Eu tento me distrair com o resto do dia, mas o peso do que ouvi continua me perseguindo. À tarde, descanso um pouco, mas minha mente está longe, vagando pelos labirintos da dúvida.Agora, oito horas da noite, estou deitada na cama, mas o sono não vem. A porta se abre lentamente, e Raed entra. Quando me vê, um sorriso tímido tenta brotar em seus lábios, mas a dor em seus olhos é inegável. Seu semblante, geralmente confiante, agora está carregado de cansaço e preocupação. Ele parece mais velho, a tristeza do momento visível em sua face.Levanto-me da cama imediatamente, e ele me abraça com força, como se meu abraço fosse a única coisa capaz de ancorá-lo. Ele repousa o queixo sobre minha cabeça, e, por um longo momento, ficamos assim, em silêncio, como se o tempo tivesse parado para que pudéssemos nos reconectar.— E seu pai? — pergunto, minha voz suave.Ele solta um suspiro profundo.— Vai passar por uma operação delicada. Terá que colocar pontes de safena.— Sinto muito. Posso ajudar e
Dois dias se passaram, e a operação do Sheik foi um sucesso. Mas mal tive tempo de me alegrar com a notícia. Raed tem se dividido entre o trabalho e as visitas ao hospital, e apesar de sua recuperação, ele ainda não está consciente. Ele diz que está melhorando, mas a dúvida sobre como ele reagirá ao despertar, especialmente em relação a Raed, me corrói. Será que a experiência de quase morte dele amenizará o peso da culpa que sempre carregou sobre os ombros do filho? Ou será que ele vai reforçar os sentimentos de rejeição e acusação, tornando tudo ainda mais insuportável para Raed?Essas perguntas ficam me rondando, tornando a espera ainda mais angustiante. Agora, estou sentada na cama, imersa em pensamentos, tentando dar sentido ao que estou vivendo. O tempo passa de forma quase opressiva, e a ociosidade começa a me consumir. Sem um emprego, sem estudos, e com um futuro que se torna cada vez mais incerto, tudo o que consigo fazer é esperar que as coisas melhorem. No entanto, minha ans
A noite foi terrível. Não consegui dormir direito. Passei as horas observando Raed dormindo. Acho lindo a forma como ele segura o travesseiro. Fico reparando em suas pestanas e como elas são perfeitas, compridas. A luz do luar banhando o corpo dele, revelando seus braços fortes e poderosos, suas costas largas, musculosas.Quando eu estou quase pegando no sono, ele se mexe e seus braços me procuraram para um abraço. Aconchegada a eles eu fecho os olhos e finalmente consigo dormir.Acordo dez para às oito. Raed ainda dorme. Os minutos passam. Aos poucos Raed começa a abrir os olhos e logo eles procuram meus olhos.—Sabāha l-ḫair (Bom dia). —Eu digo, com um leve sorriso.Raed me dá um sorriso fraco e me puxa para os seus braços.— Sabāha l-ḫair. Allah! Como eu dormi!Ele me afasta e me olha.—Sim, desde ontem à tarde. —Digo.—E você? Deitou cedo ontem? Você parece abatida.Eu enceno um sorriso.—Demorei para pegar no sono. Depois que você dormiu, fui até a sala de música e brinquei de to
Pensei em várias possibilidades de senha, tentando conectar datas importantes ou combinações óbvias. Desisti por ora e fui para a sala de jantar, onde Hamira apareceu.— Quer mais alguma coisa?— Não, obrigada. Quando Raed ligar, quero falar com ele.— Está certo.De volta ao quarto, comecei a arrumar uma bolsa com roupas leves. Precisava ser prática. Estava finalizando quando Hamira bateu à porta.— O príncipe.Peguei o telefone na sala, sabendo que ele mantinha o aparelho longe de mim como um lembrete de minha falta de liberdade.— Raed?— Consegui marcar sua consulta para hoje à tarde, às 13 horas. Já falei com Hamira, e ela irá com você — informou Raed, com sua habitual voz firme e calma.— Raed, eu preciso de algumas coisas. Preciso de dinheiro — interrompi, tentando soar neutra.Do outro lado da linha, o silêncio foi palpável. Eu sabia que havia mexido em um terreno delicado.— O que você precisa? Eu mando comprar para você — ele respondeu, com um tom levemente defensivo.Era ex
RaedDepois do telefonema de Hamira volto para casa como um louco. Dirigindo pelas ruas como se tivesse participando de um racha com alguém. Estaciono meu carro e salto dele o deixando com a porta aberta. Ofegante, entro no palácio. Hamira já me espera, ela sentiu como eu estava nervoso ao telefone quando ela me ligou dizendo que Isabella tinha sumido.—Por Allah! Hamira. Explique-me isso direito. —Esbravejo. — Como Isabella foi embora? Como?Ela chora.—Depois do procedimento, ela simplesmente me deu um beijo e saiu. Eu fiquei aturdida olhando ela ir embora, sem entender seu gesto. —Então vocês chegaram a ir ao médico?—Sim. —Hamira me olha ofegante. —Ela perdeu o bebê.Eu estremeço.—Como assim, ela perdeu o bebê? Se ela tivesse perdido, nós saberíamos, não saberíamos?Hamira aperta as mãos em aflição.—Nem sempre. Ela pode ter perdido o bebê e não ter falado nada. A ultrassom revelou que havia tecidos placentários apenas. Eu até me admirei com a atitude dela, era como se ela já e
PrólogoTrabalhar para a realeza já é, por si só, uma tarefa árdua. Agora, trabalhar para uma realeza árabe? Multiplique isso por dez. Desde o início, tive que assumir uma postura séria, controlar sorrisos e me adaptar às rígidas regras de conduta. Meu chefe é um Sheik, e estou neste emprego há apenas seis meses.Na cultura ocidental, a palavra "sheik" remete a status social, riqueza, fama e poder. Mas essa visão é apenas a ponta do iceberg. Ser Sheik é ocupar uma posição de respeito e destaque, algo muito mais profundo.O título é reservado aos chefes de famílias árabes, clãs ou tribos, geralmente seguidores fervorosos de Maomé. Em sua essência, o título de Sheik é passado de pai para filho em sociedades patriarcais. No caso de Youssef, ele é líder de uma aldeia árabe. Forte, generoso, devoto em ajudar os pobres – mas, também, incrivelmente machista. Isso explica meu atual guarda-roupa: roupas sóbrias, tons escuros, coberturas completas.Tenho 22 anos e fui contratada como intérprete
— Como assim?Minha voz sai trêmula, e o peso daquelas palavras de Raed parece esmagar o ar ao meu redor.— Isabela, você não é o tipo de garota que meu pai sonha para o meu irmão. Quando ele souber que Zein está interessado em uma humilde assistente, ele irá contra esse relacionamento. E Zein não vai aguentar a pressão. A corda sempre arrebenta do lado mais fraco: o seu.Sinto um calor subir pelo meu rosto, uma mistura de indignação e desconforto.— Você está enganado. Zein...— Zein é um fraco — Raed me interrompe, a voz cortante como uma lâmina. — Depende de meu pai para tudo. Ele não faz nada sem a orientação dele. Eu até me surpreendi quando ele falou de você.Tento segurar o que restou da minha compostura. Meu coração martela no peito enquanto me levanto abruptamente do sofá.— Bem, obrigada por vossa preocupação.Raed se levanta também, um movimento calculado, mas firme.— Por favor, não me leve a mal. Mas, quando ele me contou tudo, senti a necessidade de avisá-la.Eu o encaro
Meu coração dá um salto de esperança com a palavra "solução", mas logo a realidade me atinge como um balde de água fria. Raed nunca faz nada sem um motivo oculto.— Você me ajudará a fugir? — pergunto, minha voz carregada de uma esperança tola, quase infantil.Raed ri, e o som me desconcerta. Seu rosto se suaviza por um instante, e ele parece ainda mais charmoso. No entanto, há algo na maneira como ele ri que me faz sentir pequena, tola. Sinto uma pressão crescente na cabeça, enquanto tento adivinhar qual será sua resposta.— Não. Claro que não!Minha esperança se despedaça, e aperto os lábios para conter a frustração.— Se não vai me ajudar a sair daqui, o que você tem a propor? — pergunto, tentando manter a voz firme.Ele me encara por um momento, os olhos sérios, como se estivesse pesando cada palavra antes de proferi-la.— Você se casará comigo e, assim, poderá ser a mãe legítima de seu filho.Fico estupefata.— Mas eu sou a mãe! — exclamo, incapaz de esconder minha incredulidade.