03 — Pedindo um favor

(Bonus: Drica)

Já solicitei duas taças de Chandon Rosé antes mesmo da Leila se jogar exausta na minha frente depois de mais um cansativo dia de trabalho. Hoje é sexta-feira, dia de folga para a banda, mas estou por dentro dos acontecimentos e sei que a Leila ficou até tarde na ilha de edição. Eu sou basicamente chefe dela, então consigo checar as escalas.

Ai, estou tão exausta, não aguento mais, Drica. — Ela me diz, choramingando e passando as mãos pela cabeça, puxando os cabelos castanhos para trás. — Não achei que isso fosse algo tão exaustivo!

É um pouco, mas também é muito legal. — Digo, com um sorriso. — Como estão as coisas entre você e o Bernardo?

Eu não devia perguntar, poque no fundo me magoa tanto saber que esses dois estão juntos, se amando apaixonados e que tudo está perfeito na vida deles. O relacionamento da Leila com o Bernardo me custou um teco de infelicidade…

Eu tentei voltar com o Bernardo no dia em que ela estava saindo com o Eduardo (tudo bem, como eu e o Dudu estávamos transando em segredo, ela não teria como saber), mas aí o Bernardo estava bêbado, puto de ciúmes, brigando com a Ruth como nunca vi e acho que ele acabou brigando comigo também… foi terrível descobrir que em um passado, ele me traiu como todos os meus outros namorados. Eu tive um noivo que me traiu com um homem, um outro namorado que me traiu, outro que eu peguei na cama com outra mulher e até o Dudu, já andou passando o rodo em outras meninas enquanto tínhamos um relacionamento secreto.

Mas descobrir a traição do Bernardo doeu de um jeito que nenhuma outra traição me machucou. Tinha por mim que o Bernardo era um anjo, mas descobri o diabinho que ele é. Não é segredo para ninguém que o Bernardo passou a faculdade inteira trocando de namorada como quem trocava de cueca e pegando vinte meninas em um mesmo final de semana… daquele jeito terrivel que os homens se comportam de vez em quando… mas como eu tinha aquela impressão de namorado bonitinho e com quem eu fui injusta, não percebi que no fundo ele é um canalha putão… quer dizer, devia ter percebido quando tivemos um remember logo que ele voltou para São Paulo no meio da faculdade, porque conseguiu um emprego… mas enfim, deixa isso pra lá.

Tudo bem, mas estou ficando preocupada… o Bernardo anda tão… — As palavras de Leila me fazem olhar para ela, analisando o jeito com que ela hesita em falar comigo sobre o Bernardo, como se o fato de que eu tenha sido namorada dele seja algo ruim entre nós. E é. Não perdoei a Leila tão bem assim, não. Ela é uma fura-olho de marca maior. — Ausente.

Ausente? — Pergunto, curiosíssima, quero saber mais.

Ele está comigo, mas não está… nossas conversas andam rasas, sobre o dia a dia… — Ela balança a cabeça e alcança a taça de Chandon Rosé, permintindo-se um gole. Mas percebo que ela não quer entrar em detalhes, como admitir que o sexo anda bem raso, também. O que é uma pena perceber que a Leila não sabe aproveitar o Bernardo do melhor jeito, entende? — Mas e você? O que quer me dizer de tão urgente? Temos até Chandon hoje…

Oh sim. — Forço um sorriso. — Tudo o que eu te disser tem que ficar entre nós, unicamente entre nós. Tá bem?

Hm, ok. — Leila diz com os olhos bem abertos. — Você sabe que pode confiar em mim.

Posso rir? Não acredito que ela teve a cara de pau de me dizer isso na atual situação. Desde quando posso confiar na Leila? Quando ela deu em cima do meu namorado no Zoológico? Quando ela o beijou no final do colegial? Quando ela escondeu isso de mim? Quando ela se atirou para cima do Dudu duas vezes? Que raiva! Como uma pessoa pode fazer tantas coisas erradas na vida e ainda por cima, dormir feliz como se não estivesse fazendo nada de mais? As vezes eu tenho vontade de fazer a Leila sofrer.

Certo. — Concordo, sem realmente concordar, mas brigar com a Leila de novo vai me conceder uma enorme desvantagem no que eu preciso fazer. — Queria te pedir um favor…

Um favor? — Nervosamente, Leila cutuca seu esmalte azul, que não combina em nada com a bata laranja que ela usa com uma calça jeans horrorosa. Eu chamo minha amiga para um jantar chique e ela vem vestida como se fosse para um show de rock… bem, ela trabalha em um show de rock, deixa eu ficar quieta.

Um grande favor… — E alcanço a mão que ela deixou sobrando ali em cima da mesa. — Tem a ver com o Fabrício.

Oh. — Ela puxa sua mão, afastando meu toque.

Por favor Leila, só me escuta, tá bem?

As senhoritas vão pedir? — O garçom se aproxima de mim.

Claro, trás duas saladas ceasar, por favor. — Peço por nós duas. — Depois peço a sobremesa.

Sim, senhora. — O garçom diz e se afasta, Leila dá mais um gole em seu Chandon rosé.

Trocamos um olhar silencioso. Ela me dizendo que não quer chegar perto do Fabrício e eu implorando ajuda. Vou apelar para o lado sentimental que sei que a Leila não aguenta, ela é bem fraca nesse quesito. É o passarinho mais fraquinho da gaiola.

Eu já tentei falar com o Fabrício mil vezes sobre isso… mas ele tem se mostrado irredutível com relação ao Eduardo… — Digo fazendo uma carinha triste. — Você sabe como a história desses dois é intensa.

Para ser sincera, fiquei bem surpresa quando fiquei sabendo que ele saiu do apartamento dele para deixar vocês dois morarem lá. Sempre achei que se dependesse do Fabrício, o Eduardo poderia morrer. — Ela engole todo o Chandon, terrivelmente em pânico por perceber que meu favor envolve o Fabrício e o Eduardo.

Isso não foi nada. — Digo com um sorriso. — Durante o tratamento do Dudu, o Fabrício me ajudou bastante.

Ajudou?

Bastante. — Friso a informação. — O Fabrício não foi visitá-lo nenhuma vez, mas fez questão de conhecer a clínica de reabilitação antes de pagar para o Dudu frequentar lá.

Vejo quando os lábios dela se partem em surpresa.

Por essas e outras que estou convencida de que, com uma forcinha, consigo fazer o Fabrício oferecer um emprego para o Dudu… você sabe, de fotógrafo e tal.

Ai, Drica. Não sei… uma coisa é ajudar de forma distante, financiando um tratamento e um apartamento… mas outra coisa é se envolver no dia a dia com um serviço.

Fala isso por experiência própria né?

Não. — Ela cruza os braços. — E sim…

Eu sei que é difícil… mas preciso que o Dudu consiga esse emprego.

Por quê? O Eduardo não está trabalhando como fotógrafo de casamentos? Aposto que a grana é boa.

É pouco, Leila… — Faço uma careta. — Ele não ganha muito e nem sempre chamam ele… fora que é bem sacrificante, ficamos sem tempo para nós dois… vou precisar do Dudu mais presente em casa, sabe…

Eu acho que o Fabrício até toparia fazer um ensaio fotográfico, seja solo ou com a banda, mas trabalhar todo dia? Não vai ser algo fácil. O Fabrício tem mesmo muitas mágoas, Drica… o Eduardo basicamente matou o pai dele, na concepção dele.

Mas é uma concepção equivocada e o Fabrício vai entender isso mais cedo ou mais tarde… — Digo convicta. Realmente acho que isso vai acontecer.

O Dudu não matou ninguém, poxa. Eu sei que eutanásia é um assunto polêmico, mas o Dudu pensou no bem estar do Fabrício também… poxa, o Fabrício na época era adolescente, não tinha uma percepção real das coisas e toda a responsabilidade recaiu nos ombros do Eduardo… pode não ter sido a forma mais correta, mas ele resolveu o problema, não resolveu?

Eu só não estou com tempo para esperar demais por isso.

Por que não? Deixa eles se entenderam no tempo deles, se isso algum dia for mesmo acontecer.

Leila, eu tou grávida.

Quê? — A Leila cai para trás e o garçom coloca nossas saladas na mesa. Eu sorrio para ele. — Moço, preciso de uma dose de uísque, sem gelo.

Que isso, Leila, sem drama! — Faço, segurando no braço do garçom. — Trás outro Chandon para ela e uma água.

Sim senhora. — Ele se afasta.

Leila está pálida na minha frente e sinto vontade de chorar. É exatamente esse tipo de reação que meus pais vão ter, quando eu disser que engravidei de um ex-viciado em cocaína, fotógrafo de casamentos. Vão achar que eu destruí minha vida e o que deveria ser um momento mágico, vai virar um terror…

Não faz essa cara de julgamento, Leila… — Peço, alcançando o guardanapo de pano no meu colo e seco os olhos. — Foi inesperado… veio em péssimo momento.

Não..! — Leila desmancha e segura meu braço. — Fica calma, Drica! Essa é uma boa notícia, é uma gravidez não a morte de alguém. — E posso vê-la tentar sorrir. — Eu entendi, vou falar com o Fabrício.

Promete?

Prometo… vou fazer o possível para ajudar você, tá bem? Fica calma, não se estressa, vai fazer mal para o bebê.

Obrigada Leila. — Respiro fundo, procurando controlar minhas emoções.

Você já contou pro Eduardo?

Não, pra ninguém, só para você… não conta pra ninguém, Leila. Pra ninguém.

E quanto tempo você acha que vai conseguir esconder sua barrigona, hein? Isso aqui não é novela. — Leila fala dando cortando seu frango e enfiando na boca.

Tempo suficiente. — Eu me demoro um pouco mais para avançar na salada, a verdade é que estou com enjôos. Pego só um alface bem fresco e coloco na boca.

O Fabrício ia se derreter em dois segundos por esse bebê, acho que você devia falar a ele. — Ela diz enquanto mastiga, escondendo a comida com a mão.

A Leila é muito mal educada, os pais dela são bem simples… minha mãe costumava dizer que ela não era o tipo de amiga que eu queria ter, mas eu achava que era implicância pelo jeito caipira dela… mas sinceramente, devia ter escutado a minha mãe.

Não posso forçar a situação usando uma barriga, Leila. — Seria muito humilhante também. — Por isso preciso de você… o Fabrício te escuta.

Leila cai na risada, nada convencida.

É verdade, você sabe. Ele ainda é apaixonado por você.

Ai nem me fala, Drica, ele tem feito da minha vida um inferno.

Como assim?

Enfiou na cabeça dele que é o amor da minha vida e que quer voltar, fica dando em cima de mim, todo pegajoso. — Ela revira os olhos, cansada do assunto. — Não vejo a hora de acabar com essas filmagens, mas ainda por cima a Elisa perdeu tudo o que fizemos, me deu a maior dor de cabeça…

Hm. — Faço analisando enquanto ela mente para mim. — Certo… e o que você acha? Ele é o amor da sua vida?

O Bernardo é o amor da minha vida.

Sei. — Engulo em seco. — Leila… toma cuidado?

Cuidado com o quê?

Com essas ilusões que você cria. — Respiro pesadamente. — O Bernardo não é assim tão legal, ele me traiu, lembra?

Ai, Drica… — Ela solta o garfo e a faca. — Ele não te traiu, ele me beijou, não sei o que deu na gente… eu já te pedi desculpas… — O problema da Leila é se sentir tão culpada por ter beijado o Bernardo que não enxerga um palmo do nariz.

Não, eu já te disse que o Bernardo já tinha me dado vários sinais de interesse em você. Ele fez tudo muito premeditado. — Passo o aviso.

É o máximo que vou alertá-la, se quer dar uma de teimosa, problema dela! Que fique achando que é um caso de amor, por isso eles se beijaram e estão livres de julgamento. Na minha opinião, foi safadeza dos dois.

E o quê? Vai dizer que o Fabrício é o homem da minha vida? — Ela ri debochada.

Isso não sou eu que tenho que saber. — Lanço um sorriso e ela revira os olhos de uma forma que eu detesto. — Mas o Fabrício também não presta, não era ele que tinha uma namorada quando morou com você?

Foi, naqueles primeiros quinze dias que eu achei que ele era um mendigo de rua.

Dou risada. É verdade. Antes do Fabrício e a Leila caírem fundo em um relacionamento de seis meses, ele morou duas semanas com ela. A Leila também, viu, é bem maluca… como que se coloca um homem pra dentro de casa e não se sabe nem o sobrenome dele? E custava pegar o número do celular ou checar o CPF para saber quem ele é? É uma louca.

E quem diria, estava com um futuro rockstar! — Continuo rindo, mas ela respira fundo, como se o atual status do Fabrício a incomodasse.

Fabrício sempre tocou em bares aleatórios por SP, mas quem ia imaginar que a Blackout fazia mesmo sucesso na Inglaterra? Tudo mudou quando eles foram convidados para tocar no Rock in Rio e algum jornalista descobriu que todos os integrantes usavam um nome artístico e que eles eram brasileiros… Pronto, pipocou. O universo do show business adora valorizar um artista nacional quando ele é internacional (e acho que só assim, mesmo).

Por essas e outras que é melhor eu ficar em território neutro. O Bernardo é meu melhor amigo, eu sei tudo sobre ele.

Se você acha… — Reviro os olhos. Sabe o problema da Leila? Ela as vezes gosta de ser enganada. — Mas e então, vai me ajudar com o lance do emprego? Diz que siiiiim… não pode falhar, tá?

Usarei todo o meu charme para convencê-lo a dar uma chance pro Eduardo. Ok?

Perfeito. — Consegui o que queria!

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