Heitor Casanova (II)

- Alegria.

- Que diferente. De onde sua mãe tirou?

- De um filme.

- Achei que fosse de origem viking. Ou um tipo de deus... Algo assim.

Ele não falou nada. Descemos uma escadaria e ele abriu uma porta corta-fogo, onde tive a visão da rua, do lado de fora da boate.

Suspirei:

- Foi tão difícil entrar aqui... E tão rápido para sair. Eu sou uma desastrada azarada, esta é a verdade. Fui cair justo no lugar onde Heitor Casanova e sua esposa estavam.

- Adeus, senhora Bongiove. – ele disse, fechando a porta.

- É Novaes... – falei para mim mesma, já que ele não estava mais ali.

Sentei no cordão da calçada. Precisava colocar meus pensamentos em ordem. Salma estava trabalhando e eu não queria estragar a foda de Ben, sabendo que ele não fazia sexo há um tempinho também.

Peguei meu telefone e mandei uma mensagem no grupo que tínhamos em comum:

“Amores, eu fiquei um pouco bêbada e vou chamar um motorista de aplicativo e dormir na casa da minha avó. Tenham uma noite maravilhosa.”

Chamei o motorista e segui diretamente para o sítio, que ficava longe dali.

Depois de quarenta minutos, chegamos à estrada de chão. E assim seguiríamos por mais vinte minutos.

A área de terra da minha avó era cercada por madeiras brancas, as horizontais apoiadas nas verticais, deixando vãos, de onde se via absolutamente tudo. Abri o portão de madeira e fiz o motorista seguir o trajeto dentro da propriedade, até chegar na casa.

Apertei a campainha. Usar a chave e subir ao quarto dela para pedir dinheiro para pagar a corrida iria assustá-la.

Não demorou muito e ela desceu. Ficou surpresa ao me ver.

- Boa noite, vó... Desculpe chegar este horário... Mas... Poderia pagar o motorista e depois explico?

- Claro... – ela voltou para dentro de casa e pagou em dinheiro o homem.

Entrei e ela fechou a porta. A lareira ainda tinha brasa terminando de queimar. Mandy usava um roupão fofinho. Pegou uma manta do sofá e colocou sobre mim:

- Está frio para você estar praticamente pelada, menina.

- Eu fui sair com Ben e Salma... E acabei me entediando. Não queria atrapalhar a noite deles e pensei em dormir aqui. Pode ser?

- Claro, Babi. Venha...

Ela colocou o braço sobre meus ombros e me levou até o quarto.

- Quer conversar?

- Não... Estou cansada. Mas prometo passar o dia aqui amanhã.

- Fico tão feliz por você estar aqui... Mesmo chegando na minha casa durante a madrugada e quase me matando do coração. – riu.

Ela me deu um beijo na testa e fechou a porta. Deitei na minha cama, de sapato e tudo mais. Ainda tinha alguns pôsteres de Bon Jovi e banda grudados na parede e aquilo me lembrava o tempo que passei ali... E também trazia à minha mente Jardel. Eu não gostava de pensar nele. Me lembrava uma época em que eu fui submissa e condolente. Eu ainda tentava esquecer aquela Bárbara.

Lembrei do segurança Anon me chamando de senhora Bongiove e comecei a rir. Como podia uma pessoa não ter noção de quem era Bon Jovi? Será que trabalhava a pouco tempo para Heitor Casanova?

O certo é que era o homem de confiança, ou não seria chamado pela esposa dele.

Lembrei do olhar de Heitor Casanova sobre mim e senti raiva. Que homem prepotente. Foi só um erro... Eu jamais entraria ali escondida para ver alguém o chupando no meio do corredor. Será que não dava para perceber que eu estava bêbada e perdida?

Fechei meus olhos e adormeci em pouco tempo.

Quando acordei já passava das onze horas. Tomei um banho e coloquei uma roupa que tinha ainda no meu armário, de quando eu era jovem. Deveria me dar por satisfeita que consegui entrar numa roupa de anos atrás. Ficavam ali justo para emergências como aquelas. E por eu usar tanto o “emergencial”, já tinha levado quase tudo para o meu apartamento.

Assim que desci, minha avó já me esperava com café servido, bolos, pães, geleias caseiras e tudo que eu tinha direito.

Ela era sempre assim: tentava me engordar.

Parecia que eu não comia há séculos. Na verdade, eu sabia que quase nada se igualava à comida dela, nem ao seu café da manhã... Muito menos à forma como ela me tratava: com carinho.

Eu ainda não entendia como ela conseguiu ficar tanto tempo longe, sendo que era visível o amor que ela sentia por mim. Perguntei inúmeras vezes sobre meu pai e o passado de minha mãe e nunca consegui arrancar uma palavra dela. Houve um tempo que eu acreditei que ela realmente não soubesse de nada.

Mas o tempo passou e eu me tornei uma mulher. E sabia que ela provavelmente mentia. E eu não tinha certeza se queria saber a verdade. O que adiantava criar expectativas sobre meu pai se ele sabia sobre mim e nunca me procurou? Se um dia o encontrasse, não o perdoaria. Foram vinte e sete anos de rejeição e esquecimento. E nada poderia apagar isso.

Contei à Mandy sobre a visita ao ginecologista e ela me tranquilizou bastante. Também me disse que enquanto minha mãe morava com ela, não tinha endometriose. Também expliquei o quanto estava difícil conseguir emprego. Então ela me ofereceu dinheiro, que eu não aceitei. A minha faculdade já havia sido paga por ela. Então o mínimo que eu deveria fazer, por obrigação, era arrumar um emprego decente na minha área. E mostrar que ela me deu as ferramentas e eu soube trabalhar.

No final da tarde, fui embora, deixando meu vestido da noite anterior guardado ali para futuras emergências, como a da noite passada.

Desta vez chamei um táxi e fui até a praça central. Passei pelo posto de gasolina onde conheci Jardel e desci ali. Ainda queria que aquele dia não tivesse acontecido. Mas ficou uma coisa que eu agradecia. E precisava encerrar aquele ciclo.

Andei pela rua estreita, de casas antigas. Abri o velho portão de ferro e bati na porta de madeira de lei almofadada, de paredes rosa envelhecida.

A porta se abriu e lá estava ela:

- Bárbara? – falou, surpresa, com os olhos marejados de lágrimas.

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