(Bernardo)
Uma lufada de ar bate em meus cabelos quando atravesso a portaria de desembarque internacional. A intenção é de climatizar o corpo para o contraste entre o ar-condicionado e a temperatura ambiente, mas tenho certeza que é apenas a primeira das coisas as quais terei que me habituar.
— Bê! — Escuto uma voz conhecida do meio da multidão e procuro por entre os rostos anônimos aquele que eu conheço. — Bê!
— Drica! — Aproximo-me dela no instante em que a vejo. Puxo com calma a minha mala cinza escura, velha companheira de guerra.
(Leila)— Fabrício! — Berro tão alto que a voz arranha e quase fico rouca. Estou na minha cama king size, enrolada com lençóis mais do que confortáveis.O Fabrício tinha me prometido que eu só ficaria rouca gritando seu nome na cama e não é exatamente assim que eu achei que fosse acontecer.Que irritante!São duas horas e meia da manhã e o Fabrício não sai desse piano! Ele não sabe tocar nada, mas fica batendo as teclas e fazendo o objeto ressoar pela casa inteira. <
(Leila) Fabrício estica os olhos cor de mel para o meu celular e para escapar de sua curiosidade, atendo o telefone. — Alô? — Leila? — Oi tio! — Atendo com animação forçada. Fabrício me faz uma cara esquisita e entra dentro do carro, tentando acalmar os cachorros que repentinamente resolveram latir. — Tio? É o Bernardo, Leila, vai dizer que deletou meu número? — Sua voz sai dura e consigo imaginá-lo revirando os olhos enquanto bate o punho na mesa da bancada da cozinha, como ele costuma fazer quando se sente contrariado e
(Leila)— Uau. Isso é chocante. Há algo de errado na água que estão servindo em NYC. — Fabrício debocha enquanto atira uma bolinha amarela contra a parede causando euforia em Ozzy, que corre para tentar buscá-la.— Foi o que eu disse. — Dou um gole na minha taça de água (por motivos obvios não estou bebendo nem uma gota de álcool e virei uma chata com alimentação e fumaça de cigarro, mas esse último tem sido bom para os pulmões do meu marido). Estou sentada no piano, abraçando Fabrício com meus braços e pernas. Pedimos o jantar em um restaurante e mal posso esperar para comer um pouco de frango grelhado co
(Leila) Fecho minha agenda de trabalho e a coloco para dentro da gaveta. Respiro fundo. É isso. Oficialmente agora terminei com todas as pendências que me prendem ao Brasil. — Ansiosa? — Yolanda me observa por cima de seus pesados óculos. — Um pouco... — Digo. Eu e Fabrício faremos uma viagem de dois ou mais meses pela Europa (depende da Drica) e temos planos de não retornarmos. — E você? Pronta para curtir a aposentadoria? — Nunca estarei pronta! — Ela sorri amavelmente. Vendemos a empresa de eventos para ela. Não é nossa única fonte de renda e concordei com o Fabrício que era mais do que merecid
(Leila) Preciso fechar os olhos antes que meu coração pare de bater. Um fio de agonia atravessa todo o meu corpo e, pela primeira vez na minha vida, senti pavor. A tarde está fresca, o por do sol dourado e frio pinta as nuvens derramadas de cor-de-rosa e o céu fica bem bonito desse jeito, mas não consigo olhar para cima. Meus dois joelhos tremem. Fabrício está pendurado há metros acima do chão, sem um cabo de segurança, remexendo no que seria um holofote de luz para o palco. Alguém precisa tirar ele de lá antes que uma tragédia realmente aconteça. Ninguém se move para isso, entretanto. As câmeras permanecem apontadas para ele, chamando a tragédia. Eu não acho que seria interessante terminar
(Leila)Aperto o interruptor e ilumino todo o interior do meu apartamento. Tudo em ordem, como sempre e do jeito que deixei antes de fechar a porta. Solto a chave no aparador de madeira que fica bem na entrada e elas se chocam umas com as outras deslizando. Respiro fundo, fecho a porta atrás de mim e rodo a cabeça para soltar os músculos do meu pescoço. Tiro os sapatos de salto e piso livremente no chão, relaxando.Enquanto caminho para o quarto e solto a bolsa em cima do sofá, pego o celular e confiro o horário. É quase meia noite, mas ainda assim envio uma mensagem para meu namorado.Leila: Oi :), Cheguei em casa… Vem jantar comig
Está tudo pronto para o show e a contagem regressiva para o fim do meu trabalho marca cinco! Finalmente. Hoje faremos a gravação de boa parte das músicas que vão para o DVD ao vivo da turnê nacional e uma rádio vai transmitir o show de hoje ao vivo. Minha equipe recebeu um adicional de dez pessoas, fora os técnicos do Fabrício, para toda a parafernália que ele usa no palco. Contratei duzentos figurantes para preencher a plateia (eles são contratados para puxar coro, aplausos, distribuir faixas e chorar para que mais pessoas façam a mesma coisa) e distribuímos convites o suficiente para que além da venda normal de ingressos, muitas pessoas fossem ao show. Em alguns casos, fechamos tudo com figurantes, mas a Blackout tem potencial o suficiente para trazer os próprios fãs... e vieram milhares. (Bonus: Drica) Já solicitei duas taças de Chandon Rosé antes mesmo da Leila se jogar exausta na minha frente depois de mais um cansativo dia de trabalho. Hoje é sexta-feira, dia de folga para a banda, mas estou por dentro dos acontecimentos e sei que a Leila ficou até tarde na ilha de edição. Eu sou basicamente chefe dela, então consigo checar as escalas. — Ai, estou tão exausta, não aguento mais, Drica. — Ela me diz, choramingando e passando as mãos pela cabeça, puxando os cabelos castanhos para trás. — Não achei que isso fosse algo tão exaustivo! — É um pouco, mas também é muito legal. — Digo, com um sorriso. — Como estão as coisas entre você e o Bernardo? 03 — Pedindo um favor