Um sentimento ruim me transpassa.Ciúmes.Sim, minha raiva por essa mulher é exatamente isso.Antes que eu abra o próximo e-mail, escuto um barulho vindo do lado de fora. Meu coração dispara, como se tivesse sido pega em flagrante. Fecho rapidamente o notebook e, levantando apressada, corro para o banheiro. Assim que entro, tranco a porta e tento respirar fundo, mas não consigo.Ele está comigo, não está? Tento me convencer. É isso que importa.Entro debaixo do chuveiro, e a água morna começa a escorrer pelo meu corpo. Fecho os olhos e dou um sorriso involuntário, recordando a noite que tivemos. Raed parecia tão feliz... Ele me olhava com ternura, sem nenhum sinal de obrigação ou peso. Então, é isso que importa, repito para mim mesma, tentando me acalmar.De repente, Raed surge no banheiro. Seu olhar me encontra dentro do box, e por um instante eu me encolho, temendo que ele perceba minha inquietação. Mas ele apenas tira suas roupas, sem pressa, e entra no chuveiro comigo.— Onde você
Respiro profundamente, decidindo que preciso de um momento para mim mesma. Dirijo-me ao banheiro, e ao me ver no espelho, percebo que não é só o corpo que precisa de um banho, mas também a alma. Tomo um banho quente, deixando a água escorrer pelo meu corpo, tentando afastar as preocupações e ansiedades, ainda que seja de forma temporária. Sigo para o quarto e escolho o vestido branco que Raed comprou para mim na Itália. Ele é lindamente delicado, com babados sutis no busto e um corte acinturado, que valoriza minha silhueta, mantendo uma elegância respeitosa aos padrões árabes. O modelo tomara que caia é simples, mas traz uma sofisticação e frescor, como se fosse um presente para me lembrar da sua atenção para comigo.Visto-me com cuidado, sentindo a seda do tecido contra minha pele, e sigo até a sala de jantar. Sento-me na grande cadeira estofada, a mesa à minha frente impecavelmente arrumada, como se o mundo tivesse se organizado ali só para mim. Hamira chega, colocando uma taça de s
Eu tento me distrair com o resto do dia, mas o peso do que ouvi continua me perseguindo. À tarde, descanso um pouco, mas minha mente está longe, vagando pelos labirintos da dúvida.Agora, oito horas da noite, estou deitada na cama, mas o sono não vem. A porta se abre lentamente, e Raed entra. Quando me vê, um sorriso tímido tenta brotar em seus lábios, mas a dor em seus olhos é inegável. Seu semblante, geralmente confiante, agora está carregado de cansaço e preocupação. Ele parece mais velho, a tristeza do momento visível em sua face.Levanto-me da cama imediatamente, e ele me abraça com força, como se meu abraço fosse a única coisa capaz de ancorá-lo. Ele repousa o queixo sobre minha cabeça, e, por um longo momento, ficamos assim, em silêncio, como se o tempo tivesse parado para que pudéssemos nos reconectar.— E seu pai? — pergunto, minha voz suave.Ele solta um suspiro profundo.— Vai passar por uma operação delicada. Terá que colocar pontes de safena.— Sinto muito. Posso ajudar e
Dois dias se passaram, e a operação do Sheik foi um sucesso. Mas mal tive tempo de me alegrar com a notícia. Raed tem se dividido entre o trabalho e as visitas ao hospital, e apesar de sua recuperação, ele ainda não está consciente. Ele diz que está melhorando, mas a dúvida sobre como ele reagirá ao despertar, especialmente em relação a Raed, me corrói. Será que a experiência de quase morte dele amenizará o peso da culpa que sempre carregou sobre os ombros do filho? Ou será que ele vai reforçar os sentimentos de rejeição e acusação, tornando tudo ainda mais insuportável para Raed?Essas perguntas ficam me rondando, tornando a espera ainda mais angustiante. Agora, estou sentada na cama, imersa em pensamentos, tentando dar sentido ao que estou vivendo. O tempo passa de forma quase opressiva, e a ociosidade começa a me consumir. Sem um emprego, sem estudos, e com um futuro que se torna cada vez mais incerto, tudo o que consigo fazer é esperar que as coisas melhorem. No entanto, minha ans
A noite foi terrível. Não consegui dormir direito. Passei as horas observando Raed dormindo. Acho lindo a forma como ele segura o travesseiro. Fico reparando em suas pestanas e como elas são perfeitas, compridas. A luz do luar banhando o corpo dele, revelando seus braços fortes e poderosos, suas costas largas, musculosas.Quando eu estou quase pegando no sono, ele se mexe e seus braços me procuraram para um abraço. Aconchegada a eles eu fecho os olhos e finalmente consigo dormir.Acordo dez para às oito. Raed ainda dorme. Os minutos passam. Aos poucos Raed começa a abrir os olhos e logo eles procuram meus olhos.—Sabāha l-ḫair (Bom dia). —Eu digo, com um leve sorriso.Raed me dá um sorriso fraco e me puxa para os seus braços.— Sabāha l-ḫair. Allah! Como eu dormi!Ele me afasta e me olha.—Sim, desde ontem à tarde. —Digo.—E você? Deitou cedo ontem? Você parece abatida.Eu enceno um sorriso.—Demorei para pegar no sono. Depois que você dormiu, fui até a sala de música e brinquei de to
Pensei em várias possibilidades de senha, tentando conectar datas importantes ou combinações óbvias. Desisti por ora e fui para a sala de jantar, onde Hamira apareceu.— Quer mais alguma coisa?— Não, obrigada. Quando Raed ligar, quero falar com ele.— Está certo.De volta ao quarto, comecei a arrumar uma bolsa com roupas leves. Precisava ser prática. Estava finalizando quando Hamira bateu à porta.— O príncipe.Peguei o telefone na sala, sabendo que ele mantinha o aparelho longe de mim como um lembrete de minha falta de liberdade.— Raed?— Consegui marcar sua consulta para hoje à tarde, às 13 horas. Já falei com Hamira, e ela irá com você — informou Raed, com sua habitual voz firme e calma.— Raed, eu preciso de algumas coisas. Preciso de dinheiro — interrompi, tentando soar neutra.Do outro lado da linha, o silêncio foi palpável. Eu sabia que havia mexido em um terreno delicado.— O que você precisa? Eu mando comprar para você — ele respondeu, com um tom levemente defensivo.Era ex
RaedDepois do telefonema de Hamira volto para casa como um louco. Dirigindo pelas ruas como se tivesse participando de um racha com alguém. Estaciono meu carro e salto dele o deixando com a porta aberta. Ofegante, entro no palácio. Hamira já me espera, ela sentiu como eu estava nervoso ao telefone quando ela me ligou dizendo que Isabella tinha sumido.—Por Allah! Hamira. Explique-me isso direito. —Esbravejo. — Como Isabella foi embora? Como?Ela chora.—Depois do procedimento, ela simplesmente me deu um beijo e saiu. Eu fiquei aturdida olhando ela ir embora, sem entender seu gesto. —Então vocês chegaram a ir ao médico?—Sim. —Hamira me olha ofegante. —Ela perdeu o bebê.Eu estremeço.—Como assim, ela perdeu o bebê? Se ela tivesse perdido, nós saberíamos, não saberíamos?Hamira aperta as mãos em aflição.—Nem sempre. Ela pode ter perdido o bebê e não ter falado nada. A ultrassom revelou que havia tecidos placentários apenas. Eu até me admirei com a atitude dela, era como se ela já e
PrólogoTrabalhar para a realeza já é, por si só, uma tarefa árdua. Agora, trabalhar para uma realeza árabe? Multiplique isso por dez. Desde o início, tive que assumir uma postura séria, controlar sorrisos e me adaptar às rígidas regras de conduta. Meu chefe é um Sheik, e estou neste emprego há apenas seis meses.Na cultura ocidental, a palavra "sheik" remete a status social, riqueza, fama e poder. Mas essa visão é apenas a ponta do iceberg. Ser Sheik é ocupar uma posição de respeito e destaque, algo muito mais profundo.O título é reservado aos chefes de famílias árabes, clãs ou tribos, geralmente seguidores fervorosos de Maomé. Em sua essência, o título de Sheik é passado de pai para filho em sociedades patriarcais. No caso de Youssef, ele é líder de uma aldeia árabe. Forte, generoso, devoto em ajudar os pobres – mas, também, incrivelmente machista. Isso explica meu atual guarda-roupa: roupas sóbrias, tons escuros, coberturas completas.Tenho 22 anos e fui contratada como intérprete