Eu não sei se meu pai foi este homem, ou outro... Ou quem sabe um terceiro ou quarto. Mamãe nunca quis falar sobre ele. Só dizia que foi enganada e que ele sabia da minha existência, mas nunca veio atrás de nós.
Infelizmente minha vó não sabia de nada. E nem sei direito porque as duas eram tão afastadas e não se falavam, mesmo depois da morte de meu avô.
Mandy Novaes era financeiramente melhor que minha mãe. Mesmo com minhas crises de rebeldia tardias, pagou toda minha faculdade. E ajudou no meu primeiro emprego, já no Centro de Noriah Norte. Fui demitida porque Jardel entrou drogado no meu ambiente de trabalho e fez uma cena lamentável.
Enfim, a vida não era fácil para ninguém. Eu não acreditava que pudessem existir pessoas sem problemas.
Mal eu sabia que sim, existia... E logo eu conheceria. E que “eu” seria o único problema de alguém. Afinal, a gente não tem como prever o futuro. Porque se fosse assim, quando vi Jardel a primeira vez, teria sumido na mesma hora.
Seguir em frente eu já seguia. A questão é que eu não estava travada por conta de Jardel ou da perda. Pelo contrário; depois que fui ao enterro e voltei para casa, abri um espumante e fui com meus amigos comemorar no Hazard. Bebi até não aguentar mais e fui trazida para casa quase em coma alcóolico. Creio que tenha sido a melhor coisa que aconteceu na minha vida depois da minha formatura.
E não, eu não era uma pessoa má. Eu era boa até demais, afinal, estive com Jardel por oito anos. Ou seja, oito anos jogados no lixo. Quando ele se foi, para mim era como se a tampa da lixeira tivesse fechado. E eu livre.
Você deve estar se perguntando: onde entra o Bon Jovi nesta história toda? Bem, ele me ajudou o tempo todo ao longo da minha vida nada convencional. Como ele fez isso? Só pousando lindamente num pôster, que eu os colava pelas paredes, teto, camisetas... Quanto tudo dava errado, era o sorriso dele que me consolava. E as letras das músicas de amor fracassados me faziam delirar. Sem contar os shows que eu assistia da TV, que era como se estivesse lá com ele, no meio da multidão, gritando até ficar sem voz.
Ele me trazia boas lembranças... De uma vida feliz, de uma menina que não tinha nenhuma obrigação e que nem sabia o que eram problemas. Ele me lembrava felicidade... E minha mãe... Nós duas, deitadas na minha cama, rindo de bobagens... Enquanto a foto dele na parede nos encarava.
Todo mundo pensava: é só mais uma fã, daquelas fã-naticas. Começou aos onze anos, então a ideia era que passasse. O problema é que eu estava com 27... E não passou. Eu tinha até uma tatuagem em homenagem a ele. E sim, era a única.
Se me perguntassem hoje: qual seu sonho? Eu não pensaria duas vezes: conhecer o Bon Jovi. E foda-se a mulher dele. Eu o beijaria na boca. E depois o sequestraria.
Olhei para meus amigos e disse:
- Não quero falar sobre Jardel. Já enjoei.
- Como assim? Nem começamos. – Salma começou a rir.
- Mas eu encerrei. Um filme já passou pela minha cabeça. E ele conseguiu estar nas listas de “para chorar”, “para gritar”, “para rir”... Exceto para “fingir que estão vendo”.
- Ah, entra nesta lista sim, Babizinha. – Ben me olhou. – Você fingia que não via.
- Eu sempre vi, Ben... Tudo.
- Eu sei exatamente o que você precisa. – Salma levantou, me puxando do sofá e dos braços de Ben.
- Dinheiro, Bon Jovi e uma passagem para Dubai só de ida? – arqueei a sobrancelha.
- Não. Você precisa conhecer a Babilônia.
Gargalhei:
- Não tenho dinheiro nem para pagar o aluguel, amiga. Vocês vão ter que pagar para mim este mês.
- Eu vou colocar vocês para dentro.
- Pela janela do banheiro masculino? – Ben levantou, batendo palmas.
- Pela entrada de funcionários, seus bobos.
- Posso saber por que você não fez isso anos antes, enquanto eu implorava por este momento? – Ben ficou confuso e bravo ao mesmo tempo.
- Porque não era uma situação urgente. Agora é. – ela justificou.
- Como assim? Vou morrer, é isso? Você sabe algo sobre endometriose que eu não sei? – enruguei a testa, tentando manter a calma enquanto encarava os olhos mel esverdeados da minha amiga ruiva.
- Foda-se, gente. Chega de ser certinha. O que eu ganho fazendo isso? Porra nenhuma. Além do mais, o senhor Casanova não vai ficar mais pobre se eu botar dois não pagantes dentro do luxuoso bar noturno dele.
Ben começou a pular e bater palmas:
- Bora se maquiar, girls!
- Isso não pode lhe dar problema? – perguntei.
- Claro que sim. – ela riu. – E eu pouco me importo. Vocês são meus amigos e merecem isso. Você precisa se livrar desta porra de vida que tem tido, Babi.
- E a Babilônia vai fazer isso? – gargalhei.
- Ah, amiga, eu posso apostar que sim. Ninguém que tenha menos de seis zeros à direita na conta entra naquele lugar.
Ben já tinha desaparecido, ido se arrumar.
Suspirei e a abracei:
- Toca Bon Jovi lá?
Ela riu:
- Amiga, Bon Jovi só toca na sua cabecinha. Ele está velho e acabado. Nem deve lembrar das músicas de cor.
- Salma, Bon Jovi é como vinho... Quanto mais velho, melhor fica.
- E o que você entende de vinhos, amiga?
- Nada... Mas eu entendo do Bon Jovi. – comecei a rir.
Coloquei um vestido vinho, curto e justo, que deixava parte dos meus seios à mostra, contrastando com a pele clara. As costas nuas realçavam meu corpo. Penteei os cabelos e deixei soltos, com os ondulados loiros caindo sobre os ombros até metade das costas. O batom combinava com a cor do vestido. Sombra nude para contrastar meus olhos azuis. E um sapato extremamente alto para compensar minha pouca altura. Uma bolsa dourada com nada dentro, a não ser meu documento com foto e um celular. Dinheiro que é bom, eu não tinha.
Sim, eu estava preparada para conhecer a boate mais cara e comentada do país... E também o lugar aonde minha melhor amiga trabalhava.
E então foi lá, naquela noite, que tudo começou. O início da minha vida... De verdade.
O sonho de qualquer pessoa em Noriah Norte talvez fosse entrar na Babilônia sem passar pela fila, apresentando um cartão VIP. Isso era quase como ter um passe de celebridade. Mas não era o nosso caso, visto que entraríamos pela porta de serviço.A Boate Babilônia era simplesmente gigantesca, ocupando toda uma quadra. O estacionamento era no andar inferior, subsolo. Mas só tinha direito a estacionar lá quem tinha o tal certificado VIP.Com frequentadores elitizados, já que o ingresso era quase o preço de um rim no mercado negro, o local contava com mulheres de todos os tipos “à caça” de conforto com a conta bancária de um ricaço. E, em contrapartida, homens que procuravam mulheres bonitas, gostosas e famosas.Morávamos perto dali e nossa melhor amiga trabalhava naquele lugar e nunca tínhamos pisado os pés lá dentro.Salma trabalhava ali há muitos anos. Mas minha amiga era muito correta e jamais cogitou nos dar passes gratuitos, sequer pela entrada onde hoje ela havia decidido ir contra
Não podia beber mais, ou acabaria com o cartão de minha amiga Salma. Certamente seria descontado do salário dela depois. Se bem que acho que ela não se importaria se eu provasse um chopp de... Menta.- Vai ficar bêbada deste jeito. – o barman me entregou o terceiro copo, rindo.- Acho que não... Parece ser pouco alcoólico. – gritei para ser ouvida, não percebendo que a mesma pessoa me entregou os copos.Todos os barman’s e bargirl’s vestiam calças pretas, com colete da mesma cor, social e camisas brancas por baixo. A roupa era bordada com o nome do lugar.- Te dou meia hora e estará dançando sem roupa na pista. – ele garantiu.Comecei a rir:- Obrigada pela dica. Vou levar em conta.- Quando estiver nua na pista? – riu.Assenti com a cabeça, virando o último copo, que já me tonteou um pouco.Fui encontrar meu amigo, que seguia dançando sozinho entre a multidão. E não foi difícil encontrar um rapaz magro, não muito alto, com blazer vermelho com xadrez, calça azul brilhante e botinas m
- Você me chamou de “desclassificado babaca”? Quem pensa que é? – ele veio na minha direção, furioso e eu fui andando para trás, amedrontada.Quando ele chegou próximo, coloquei os braços na frente do rosto, temendo que ele fosse me bater.Um longo silêncio pairou entre nós. Fui retirando meus braços, vagarosamente, sentindo os olhos dele sobre mim.- Eu... Não vou bater em você. – ele falou aturdido.- Eu... Não achei que fosse... – menti.- Chame os seguranças e mande retirá-la daqui imediatamente. E exija que a joguem para o lado de fora da boate. Certamente uma paparazzi disfarçada. – falou a mulher.- Papa... Papa... – a palavra não saía. A bebedeira me impedia de raciocinar muito bem. – Sou só uma frequentadora desta porra... Foi um acidente... Entrei no lugar errado.- E quem me garante que você não vai espalhar aos quatro cantos do mundo o que viu aqui? – ele disse com os olhos frios.Ele usava uma camisa branca, aberta uns dois botões. Tinha marca de batom na gola e no peito
- Alegria.- Que diferente. De onde sua mãe tirou?- De um filme.- Achei que fosse de origem viking. Ou um tipo de deus... Algo assim.Ele não falou nada. Descemos uma escadaria e ele abriu uma porta corta-fogo, onde tive a visão da rua, do lado de fora da boate.Suspirei:- Foi tão difícil entrar aqui... E tão rápido para sair. Eu sou uma desastrada azarada, esta é a verdade. Fui cair justo no lugar onde Heitor Casanova e sua esposa estavam.- Adeus, senhora Bongiove. – ele disse, fechando a porta.- É Novaes... – falei para mim mesma, já que ele não estava mais ali.Sentei no cordão da calçada. Precisava colocar meus pensamentos em ordem. Salma estava trabalhando e eu não queria estragar a foda de Ben, sabendo que ele não fazia sexo há um tempinho também.Peguei meu telefone e mandei uma mensagem no grupo que tínhamos em comum:“Amores, eu fiquei um pouco bêbada e vou chamar um motorista de aplicativo e dormir na casa da minha avó. Tenham uma noite maravilhosa.”Chamei o motorista
- Olá, Ana... Quanto tempo!Senti o abraço apertado dela e retribuí. Eu gostava tanto de Ana. E senti sua falta ao longo destes dois anos.- Entre... Por favor.Ela se afastou e entrei, ficando de pé.- Sempre sinta-se em casa aqui, Bárbara. Sabe o quanto eu a estimo.- Obrigada. – falei sentando.- Vou fazer um café para nós.- Não precisa... Eu já vou. Estou só de passagem. Tenho um compromisso logo em seguida. – Menti.- Por favor... Me deixei lhe oferecer um café.Assenti, sabendo que aquilo poderia ser importante para ela.Ana foi para a cozinha. Certamente os meninos não estavam em casa, pois tinha muito silêncio naquela casa enorme.Olhei as fotos penduradas na parede e porta-retratos na estante. Tudo tinha a imagem de Jardel... E algumas de nós dois juntos. Eu ainda estava dentro da casa dela, como recordação.Vi meu sorriso estampado e nossos beijos em diferentes ângulos para fotos e fiquei me perguntando se eu fui feliz naqueles momentos, ao lado dele. Porque eu lembrava do
- Bárbara, eu quero que você seja muito feliz.- Eu vou ser. – falei esperançosa e positivamente.- Por que eu acho que nunca mais nos veremos novamente? – ela indagou.Sim, não nos veríamos novamente. Porque eu não a procuraria. Aquilo era mesmo uma despedida... De tudo que me fazia lembrar Jardel.- Fique bem, Ana. Amo você.- Manterei você para sempre nas minhas orações, Bárbara. E mais uma vez, obrigada.Acenei e saí, fechando o portão, que certamente eu nunca mais reabriria novamente. Era o fim de um ciclo de quase dez anos.Respirei fundo, até sentir meus pulmões cheios e a respiração voltando ao normal. Eu não queria mais rever Jardel... Nem em fotos. As minhas eu já havia queimado tudo e apagado do celular o que restou.E foi assim que coloquei uma pedra em cima do meu relacionamento de oito anos com Jardel, meu primeiro e único amor e ao mesmo tempo o homem que acabou comigo, que me partiu em mil pedaços e que eu imaginava que jamais seria capaz de juntá-los novamente, porque
- Acha que ele tem uma amante? E pode ser a loira do meio do pole dance? – questionei, agora mais curiosa ainda.- Cindy? – ele balançou a cabeça. – Bem, Heitor Casanova é noivo. E a probabilidade de você encontrar a noiva dele na Babilônia é quase zero. Mas dentre todos os casos dele, Cindy é o mais sério.- Os casos? Bem, eu já tinha ouvido falar sobre a síndrome de gostoso cafajeste dele. Mas a tal Cindy me tratou como se fosse a real dona de tudo, acredite.- Eu não sei como você chegou ao senhor Casanova... Sinceramente, isso é muito difícil. Mas Cindy age mesmo como se fosse dona de tudo. Ela sabe o apreço que o chefe tem por ela.- E a noiva?- Bem, eu não sei nada sobre ela. O Google pode lhe dizer algo.- Cindy é a dançarina do meio do pole dance, certo?- Ela mesma. Mas não nos falamos muito. Ela é tratada quase como uma celebridade por todos. E não se mistura com os funcionários da Babilônia, mesmo sendo uma. Como eu disse, ela é a boneca do dono da porra toda. Eu só sou o
- Saiu mais cedo. Disse que tinha umas coisas para resolver. Depois iria para o trabalho.- Eu vou tomar um banho... E dormir. Estou virada num trapo humano... – falei, indo diretamente para o banheiro.Era seis horas da manhã quando meu telefone tocou na segunda-feira.- Alô... – falei, com voz de dormida ainda, não reconhecendo o número.- Olá, Babi.- Quem está falando? – sentei na cama.- O amor da sua vida... Só que você ainda não sabe disto.- Ben? – perguntei, aturdida.- Então já tem alguém ocupando meu lugar? Avise Ben que vou matá-lo.- Quem está falando, porra? Vou na polícia e mandar rastrear no número. Você será preso por ameaça e...- Babi, sou eu, Daniel.Fiquei pensativa um pouco, tentando botar os pensamentos em ordem àquela hora da manhã.- Você... Não dorme... Não vive?- Sou quase um vampiro. – Ele riu. – Acabei de sair da Babilônia... Acho que deve ser meu quinto turno.- Então fale o que o faz me ligar esta hora, senhor trabalhador...- Eu tenho um amigo que trab