tornei uma mulher. E sabia que ela provavelmente mentia. E eu não tinha certeza se queria saber a verdade. O que adiantava criar expectativas sobre meu pai se ele sabia sobre mim e nunca me procurou? Se um dia o encontrasse, não o perdoaria. Foram vinte e sete anos de rejeição e esquecimento. E nada poderia apagar isso.
Contei à Mandy sobre a visita ao ginecologista e ela me tranquilizou bastante. Também me disse que enquanto minha mãe morava com ela, não tinha endometriose. Também expliquei o quanto estava difícil conseguir emprego. Então ela me ofereceu dinheiro, que eu não aceitei. A minha faculdade já havia sido paga por ela. Então o mínimo que eu deveria fazer, por obrigação, era arrumar um emprego decente na minha área. E mostrar que ela me deu as ferramentas e eu soube trabalhar.
No final da tarde, fui embora, deixando meu vestido da noite anterior guardado ali para futuras emergências, como a da noite passada.
Desta vez chamei um táxi e fui até a praça central. Passei pelo posto de gasolina onde conheci Jardel e desci ali. Ainda queria que aquele dia não tivesse acontecido. Mas ficou uma coisa que eu agradecia. E precisava encerrar aquele ciclo.
Andei pela rua estreita, de casas antigas. Abri o velho portão de ferro e bati na porta de madeira de lei almofadada, de paredes rosa envelhecida.
A porta se abriu e lá estava ela:
- Bárbara? – falou, surpresa, com os olhos marejados de lágrimas.
- Olá, Ana... Quanto tempo!Senti o abraço apertado dela e retribuí. Eu gostava tanto de Ana. E senti sua falta ao longo destes dois anos.- Entre... Por favor.Ela se afastou e entrei, ficando de pé.- Sempre sinta-se em casa aqui, Bárbara. Sabe o quanto eu a estimo.- Obrigada. – falei sentando.- Vou fazer um café para nós.- Não precisa... Eu já vou. Estou só de passagem. Tenho um compromisso logo em seguida. – Menti.- Por favor... Me deixei lhe oferecer um café.Assenti, sabendo que aquilo poderia ser importante para ela.Ana foi para a cozinha. Certamente os meninos não estavam em casa, pois tinha muito silêncio naquela casa enorme.Olhei as fotos penduradas na parede e porta-retratos na estante. Tudo tinha a imagem de Jardel... E algumas de nós dois juntos. Eu ainda estava dentro da casa dela, como recordação.Vi meu sorriso estampado e nossos beijos em diferentes ângulos para fotos e fiquei me perguntando se eu fui feliz naqueles momentos, ao lado dele. Porque eu lembrava do
- Bárbara, eu quero que você seja muito feliz.- Eu vou ser. – falei esperançosa e positivamente.- Por que eu acho que nunca mais nos veremos novamente? – ela indagou.Sim, não nos veríamos novamente. Porque eu não a procuraria. Aquilo era mesmo uma despedida... De tudo que me fazia lembrar Jardel.- Fique bem, Ana. Amo você.- Manterei você para sempre nas minhas orações, Bárbara. E mais uma vez, obrigada.Acenei e saí, fechando o portão, que certamente eu nunca mais reabriria novamente. Era o fim de um ciclo de quase dez anos.Respirei fundo, até sentir meus pulmões cheios e a respiração voltando ao normal. Eu não queria mais rever Jardel... Nem em fotos. As minhas eu já havia queimado tudo e apagado do celular o que restou.E foi assim que coloquei uma pedra em cima do meu relacionamento de oito anos com Jardel, meu primeiro e único amor e ao mesmo tempo o homem que acabou comigo, que me partiu em mil pedaços e que eu imaginava que jamais seria capaz de juntá-los novamente, porque
- Acha que ele tem uma amante? E pode ser a loira do meio do pole dance? – questionei, agora mais curiosa ainda.- Cindy? – ele balançou a cabeça. – Bem, Heitor Casanova é noivo. E a probabilidade de você encontrar a noiva dele na Babilônia é quase zero. Mas dentre todos os casos dele, Cindy é o mais sério.- Os casos? Bem, eu já tinha ouvido falar sobre a síndrome de gostoso cafajeste dele. Mas a tal Cindy me tratou como se fosse a real dona de tudo, acredite.- Eu não sei como você chegou ao senhor Casanova... Sinceramente, isso é muito difícil. Mas Cindy age mesmo como se fosse dona de tudo. Ela sabe o apreço que o chefe tem por ela.- E a noiva?- Bem, eu não sei nada sobre ela. O Google pode lhe dizer algo.- Cindy é a dançarina do meio do pole dance, certo?- Ela mesma. Mas não nos falamos muito. Ela é tratada quase como uma celebridade por todos. E não se mistura com os funcionários da Babilônia, mesmo sendo uma. Como eu disse, ela é a boneca do dono da porra toda. Eu só sou o
- Saiu mais cedo. Disse que tinha umas coisas para resolver. Depois iria para o trabalho.- Eu vou tomar um banho... E dormir. Estou virada num trapo humano... – falei, indo diretamente para o banheiro.Era seis horas da manhã quando meu telefone tocou na segunda-feira.- Alô... – falei, com voz de dormida ainda, não reconhecendo o número.- Olá, Babi.- Quem está falando? – sentei na cama.- O amor da sua vida... Só que você ainda não sabe disto.- Ben? – perguntei, aturdida.- Então já tem alguém ocupando meu lugar? Avise Ben que vou matá-lo.- Quem está falando, porra? Vou na polícia e mandar rastrear no número. Você será preso por ameaça e...- Babi, sou eu, Daniel.Fiquei pensativa um pouco, tentando botar os pensamentos em ordem àquela hora da manhã.- Você... Não dorme... Não vive?- Sou quase um vampiro. – Ele riu. – Acabei de sair da Babilônia... Acho que deve ser meu quinto turno.- Então fale o que o faz me ligar esta hora, senhor trabalhador...- Eu tenho um amigo que trab
O Restaurante que Daniel me indicou ficava na área mais nobre da capital. Um lugar sem muito movimento corriqueiro, completamente afastado da parte comercial. Só havia mais um restaurante naquela região, do mesmo estilo.Coloquei um vestido tomara que caia, sóbrio, num cinza mesclado escuro, não muito justo nem muito solto. Por cima, um blazer preto, com sapatos scarpin da mesma cor. Eu parecia uma mulher séria e confiável. Aliás, eu não parecia... Era uma mulher séria e confiável. Exceto pelo fato de estar com um tomara que caia, que ninguém saberia, já que o casaco deixava tudo completamente em harmonia no look de procurar emprego.Na entrada principal do restaurante, tinha dois manobristas, que recebiam os carros e levavam para não sei aonde, já que não havia nenhum estacionado nas redondezas. Certamente havia um estacionamento privativo para os clientes.O local não era muito grande, mas tinha enormes janelas de vidro e uma iluminação fraca do lado de dentro. Parecia não ter muita
Ouvi o som da porta se abrindo e olhei pelo espelho quem chegava. E esperava qualquer coisa, menos um homem... Ou melhor, menos “aquele homem”.Nossos olhos se encontraram na imagem do espelho. Senti um frio na barriga e fiquei imóvel. Ele também pareceu surpreso, pois ficou um tempo sem dizer nada, apenas me observando.- Eu... Acho que o senhor está no banheiro errado. – falei educadamente.Ele era Heitor Casanova. Via dezenas ou centenas de pessoas por dia. Claro que não lembraria de mim. Ainda assim, meu coração batia tão forte que eu conseguia escutá-lo fora do meu peito. Será que eu o temia, mesmo não estando no território dele? Por que ele me deixou tão nervosa?- Quem não sabe ler é você, pelo que me lembro. – os olhos verde-claro continuaram dos meus.- Como pode olhar ao seu redor, este banheiro é feminino, senhor.- Quem, em são consciência, tatua “Bon Jovi” na cervical? – olhou atentamente o símbolo que eu tatuei há muitos anos. - Me diga que foi uma bebedeira na adolescên
- Claro que não. Dormir é para os fracos. – brincou. – Então, como vai na entrevista novamente hoje à noite, não vai poder jantar comigo.- Não mesmo.- Que tal um almoço? Eu jantaria com você, já que não trabalho na Babilônia esta noite. Mas pelo visto não vai dar certo...- Daniel, não... Sou grata pela sua indicação de emprego, mas não quero me envolver... E está fora de cogitação iludir você. - É só um almoço entre amigos.- Não somos amigos.- Puxa vida... Você acaba de quebrar meu coração em mil pedaços.- Melhor assim, acredite.- Não... Não é melhor assim. Não pode ao menos tentar me dar uma chance, Babi?- Você mesmo disse que tem alguém... Então não entendo porque tudo isso.- Eu não tenho ninguém... Só tive medo que você fugisse de mim. No entanto... Está fugindo da mesma forma.- Não é fugir... Eu tive um relacionamento duradouro... E embora terminado, ainda não estou completamente curada. Não quero fazer mal a alguém como me fizeram.- Isso é fugir, sim.- Daniel...- Ok
- Bárbara Novaes.Ele vestia camisa branca. O blazer estava sobre o encosto da cadeira. Era loiro, pele clara e a barba bem feita, que o deixava incrivelmente sedutor. Os olhos eram azuis e seu olhar profundo.- Eu li seu currículo.- Fico feliz em saber.- Ainda não trabalhou em empresas de grande porte, não é mesmo?- Não... Ainda não. Mas é o que mais desejo.- Vou fazer algumas perguntas. Pode me responder sinceramente?- Com certeza.- O que sabe sobre a Perrone?- Quer sinceridade?- Por favor...- Praticamente nada. A não ser que é nova em Noriah Norte e que é uma filial.- O que sabe sobre vinhos?- Que são muito bons... E uma das minhas bebidas prediletas. Mas depois do chope com sabor que provei na semana passada, deixou de ser o primeiro lugar da minha lista.- Chope com sabor não está nem perto do que fabricamos. – Ele sorriu.- Eu sei... Sinto muito.- Eu pedi sinceridade. Se quer saber, estamos indo bem. Até agora ninguém foi tão sincero.Ótimo. Por um momento eu achei q