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Vamos falar de Jardel (II)

Eu não sei se meu pai foi este homem, ou outro... Ou quem sabe um terceiro ou quarto. Mamãe nunca quis falar sobre ele. Só dizia que foi enganada e que ele sabia da minha existência, mas nunca veio atrás de nós.

Infelizmente minha vó não sabia de nada. E nem sei direito porque as duas eram tão afastadas e não se falavam, mesmo depois da morte de meu avô.

Mandy Novaes era financeiramente melhor que minha mãe. Mesmo com minhas crises de rebeldia tardias, pagou toda minha faculdade. E ajudou no meu primeiro emprego, já no Centro de Noriah Norte. Fui demitida porque Jardel entrou drogado no meu ambiente de trabalho e fez uma cena lamentável.

Enfim, a vida não era fácil para ninguém. Eu não acreditava que pudessem existir pessoas sem problemas.

Mal eu sabia que sim, existia... E logo eu conheceria. E que “eu” seria o único problema de alguém. Afinal, a gente não tem como prever o futuro. Porque se fosse assim, quando vi Jardel a primeira vez, teria sumido na mesma hora.

Seguir em frente eu já seguia. A questão é que eu não estava travada por conta de Jardel ou da perda. Pelo contrário; depois que fui ao enterro e voltei para casa, abri um espumante e fui com meus amigos comemorar no Hazard. Bebi até não aguentar mais e fui trazida para casa quase em coma alcóolico. Creio que tenha sido a melhor coisa que aconteceu na minha vida depois da minha formatura.

E não, eu não era uma pessoa má. Eu era boa até demais, afinal, estive com Jardel por oito anos. Ou seja, oito anos jogados no lixo. Quando ele se foi, para mim era como se a tampa da lixeira tivesse fechado. E eu livre.

Você deve estar se perguntando: onde entra o Bon Jovi nesta história toda? Bem, ele me ajudou o tempo todo ao longo da minha vida nada convencional. Como ele fez isso? Só pousando lindamente num pôster, que eu os colava pelas paredes, teto, camisetas... Quanto tudo dava errado, era o sorriso dele que me consolava. E as letras das músicas de amor fracassados me faziam delirar. Sem contar os shows que eu assistia da TV, que era como se estivesse lá com ele, no meio da multidão, gritando até ficar sem voz.

Ele me trazia boas lembranças... De uma vida feliz, de uma menina que não tinha nenhuma obrigação e que nem sabia o que eram problemas. Ele me lembrava felicidade... E minha mãe... Nós duas, deitadas na minha cama, rindo de bobagens... Enquanto a foto dele na parede nos encarava.

Todo mundo pensava: é só mais uma fã, daquelas fã-naticas. Começou aos onze anos, então a ideia era que passasse. O problema é que eu estava com 27... E não passou. Eu tinha até uma tatuagem em homenagem a ele. E sim, era a única.

Se me perguntassem hoje: qual seu sonho? Eu não pensaria duas vezes: conhecer o Bon Jovi. E foda-se a mulher dele. Eu o beijaria na boca. E depois o sequestraria.

Olhei para meus amigos e disse:

- Não quero falar sobre Jardel. Já enjoei.

- Como assim? Nem começamos. – Salma começou a rir.

- Mas eu encerrei. Um filme já passou pela minha cabeça. E ele conseguiu estar nas listas de “para chorar”, “para gritar”, “para rir”... Exceto para “fingir que estão vendo”.

- Ah, entra nesta lista sim, Babizinha. – Ben me olhou. – Você fingia que não via.

- Eu sempre vi, Ben... Tudo.

- Eu sei exatamente o que você precisa. – Salma levantou, me puxando do sofá e dos braços de Ben.

- Dinheiro, Bon Jovi e uma passagem para Dubai só de ida? – arqueei a sobrancelha.

- Não. Você precisa conhecer a Babilônia.

Gargalhei:

- Não tenho dinheiro nem para pagar o aluguel, amiga. Vocês vão ter que pagar para mim este mês.

- Eu vou colocar vocês para dentro.

- Pela janela do banheiro masculino? – Ben levantou, batendo palmas.

- Pela entrada de funcionários, seus bobos.

- Posso saber por que você não fez isso anos antes, enquanto eu implorava por este momento? – Ben ficou confuso e bravo ao mesmo tempo.

- Porque não era uma situação urgente. Agora é. – ela justificou.

- Como assim? Vou morrer, é isso? Você sabe algo sobre endometriose que eu não sei? – enruguei a testa, tentando manter a calma enquanto encarava os olhos mel esverdeados da minha amiga ruiva.

- Foda-se, gente. Chega de ser certinha. O que eu ganho fazendo isso? Porra nenhuma. Além do mais, o senhor Casanova não vai ficar mais pobre se eu botar dois não pagantes dentro do luxuoso bar noturno dele.

Ben começou a pular e bater palmas:

- Bora se maquiar, girls!

- Isso não pode lhe dar problema? – perguntei.

- Claro que sim. – ela riu. – E eu pouco me importo. Vocês são meus amigos e merecem isso. Você precisa se livrar desta porra de vida que tem tido, Babi.

- E a Babilônia vai fazer isso? – gargalhei.

- Ah, amiga, eu posso apostar que sim. Ninguém que tenha menos de seis zeros à direita na conta entra naquele lugar.

Ben já tinha desaparecido, ido se arrumar.

Suspirei e a abracei:

- Toca Bon Jovi lá?

Ela riu:

- Amiga, Bon Jovi só toca na sua cabecinha. Ele está velho e acabado. Nem deve lembrar das músicas de cor.

- Salma, Bon Jovi é como vinho... Quanto mais velho, melhor fica.

- E o que você entende de vinhos, amiga?

- Nada... Mas eu entendo do Bon Jovi. – comecei a rir.

Coloquei um vestido vinho, curto e justo, que deixava parte dos meus seios à mostra, contrastando com a pele clara. As costas nuas realçavam meu corpo. Penteei os cabelos e deixei soltos, com os ondulados loiros caindo sobre os ombros até metade das costas. O batom combinava com a cor do vestido. Sombra nude para contrastar meus olhos azuis. E um sapato extremamente alto para compensar minha pouca altura. Uma bolsa dourada com nada dentro, a não ser meu documento com foto e um celular. Dinheiro que é bom, eu não tinha.

Sim, eu estava preparada para conhecer a boate mais cara e comentada do país... E também o lugar aonde minha melhor amiga trabalhava.

E então foi lá, naquela noite, que tudo começou. O início da minha vida... De verdade.

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