Anton
Nik assente, seu olhar voltando para o executor desmaiado na cadeira.
— Já tirei tudo dele, quer fazer as honras ou deixa comigo? — ele me pergunta, retirando a sua faca de estimação, uma peça de coleção pavorosa, com o cabo branco, cheio de detalhes em dourado, girando em sua mão. Faço um sinal de despensa com a mão e ele entende. Nik pega um copo de agua no banheiro e quando volta, j**a com tudo na cara do executor, que mal consegue abrir os olhos inchados. Há uma sequencia de lamúrias e palavrões, enquanto o homem tenta entender onde está, o medo prevalecendo quando ele mira Nik, a faca ansiosa girando em sua mão, de novo e de novo. Nik tem complexo de diva e acredito que ele adore essa parte. — Por Favor... — O homem pede e eu perco o interesse nele de imediato. Já sei de cor o que acontecerá daqui para frente... Enquanto os sons gorgolejantes soam a minha frente, eu pego celular que pisca com o sinal de mensagens não vistas. As duas primeiras, eu ignoro, pois sei de quem se trata e não quero ter de lidar com ele tão cedo, mas as duas últimas me chamam atenção. O meu investigador pessoal, aquele que cuida dos assuntos mais discretos, que mandei verificar os dados de Eva, mandou diversos relatórios. “Vinte e cinco anos, solteira, nenhum parentesco verificado, nenhum histórico policial. Se mudou da Itália a alguns anos e com a formação que tinha, foi se transferindo de emprego a emprego, até finalmente parar no lar para idosos de alto nível. Não identificamos nenhum relacionamento amoroso ou qualquer rede social ativa. O amigo do hospital, quem lhe fez a indicação do emprego, tem feito ligações e mandado mensagens para o número dela, então considero inteligente dar uma desculpa para o desaparecimento dela com urgência e evitar o envolvimento da polícia local nisso. Nota-se que a falta de informações sobre ela, deve ser levada em conta e exige cautela. Estarei em busca de mais informações.” Leio e releio o e-mail, sentindo bem no fundo da minha mente, aquela desconfiança crua tomar conta. Tem algo aí, algo nessa mulher que me cheira a problemas, mas que também me instiga a desvendá-la... de maneiras muito específicas. Percebo que Nik já terminou com o executor, o sangue em sua mão e expressão levemente satisfeita no rosto dele me causando certo cansaço. Nik e eu somos como cães que se acostumaram a caçar a própria comida. Não nos vemos satisfeitos até termos o nosso alvo entre os dentes, sentindo até o último suspiro. — Nik, providencie a transferência segura de Jakov essa noite e prepare nossa equipe de segurança para partimos amanhã. — Declaro, chamando a atenção dele. — Estamos indo para casa, então. E a garota? — ele me pergunta, guardando a faca. Penso com calma na mulher com curvas deliciosas e olhos felinos quase dourados, os cílios espessos que batem frenéticos quando ela parece apreensiva. Ela é um desassossego para minha sanidade e com toda certeza isso é um erro. — Ela vai conosco. — digo, mesmo contrariando cada orientação desconfiada do meu cérebro. Os olhos de Eva se desviam para a comida a sua frente como se ela estivesse prestes a vomitar. Tem cerca de meia hora que cheguei aqui e mandei trazer o jantar, mas a mulher parece ficar verde a cada piscada. — Pensei que gostaria, considerando o que descobrimos em seu apartamento. — Provoco, vendo o medo brilhar no olhar dela, assim como uma boa dose de irritação. Ela é como um lobo vestido em pele de cordeiro... e começo a achar muito divertido instigar esse lobo a se mostrar. Pego o hamburguer, tendo tido o cuidado de comprar na mesma empresa que vimos as embalagens em seu apartamento. — Você não está me deixando ir, está? — ela pergunta, parecendo miserável. Tomo o meu tempo, dando uma grande mordida no hamburguer, sentindo gosto deveras sem graça e engolindo com calma. — Na verdade estamos de partida amanhã. — Informo, prestando muita atenção na forma como ela encrespa os lábios cheios em uma expressão desgostosa. — Rússia? — ela indaga, em um fio de voz. — Sim, você vai gostar, estamos em temporada de inverno. — digo, talvez saboreando um pouco demais de seu desespero. — Eu não vou gostar, porra! — ela estala, do jeito que eu esperava, a mão batendo com força na mesa, os talheres saltitando com o movimento brusco — Eu. Quero. Ir. Embora. Imperturbável com sua óbvia falta de controle, eu pego o copo de refrigerante, bebendo devagar, meus olhos não se desviando dela em nenhum momento. — Eu não te conheço, mas começo a supor que é uma mulher inteligente... e essa... — indico sua postura ante a mesa e os talheres revirados — Essa não é a atitude mais inteligente aqui. Eva pisca e eu quase posso ver o momento que ela guarda seu gênio forte em barras de aço, fingindo ser a garota dócil novamente. — Por favor... eu não tenho nada a te oferecer. — ela murmura e eu quase acredito na nota de choro em seu timbre. — Eu poderia discordar disso em muitos aspectos. — Digo, não disfarçando o meu olhar sedento nas curvas generosas dela. — Eu não sou algo que possa ser usado e depois jogado fora. — ela me diz, entredentes, sua irritação prevalecendo novamente. — Veremos. Agora seja uma garota boazinha e coma o seu jantar. — retruco, sabendo e gostando que a estou irritando. Isso pode ser mais divertido do que imaginei...EvaIsso não pode estar acontecendo. De novo, não.Levou muito tempo para me afastar desse tipo de gente, desse tipo de vida. Não posso estar sendo imersa nisso tão profundamente.Meu olhar se desvia para a senhora atarracada, porém com uma estrutura óssea larga o suficiente para que eu tenha certeza do motivo de ter sido escolhida para me ajudar a arrumar a mala. Uma única mala.Ela separa algumas peças de roupa, deixando-as ao lado da cama, depois fecha a mala pequena.Seu olhar escuro e firme se concentra em mim.— A senhora pode tomar banho e se trocar. Se precisar de ajuda com o cabelo, também posso providenciar. — Ela diz, sem sutileza alguma sobre o estado caótico dos meus fios.Olho para as roupas na cama, sentindo a vontade de tomar um banho me dominar, mas não gosto do tom de ordem na voz dela. Minha teimosia vence quando respondo:— Estou bem, obrigada.Há um silêncio pesado no quarto. A mulher me olha primeiro como se eu fosse um inseto irritante, mas, depois de alguns seg
EvaIsso vai ser mais difícil do que imaginei.Tento mover o ombro, mas o corpo do segurança gigante, que agora sei se chamar Brann, prensa todo o meu lado esquerdo contra o estofado do carro. O espaço é mínimo, sufocante. Olho para o outro homem, Nick, que mexe no celular com as sobrancelhas franzidas. Ele me dá uma distância considerável, mas não me iludo, cada movimento meu está sendo monitorado.O carro freia um pouco mais bruscamente, e aproveito o balanço para me afastar de Brann o mais discretamente possível. Encosto a cabeça no banco, tentando acalmar os pensamentos. Sair daquele quarto depois de dias foi um alívio, mas a euforia se dissipou rápido quando percebi que já era noite.O pouco que vi me mostrou uma mansão luxuosa, isolada em meio a uma área florestal densa. Um frio percorre minha espinha.Eu nem sei se ainda estou no Rio de Janeiro.Pelo retrovisor, vejo pelo menos três carros saindo conosco, mas uma sensação amarga me preenche ao notar que Anton não está entre nós
EvaAcordar de um sono induzido nunca é uma experiência gentil. Há sempre uma névoa espessa entre o inconsciente e a realidade, e no meu caso, essa transição parece sempre vir acompanhada de pânico e violência.As pernas são as primeiras a reagir, um tranco seco que choca meus pés contra uma superfície macia. O carpete sob mim absorve o impacto, mas não suaviza o desconforto. Em seguida, meu tronco se ergue com brutalidade, os braços se lançam para frente, e a bile amarga sobe pela minha garganta. O coração martela contra o peito, bombeando sangue em disparada para o cérebro, rápido o bastante para me manter consciente, mas não lúcida.O quarto está em penumbra. Uma lareira crepita à minha frente, lançando sombras dançantes nas paredes. O calor que emana dela é quase reconfortante, mas o medo lateja mais alto que qualquer sensação agradável.— Mas o que… — Tento articular algo, mas minha língua está pesada, os pensamentos desordenados, atropelando-se dentro da cabeça. E então percebo:
EvaExistem dias bons, dias ruins, dias péssimos e dias como hoje.Olho pela quarta vez como o senhor de idade, os cabelos alvos como os lençóis que cobrem a cama em que está deitado, está retirando o soro do braço. Estreito meus olhos, a minha paciência tendo uma luta boa com o dever, à medida que me aproximo.— Senhor Francis, esse já é o quarto que o senhor tira. — Repreendo, meu tom suave em nada equivalendo com a irritação que me domina.Ele me olha com uma expressão desgostosa, como se eu fosse a culpada de ele estar em seu terceiro ataque cardíaco.— Maria, eu já lhe avisei que eu estou bem. — Ele me diz, claro, mais uma vez não me reconhecendo.Eu já trabalhei na emergência, na pediatria e até na oncologia, mas para mim, não há nada mais desgastante do que trabalhar na geriatria.É cruel ver a mente das pessoas que já foram ativas se deteriorando pouco a pouco.Odeio isso.— Meu nome é Eva, senhor Francis. — Digo firme, vendo a confusão se espalhar em seu rosto — Vamos trocar
Eva“O líquido escarlate escorria por entre os meus dedos, algo que não vinha me incomodando em mais de seis anos nesse ramo, mais de seis anos a cargo da morte e do que ela poderia me proporcionar.Não fazia sentido estar tão abalada ao olhar para um rosto já sem vida, mas então, por qual motivo eu estava assim?Deixei o corpo já inerte cair no chão com um baque pesado, desviando o olhar, me recusando a encarar aquela vida ceifada. Meu erro. Como em uma piada do destino, o rosto ao qual meus olhos se depositaram foram os dele.Cottelo. Ele inclinou a cabeça, os olhos escuros me mirando com descrença, como se não acreditasse que no que estava vendo.— É isso, Eva? — ele me perguntou, um sorriso de escárnio lhe escapando, enquanto ele se aproximava — Depois de tanto tempo, de tanta pompa, o que vejo nesses seus lindos olhos é culpa? Em meu estado de completa desconexão, eu não reagi quando ele pegou em meus cabelos com força bruta e virou meu olhar para o rosto sem vida no chão.— Is
AntonMeu andar apressado tem dois motivos muito específicos. Um deles ficou no quarto constantemente vigiado e com uma tranca especial. A mulher de olhar manso e ambarino, é dona de um dos rostos mais sensuais que eu já vi e isso na minha longa fila de mulheres exuberantes, é uma coisa e tanto.E se fosse só isso...A forma como meu corpo reagiu a proximidade do dela, o desejo que me corroeu, chegou a ser constrangedor.... e como se não bastasse todo esse drama...ainda tem o fato bizarro que ela me salvou... ou quase isso.Eu não esperava ser rastreado nesse país. A informação de onde Jakov estaria sendo internado era confidencial, mas não o suficiente pelo visto.Era para ser uma temporada tranquila, um lugar tranquilo, mas me vi diante de uma pistola, completamente desarmado.Quando a enfermeira entrou no quarto, minha mente já estava listando as diversas coisas que eu ainda não tinha terminado, que eu ainda queria concluir antes de realmente morrer.Não foi surpresa, que a vinganç
EvaAbro meus olhos devagar, a dor em minha garganta quando tento engolir me fazendo lembrar aos poucos, os eventos desastrosos. Eu salvei aquele filho da mãe e ele me apagou? Minha indignação é pausada, quando percebo que o teto revestido em madeira e a escuridão em meu entorno em nada se parece com o hospital. Ele não faria... faria? Me levanto, uma tontura me levando, mas estabilizo, tentando achar o interruptor do abajur ao meu lado. — Acordou. — Ouço uma voz grave, como o puro veludo me dizer, o sotaque russo, me dando uma vaga ideia de quem se trata. A luz se espalha ao meu redor, me mostrando detalhes do quarto sofisticado, a cama macia com um dossel em estilo clássico, me lembrando muito do passado. — O que quer de mim? — indago, sentindo o nervosismo permear minhas palavras. — Saber quem é você, seria um bom começo. — Ele me devolve a pergunta, o tom monótono não combinando com o ardor que vejo em seu olhar. — Não há muito para saber, senhor. — Digo, ouvindo meu timb