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Capítulo 2 – Consciência

Eva

“O líquido escarlate escorria por entre os meus dedos, algo que não vinha me incomodando em mais de seis anos nesse ramo, mais de seis anos a cargo da morte e do que ela poderia me proporcionar.

Não fazia sentido estar tão abalada ao olhar para um rosto já sem vida, mas então, por qual motivo eu estava assim?

Deixei o corpo já inerte cair no chão com um baque pesado, desviando o olhar, me recusando a encarar aquela vida ceifada. Meu erro. Como em uma piada do destino, o rosto ao qual meus olhos se depositaram foram os dele.

Cottelo.

Ele inclinou a cabeça, os olhos escuros me mirando com descrença, como se não acreditasse que no que estava vendo.

— É isso, Eva? — ele me perguntou, um sorriso de escárnio lhe escapando, enquanto ele se aproximava — Depois de tanto tempo, de tanta pompa, o que vejo nesses seus lindos olhos é culpa?

Em meu estado de completa desconexão, eu não reagi quando ele pegou em meus cabelos com força bruta e virou meu olhar para o rosto sem vida no chão.

— Isso Eva, foi o que escolheu para si. Olhe bem o que nós fazemos, se esbalde nisso e não ouse desviar o olhar daqui para frente, pois essas vidas retiradas, merecem mais do que essa covardia inútil. — ele esbravejou, me empurrando com força.

Eu queria ir atrás dele, lhe socar pelo insulto, lhe mostrar que eu tinha mais a oferecer do que aquilo, mas a única coisa que fiz foi encarar aquele corpo, mirar o rosto jovem, talvez na casa dos quinze anos ainda.

Eu queria ser imune a aquela culpa, aquela sensação de que o garoto merecia mais, que ele devia ter uma mãe em algum lugar, uma irmã, um cachorro, qualquer ser vivo que o esperasse com expectativa e que se decepcionaria quando ele não aparecesse mais, que se remoeriam na dúvida até o resto dos seus dias.

Os pensamentos se revolviam em minha mente, me desnorteando, a bile subindo a minha garganta. Era como ser desnudada repentinamente e não ter forças ou vontade para se cobrir novamente.

Em meu mais íntimo pensamento, estava lá a certeza de que eu já vinha marinando esse sentimento a um tempo, que eu já pensava que a vida deveria ser mais do aquilo.

Ficar encarando aquele rosto jovem, aquele garoto que provavelmente poderia ter escolhido melhor as amizades ou a forma para se divertir, foi o primeiro passo que dei para longe daquela vida. Eu ainda não sabia naquele momento, mas em breve, eu teria o meu segundo passo e depois o terceiro, o definitivo, que me levara a prometer tentar ser alguém que nunca mais ignoraria a voz da minha consciência, aquela que sempre tentava me dizer para fazer o correto...”

O pequeno lapso de memória me custa mais do que seria viável, pois o homem com a pistola se vira, os olhos se fixando em meu rosto primeiro com surpresa e depois com resolução.

Eu conheço esse olhar. É o de alguém prestes a atirar.

Meu corpo segue a decisão tomada antes, aquela que a minha consciência exigiu.

Com uma destreza que pensei ter se perdido com os anos de televisão e guloseimas, eu me movo, minha mão dando um tranco na pistola dele, no mesmo instante que ele aperta o gatilho.

O estrondo fere os meus ouvidos, a irritação me corroendo com força.

Que espécie de executor ele é, se não consegue nem colocar a porra de um silenciador na arma?

Rangendo os dentes com o zumbido quase dolorido em meu ouvido, eu o desestabilizo com um chute na junção dos joelhos, meu cotovelo lhe atingindo a têmpora. Vejo o exato momento em que os olhos do homem rolam na face, seus membros amolecendo e ele caindo no chão.

Posso estar fora de forma, mas como dizia Bari, minha mão continua pesada como um torno.

Com meu peito subindo e descendo em descontrole, vejo o homem de olhos gelados se aproximar, me mirando com a expressão em branco. Percebo que ele me diz algo, mas com o disparo tendo sido efetuado bem próximo ao meu ouvido, o zumbido não me permite ouvir nada.

Ele continua falando, mas mesmo sendo facilmente um dos homens mais lindos que já vi, a complexidade do que acabei de fazer, vai me dominando, assim como o frio do medo.

Eu literalmente me sinto gelar.

Fiz tudo que não deveria fazer... Esse disparo com toda certeza foi ouvido. O cara viu o meu rosto. As autoridades serão notificadas. Eu chamei atenção quando o meu único trabalho era não fazer.... cacete.

Meu primeiro impulso é correr, mas a mão grande do homem de olhos azuis se prende ao meu braço com força, outro tipo de medo me cerceando agora.

Ele tinha um executor prestes a mata-lo. Seu nome russo e expressão apática diante da óbvia possibilidade de morrer quando entrei, podem ser um indicativo e tanto do ramo com o qual ele trabalha. Não seria novidade um deles vir a América do Sul em férias.

Ah não.

— Solte-me. — Exijo, mesmo que minha voz seja só um mero raspar.

Um interesse quase indecente se apodera do olhar dele, os cabelos escuros jogados com precisão para trás.

Ele exala intimidação e eu não vou ficar aqui para testar qual é a intenção dele.

Meu primeiro movimento deveria ser um chute bem entre as suas pernas, algo um pouco arcaico, mas que funciona bastante.

O homem parece ter sentido que eu agiria, pois com uma força insana eu sou virada, minhas costas sendo pressionadas em seu tronco rígido, um arrepio de medo me percorrendo.

Merda.

Os braços fortes dele se fecham em torno do meu pescoço e reconheço o golpe como um mata leão eficaz.

Merda. Merda. Merda.

Chuto-lhe o pé, na vã tentativa de fazer com que o aperto cada vez mais sufocante em meu pescoço diminua, mas a única coisa que consigo é me sentir uma mula tentando coicear.

Sinto o ar me escapar devagar, assim como o terror que me domina.

E se ele me matar? Em teoria eu lhe salvei a vida... ele não me mataria, certo?

A escuridão vai me convidando e eu cedo a ela, mesmo que que meu cérebro em pânico me mostre formas de sair desse golpe.

As respostas, infelizmente, só me vêm quando me vejo completamente inconsciente.

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