Ruth limpa a boca e olha para mim através do espelho. Eu estou estática na porta, segurando-a com uma mão e a bolsa na outra.
— O que é que você está olhando, Leila? — Ruth me pergunta seca, com a voz enrouquecida pelo esforço que fez sua garganta. Eu engulo seco.
— Você está bem? — Pergunto, mas nem me mexo e mal respiro. Ruth está com um olhar de puro ódio em cima de mim e eu ainda tento entender como foi que isso tudo aconteceu. — Quer ajuda?
— Estou ótima e não preciso da sua piedade. — Ela puxa a toalha de papel do dispositivo na parede e seca o rosto. A pia co
Não tem para onde fugir, por isso eu congelo. Ruth fica em pé e chama atenção de Fabrício que se ergue do sofá também. Estou um caos, mas acho que isso é o de menos diante da situação.Ruth seca os olhos e Fabrício é quem se aproxima de mim. Sabe, a ideia de que eles vieram juntos no mesmo veículo, conversando sobre o bebê me chateia demais. Abaixo os olhos e acabo vendo as botas do Fabrício chegando junto de mim. Eu me odeio por um instante, o fato de como meu estômago revira com um panapaná dentro dele só porque é o Fabrício que chega perto de mim, esse poder que ele tem sobre minha existência inteira é minha maior fraqueza.— (Leila)Todos os testes de farmácia deram negativo, não estou grávida. Possivelmente estou com uma gastrite daquelas depois de tanto estresse e ainda nem comecei.Marquei um jantar com a Drica, mas já estou pensando em fugir, especialmente depois que a Yolanda marcou uma reunião com um fornecedor de lâmpadas para holofotes. Nossa, sério que eu tenho que cuidar desses detalhes chatos da empresa de eventos do Fabrício? Que droga.Depois do almoço (que não consigo comer sem vomitar), eu me junto ao sofá com Fabrício e seu violão, para escolhermos logo nosso apartamento, o Flat está fic18 — Família
(Bernardo)Uma lufada de ar bate em meus cabelos quando atravesso a portaria de desembarque internacional. A intenção é de climatizar o corpo para o contraste entre o ar-condicionado e a temperatura ambiente, mas tenho certeza que é apenas a primeira das coisas as quais terei que me habituar.— Bê! — Escuto uma voz conhecida do meio da multidão e procuro por entre os rostos anônimos aquele que eu conheço. — Bê!— Drica! — Aproximo-me dela no instante em que a vejo. Puxo com calma a minha mala cinza escura, velha companheira de guerra. (Leila)— Fabrício! — Berro tão alto que a voz arranha e quase fico rouca. Estou na minha cama king size, enrolada com lençóis mais do que confortáveis.O Fabrício tinha me prometido que eu só ficaria rouca gritando seu nome na cama e não é exatamente assim que eu achei que fosse acontecer.Que irritante!São duas horas e meia da manhã e o Fabrício não sai desse piano! Ele não sabe tocar nada, mas fica batendo as teclas e fazendo o objeto ressoar pela casa inteira. <20 — O piano incrível
(Leila) Fabrício estica os olhos cor de mel para o meu celular e para escapar de sua curiosidade, atendo o telefone. — Alô? — Leila? — Oi tio! — Atendo com animação forçada. Fabrício me faz uma cara esquisita e entra dentro do carro, tentando acalmar os cachorros que repentinamente resolveram latir. — Tio? É o Bernardo, Leila, vai dizer que deletou meu número? — Sua voz sai dura e consigo imaginá-lo revirando os olhos enquanto bate o punho na mesa da bancada da cozinha, como ele costuma fazer quando se sente contrariado e
(Leila)— Uau. Isso é chocante. Há algo de errado na água que estão servindo em NYC. — Fabrício debocha enquanto atira uma bolinha amarela contra a parede causando euforia em Ozzy, que corre para tentar buscá-la.— Foi o que eu disse. — Dou um gole na minha taça de água (por motivos obvios não estou bebendo nem uma gota de álcool e virei uma chata com alimentação e fumaça de cigarro, mas esse último tem sido bom para os pulmões do meu marido). Estou sentada no piano, abraçando Fabrício com meus braços e pernas. Pedimos o jantar em um restaurante e mal posso esperar para comer um pouco de frango grelhado co
(Leila) Fecho minha agenda de trabalho e a coloco para dentro da gaveta. Respiro fundo. É isso. Oficialmente agora terminei com todas as pendências que me prendem ao Brasil. — Ansiosa? — Yolanda me observa por cima de seus pesados óculos. — Um pouco... — Digo. Eu e Fabrício faremos uma viagem de dois ou mais meses pela Europa (depende da Drica) e temos planos de não retornarmos. — E você? Pronta para curtir a aposentadoria? — Nunca estarei pronta! — Ela sorri amavelmente. Vendemos a empresa de eventos para ela. Não é nossa única fonte de renda e concordei com o Fabrício que era mais do que merecid
(Leila) Preciso fechar os olhos antes que meu coração pare de bater. Um fio de agonia atravessa todo o meu corpo e, pela primeira vez na minha vida, senti pavor. A tarde está fresca, o por do sol dourado e frio pinta as nuvens derramadas de cor-de-rosa e o céu fica bem bonito desse jeito, mas não consigo olhar para cima. Meus dois joelhos tremem. Fabrício está pendurado há metros acima do chão, sem um cabo de segurança, remexendo no que seria um holofote de luz para o palco. Alguém precisa tirar ele de lá antes que uma tragédia realmente aconteça. Ninguém se move para isso, entretanto. As câmeras permanecem apontadas para ele, chamando a tragédia. Eu não acho que seria interessante terminar