- Você me chamou de “desclassificado babaca”? Quem pensa que é? – ele veio na minha direção, furioso e eu fui andando para trás, amedrontada.
Quando ele chegou próximo, coloquei os braços na frente do rosto, temendo que ele fosse me bater.
Um longo silêncio pairou entre nós. Fui retirando meus braços, vagarosamente, sentindo os olhos dele sobre mim.
- Eu... Não vou bater em você. – ele falou aturdido.
- Eu... Não achei que fosse... – menti.
- Chame os seguranças e mande retirá-la daqui imediatamente. E exija que a joguem para o lado de fora da boate. Certamente uma paparazzi disfarçada. – falou a mulher.
- Papa... Papa... – a palavra não saía. A bebedeira me impedia de raciocinar muito bem. – Sou só uma frequentadora desta porra... Foi um acidente... Entrei no lugar errado.
- E quem me garante que você não vai espalhar aos quatro cantos do mundo o que viu aqui? – ele disse com os olhos frios.
Ele usava uma camisa branca, aberta uns dois botões. Tinha marca de batom na gola e no peito dele. Levantei os olhos, encarando-o e ele foi sarcástico:
- Algo aqui lhe interessa? – passou a mão no peito.
- Claro que não... Des... – a voz morreu nos meus lábios.
- Acho que você diria “desclassificado”. – respondeu por mim.
- Então você entendeu... – virei, cambaleante.
- Não vai deixá-la sair assim, não é mesmo, Thor?
- Olhe para ela... Mal deve saber o próprio nome. Chega a dar dó... Ou talvez só queria me ver...
Virei imediatamente:
- Ver você? Quem pensa que é? Por que eu quereria ver a garota do meio do pole dance fazer boquete em você? Se acha importante? Foi só uma porta errada... E entrei nesta porra de labirinto de corredores e...
Foi então que meus olhos encontraram os dele: “Bon Jovi”. Sim, tinha um quadro dele na parede, junto com Richie Sambora, David Bryan e Tico Torres. Estavam sentados numa mesa cheia de bebidas, naquela boate, com... Meu Deus... Aquele homem que estava a minha frente junto deles.
Meu coração quase saiu pela boca. A loira oxigenada seguia falando, mas meus olhos estavam tão fixos na imagem que eu não conseguia ouvi-la.
- John... – apontei para a foto. – Richie... David... E... – olhei para o homem a alguns passos de mim. – Você.
Ele arqueou a sobrancelha e cruzou os braços, curioso.
- Eu... Amo eles. – me ouvi confessando. – Você... Esteve com eles... Pessoalmente?
- Anos atrás. – ele deu de ombros. – Shakira. – mostrou a foto da cantora com ele, na boate.
Observei que ele estava em todas as fotos. Eu estava na frente do dono da porra toda: Heitor Casanova. Ele parecia diferente nas revistas e entrevistas. Ou talvez eu nunca tivesse prestado muita atenção nele. Mas continuava sendo um idiota que teve a sorte de nascer rico e esnobava todo mundo. Um convencido babaca, que se achava melhor que todos à sua volta.
- Fora! – disse a mulher, ficando frente a frente comigo, com o dedo em riste, quase na minha cara.
- Eu até vou... Mas preciso de ajuda. Não sei como sair desta porra de lugar.
Ela pegou o celular do bolso do homem e ligou para alguém. Ficamos os três ali, nos encarando: ele de braços cruzados, ela com o braço em torno dos ombros dele, para me provar que era o seu par, e eu tentando equilibrar meu corpo e não fazer xixi na frente deles, de vez em quando olhando meu ídolo lindo estampando a parede.
Chegou um homem moreno, de cabelos raspados, vestindo um terno preto com camisa da mesma cor por baixo do casaco. Tinha uma espécie de fone no ouvido e não menos que dois metros de altura.
Olhei para cima, encarando seus olhos escuros e sem expressão.
- Retire-a daqui imediatamente. – O homem ordenou a ele, com voz firme.
O segurança pegou meu braço, não com muita força.
- Eu preciso ir ao banheiro. – falei para ele enquanto me conduzia pelo corredor.
- Ei, espere! – o homem que eu imaginava ser o dono da boate falou, fazendo-nos virar na direção dele.
Foi então que ele veio até nós, com os olhos fixos nos meus, estendendo a mão na minha direção.
Apertei a mão dele, segurando os dedos, confusa, e virei as costas.
- O cartão, “senhora Bongiovi”. – ele disse, com a mão ainda estendida, sarcasticamente.
Entregar o cartão era assinar a demissão da minha melhor amiga. Num impulso, coloquei o cartão, até então guardado a sete chaves na mão fechada e botei dentro do sutiã, sentindo o plástico na minha pele quente.
Os três ficaram me olhando, enquanto falei, enfática:
- Se quiser, vai ter que retirar daqui.
- Sua... – a mulher tentou avançar em mim, sendo impedida por Heitor Casanova e fazendo o segurança me levar um passo para trás. – Vadia...
- Quer que eu retire, senhor? – perguntou o segurança.
- Quem tocar em mim, vou acusar de importunação sexual. – Ameacei.
- Vagabunda... – a loira me olhou com desdém.
- Sinto muito... Mas eu não quero foder a vida de ninguém.
- Destrua ela, Thor. – Ela olhou para Heitor, com tom de voz suave e ao mesmo tempo firme.
- Jogo ela na sarjeta? – o segurança perguntou.
Os olhos dele se fixaram nos meus. Eu implorei por piedade no meu íntimo, mesmo sem dizer. Sabia o poder que ele tinha. Eu era como um inseto, pronto para ser pisado ou libertado, dependendo da ordem dele.
- Na rua... Fora da Babilônia. – ele disse firmemente. – Não volte aqui... Ou não serei tão piedoso da próxima vez.
- O que eu fiz, afinal? Foi um acidente... Só isso.
- Não quero vê-la na minha frente. Nunca mais na vida.
- Obrigada... Pela piedade... Meu senhor! – curvei-me debochadamente na frente dele.
- Anon, leve esta louca daqui imediatamente ou eu vou ter um surto. – disse a mulher que me fazia ter que olhar para cima para encará-la, batendo o salto dourado no chão, com os braços cruzados.
Virei as costas e deixei o homem me levar, sem contestar. Logo dobramos no corredor e seguimos reto, sem descer as escadas por onde entrei.
- Ei, Anon... Poderia, por favor, me deixar ir ao banheiro? Eu vou fazer xixi na calça... Ou melhor, no vestido. Tomei três chopes e preciso urgente esvaziar a bexiga.
Ele me olhou, de cima, porque era um monstro de um homem. Sem dizer nada, seguiu o caminho até pararmos na frente de uma porta, escrito “sanitário feminino de funcionárias”.
- Obrigada, Anon... Você é muito bondoso. – debochei.
Entrei no banheiro rapidamente e corri até o vaso sanitário, esvaziando a bexiga vagarosamente e sentindo minha ansiedade se ir por completo.
Dentre coisas que me deixavam impaciente, ficar com vontade de fazer xixi era uma delas. E eu era uma pessoa que fazia muito xixi. Já até achei que era anormal, mas o médico explicou que era bom, pois eu tomava muita água.
Então ser “mijona” não tinha a ver com endometriose.
Ah, endometriose... Por que não fiquei em casa pensando em você? o que estou fazendo neste lugar, que nada tem a ver comigo? Só levei tapa na cara aqui... E minha estadia durou pouco.
Ouvi uma batida na porta:
- Ainda está aí, senhora Bongiove?
Abri a porta e me desatei a rir na frente de Anon. O abracei, sendo que minha cabeça ficava abaixo do peito dele:
- Fazia tempo que eu não ouvia algo tão fofo!
Ele me afastou de si e me encarou, confuso, arqueando a sobrancelha.
- Bem, eu não me chamo senhora Bongiove... Porque este é o sobrenome do meu ídolo... No caso, sobrenome verdadeiro. O seu chefe, aquele desclassificado, usou isso de forma irônica, entende?
- Não. – ele disse seriamente.
Lavei minhas mãos enquanto ele me observava. Depois enganchei meu braço no dele:
- Vamos, Anon. Me diga, de onde vem este nome? Eu nunca ouvi na vida... É diferente.
- Não sou pago para conversar, senhora Bongiove.
Eu ri:
- Ok... Mas não custa me explicar. Afinal, você nunca mais vai me ver de novo em toda a sua vida. E eu fiquei muito curiosa.
- É de origem tailandesa. Mas minha família não é de lá.
- Você sabe o que significa?
- Alegria.- Que diferente. De onde sua mãe tirou?- De um filme.- Achei que fosse de origem viking. Ou um tipo de deus... Algo assim.Ele não falou nada. Descemos uma escadaria e ele abriu uma porta corta-fogo, onde tive a visão da rua, do lado de fora da boate.Suspirei:- Foi tão difícil entrar aqui... E tão rápido para sair. Eu sou uma desastrada azarada, esta é a verdade. Fui cair justo no lugar onde Heitor Casanova e sua esposa estavam.- Adeus, senhora Bongiove. – ele disse, fechando a porta.- É Novaes... – falei para mim mesma, já que ele não estava mais ali.Sentei no cordão da calçada. Precisava colocar meus pensamentos em ordem. Salma estava trabalhando e eu não queria estragar a foda de Ben, sabendo que ele não fazia sexo há um tempinho também.Peguei meu telefone e mandei uma mensagem no grupo que tínhamos em comum:“Amores, eu fiquei um pouco bêbada e vou chamar um motorista de aplicativo e dormir na casa da minha avó. Tenham uma noite maravilhosa.”Chamei o motorista
- Olá, Ana... Quanto tempo!Senti o abraço apertado dela e retribuí. Eu gostava tanto de Ana. E senti sua falta ao longo destes dois anos.- Entre... Por favor.Ela se afastou e entrei, ficando de pé.- Sempre sinta-se em casa aqui, Bárbara. Sabe o quanto eu a estimo.- Obrigada. – falei sentando.- Vou fazer um café para nós.- Não precisa... Eu já vou. Estou só de passagem. Tenho um compromisso logo em seguida. – Menti.- Por favor... Me deixei lhe oferecer um café.Assenti, sabendo que aquilo poderia ser importante para ela.Ana foi para a cozinha. Certamente os meninos não estavam em casa, pois tinha muito silêncio naquela casa enorme.Olhei as fotos penduradas na parede e porta-retratos na estante. Tudo tinha a imagem de Jardel... E algumas de nós dois juntos. Eu ainda estava dentro da casa dela, como recordação.Vi meu sorriso estampado e nossos beijos em diferentes ângulos para fotos e fiquei me perguntando se eu fui feliz naqueles momentos, ao lado dele. Porque eu lembrava do
- Bárbara, eu quero que você seja muito feliz.- Eu vou ser. – falei esperançosa e positivamente.- Por que eu acho que nunca mais nos veremos novamente? – ela indagou.Sim, não nos veríamos novamente. Porque eu não a procuraria. Aquilo era mesmo uma despedida... De tudo que me fazia lembrar Jardel.- Fique bem, Ana. Amo você.- Manterei você para sempre nas minhas orações, Bárbara. E mais uma vez, obrigada.Acenei e saí, fechando o portão, que certamente eu nunca mais reabriria novamente. Era o fim de um ciclo de quase dez anos.Respirei fundo, até sentir meus pulmões cheios e a respiração voltando ao normal. Eu não queria mais rever Jardel... Nem em fotos. As minhas eu já havia queimado tudo e apagado do celular o que restou.E foi assim que coloquei uma pedra em cima do meu relacionamento de oito anos com Jardel, meu primeiro e único amor e ao mesmo tempo o homem que acabou comigo, que me partiu em mil pedaços e que eu imaginava que jamais seria capaz de juntá-los novamente, porque
- Acha que ele tem uma amante? E pode ser a loira do meio do pole dance? – questionei, agora mais curiosa ainda.- Cindy? – ele balançou a cabeça. – Bem, Heitor Casanova é noivo. E a probabilidade de você encontrar a noiva dele na Babilônia é quase zero. Mas dentre todos os casos dele, Cindy é o mais sério.- Os casos? Bem, eu já tinha ouvido falar sobre a síndrome de gostoso cafajeste dele. Mas a tal Cindy me tratou como se fosse a real dona de tudo, acredite.- Eu não sei como você chegou ao senhor Casanova... Sinceramente, isso é muito difícil. Mas Cindy age mesmo como se fosse dona de tudo. Ela sabe o apreço que o chefe tem por ela.- E a noiva?- Bem, eu não sei nada sobre ela. O Google pode lhe dizer algo.- Cindy é a dançarina do meio do pole dance, certo?- Ela mesma. Mas não nos falamos muito. Ela é tratada quase como uma celebridade por todos. E não se mistura com os funcionários da Babilônia, mesmo sendo uma. Como eu disse, ela é a boneca do dono da porra toda. Eu só sou o
- Saiu mais cedo. Disse que tinha umas coisas para resolver. Depois iria para o trabalho.- Eu vou tomar um banho... E dormir. Estou virada num trapo humano... – falei, indo diretamente para o banheiro.Era seis horas da manhã quando meu telefone tocou na segunda-feira.- Alô... – falei, com voz de dormida ainda, não reconhecendo o número.- Olá, Babi.- Quem está falando? – sentei na cama.- O amor da sua vida... Só que você ainda não sabe disto.- Ben? – perguntei, aturdida.- Então já tem alguém ocupando meu lugar? Avise Ben que vou matá-lo.- Quem está falando, porra? Vou na polícia e mandar rastrear no número. Você será preso por ameaça e...- Babi, sou eu, Daniel.Fiquei pensativa um pouco, tentando botar os pensamentos em ordem àquela hora da manhã.- Você... Não dorme... Não vive?- Sou quase um vampiro. – Ele riu. – Acabei de sair da Babilônia... Acho que deve ser meu quinto turno.- Então fale o que o faz me ligar esta hora, senhor trabalhador...- Eu tenho um amigo que trab
O Restaurante que Daniel me indicou ficava na área mais nobre da capital. Um lugar sem muito movimento corriqueiro, completamente afastado da parte comercial. Só havia mais um restaurante naquela região, do mesmo estilo.Coloquei um vestido tomara que caia, sóbrio, num cinza mesclado escuro, não muito justo nem muito solto. Por cima, um blazer preto, com sapatos scarpin da mesma cor. Eu parecia uma mulher séria e confiável. Aliás, eu não parecia... Era uma mulher séria e confiável. Exceto pelo fato de estar com um tomara que caia, que ninguém saberia, já que o casaco deixava tudo completamente em harmonia no look de procurar emprego.Na entrada principal do restaurante, tinha dois manobristas, que recebiam os carros e levavam para não sei aonde, já que não havia nenhum estacionado nas redondezas. Certamente havia um estacionamento privativo para os clientes.O local não era muito grande, mas tinha enormes janelas de vidro e uma iluminação fraca do lado de dentro. Parecia não ter muita
Ouvi o som da porta se abrindo e olhei pelo espelho quem chegava. E esperava qualquer coisa, menos um homem... Ou melhor, menos “aquele homem”.Nossos olhos se encontraram na imagem do espelho. Senti um frio na barriga e fiquei imóvel. Ele também pareceu surpreso, pois ficou um tempo sem dizer nada, apenas me observando.- Eu... Acho que o senhor está no banheiro errado. – falei educadamente.Ele era Heitor Casanova. Via dezenas ou centenas de pessoas por dia. Claro que não lembraria de mim. Ainda assim, meu coração batia tão forte que eu conseguia escutá-lo fora do meu peito. Será que eu o temia, mesmo não estando no território dele? Por que ele me deixou tão nervosa?- Quem não sabe ler é você, pelo que me lembro. – os olhos verde-claro continuaram dos meus.- Como pode olhar ao seu redor, este banheiro é feminino, senhor.- Quem, em são consciência, tatua “Bon Jovi” na cervical? – olhou atentamente o símbolo que eu tatuei há muitos anos. - Me diga que foi uma bebedeira na adolescên
- Claro que não. Dormir é para os fracos. – brincou. – Então, como vai na entrevista novamente hoje à noite, não vai poder jantar comigo.- Não mesmo.- Que tal um almoço? Eu jantaria com você, já que não trabalho na Babilônia esta noite. Mas pelo visto não vai dar certo...- Daniel, não... Sou grata pela sua indicação de emprego, mas não quero me envolver... E está fora de cogitação iludir você. - É só um almoço entre amigos.- Não somos amigos.- Puxa vida... Você acaba de quebrar meu coração em mil pedaços.- Melhor assim, acredite.- Não... Não é melhor assim. Não pode ao menos tentar me dar uma chance, Babi?- Você mesmo disse que tem alguém... Então não entendo porque tudo isso.- Eu não tenho ninguém... Só tive medo que você fugisse de mim. No entanto... Está fugindo da mesma forma.- Não é fugir... Eu tive um relacionamento duradouro... E embora terminado, ainda não estou completamente curada. Não quero fazer mal a alguém como me fizeram.- Isso é fugir, sim.- Daniel...- Ok