(Gideon)— Para que fizestes isso? Não precisamos de mais comida. — Cruzei os braços, chateado.Ouvi sua gargalhada enquanto ela vinha na minha direção. O vestido, antes cinza, agora estava com uma grande mancha vermelha se espalhando por sua saia, assim como o pequeno animal, que tinha sangue pingando da garganta cortada enquanto pendia de suas pernas.— Eu gosto de ouvir os lamentos antes da morte. Sabe disso. — disse maldosamente.— Isso é um desperdício de alimento. — resmunguei, caminhando ao seu lado quando ela me alcançou.Belle usava um casaco fino de lã e parecia nunca sentir o frio o suficiente para reclamar dele. Uma criança estranha aos olhos de todos. Eu era diferente. Odiava desperdício, e tinha a temperatura corporal mais alta que a dela. Belle era fria.— Além do mais, posso criar algo com a pele dele. — disse, alisando os pelos do cadáver.— Um gorro? — desacreditei de sua mente.— Algo assim.— Você tem que parar com isso. Assim, todos vão me apontar o dedo de novo.
(Gideon) Seu noivado era falado por todos. Uma jovem de família humilde havia se tornado noiva do rei. Belle, no entanto, deixava a notícia cada vez menos agradável aos olhos dos súditos de seu noivo. Ela começava a perder, aos poucos, a pose de donzela indefesa, já mostrando indícios de como seria se tivesse poder. — Você está deixando sua máscara cair antes do casamento? — toquei em seu braço quando ela passou pelo mesmo corredor que eu. Ela me encarou; parecia me evitar nos últimos dias. De repente, um sorriso surgiu nos seus lábios. — O que isso importa? Acha que perderei o cargo de rainha? — perguntou, colocando a mão sobre a minha, que segurava seu braço. Cheguei muito perto dela. Ela ainda tinha cheiro de angústia e dor, ao menos para mim. — Não está confiante demais? — indaguei, perto de seus cabelos. Agora eu era apenas um simples soldado para ela; não parecia que tínhamos um laço sanguíneo. — Ele jamais me deixará. Sou como uma rosa rara que desabrocha no gelo. — Se
(Esmen) Dias se passaram… Meu luto foi doloroso e longo, ainda sentia como se alguém estivesse esmagando minha alma, sufocando meu ser. Súbitos desejos de cair em lágrimas me moldaram cada vez mais. Não parecia ficar mais fácil, era o inverso, se tornava mais sufocante, justamente por não ter privacidade e nem confiança em ninguém além de Ernest. Mas não queria desmoronar na sua presença. Eu me sentia encurralada pelas paredes e por todos. Era tão desgastante me pressionar a não ceder à tristeza ou desejos ruins, que com o passar do tempo, comecei a acordar com as bochechas molhadas. Parecia chorar durante meus pesadelos. Para minha sorte, Tauron nunca estava ao meu lado na cama, ele sempre deixava o quarto antes do sol nascer, como se minha presença fosse a última coisa que ele desejasse ter por mais tempo que o necessário. Ambos pareciamos obrigados a nos aturar e conviver. Por mais que houvesse ficado um pouco menos complicado, talvez por meu luto e sua compreensão. Ainda sim
(Esmen) — Está. Não toque mais em mim! — ordenei. Ele ignorou minhas palavras e continuou seus pensamentos. — Eu venho observando você. Eu sei que anda muito por aqui e decidi que era melhor ficar por perto. Minhas narinas dilataram e minhas sobrancelhas franziram. Meu coração galopou. Ele queria me intimidar? “Eu estou sendo encurralada?” Eu estava com medo e meus passos recuando delatavam aquele sentimento. — Não se afaste. Eu quero protegê-la! — De quem? “Eu quero que alguém me proteja dele.” — Do rei. — ele disse, me fazendo parar perto de uma das colunas. “Estou confusa. O que Tauron poderia fazer? Isso é mentira dele?” — Não preciso de sua proteção contra nin… — me interrompeu. — Ele não a ama. Ele só a quer usar e machucar. “À mesma intenção você tem.” — Isso não importa. — Eu não sabia o que dizer. Só queria ele longe de mim, mas ele continuava se aproximando. — Importa. Importa para mim. Ao meu lado terá tudo que o ouro não compra. “O quê???” —
(Tauron) Fiz um movimento para descer do cavalo. Eles alertaram-se ainda mais. — Eu aconselho que, se não quiser problemas, permaneça em cima do seu animal. — disse outro. Um sorriso divertido repuxou os cantos dos meus lábios fechados. Saltei do cavalo, colocando a mão no cabo da espada, sem me sentir intimidado pela espada desembainhada de um deles. O cavalo que havia levado comigo, assim como todos do reino, era muito leal, não precisava ser amarrado em lugar algum. — Então você quer problemas. — o soldado da espada começou a abrir espaço entre ele e o amigo. Com a intenção de me intimidar no meio deles. — Quanto sabem sobre a morte de Muler? — minha pergunta soou ainda mais estranha para eles. — É um espião daquele rei? — questionou aquele que se aproximava. “Ele não faz ideia de quem eu sou.” sorri internamente. — Quero saber tudo sobre ela e o rei! — avisei. Querendo desdenhar por um homem como Vitorian ter uma coroa sobre a cabeça. Eu estava apenas acumulando ações des
(Tauron)Esmen sempre esteve destinada a me abalar, mas eu usaria aquilo a meu favor, ao contrário do que eles pensam.“Então eles estão de olho no meu reino.” Era provável que houvesse alguém observando por eles.De uma coisa eu tinha certeza: fosse pelo medo ou pela lealdade, nenhum dos meus homens seria um espião. “Vitorian deve sofrer mais do que sequer fiz Esmen pensar que sofreria. Ele vai se arrepender por ter vivido.” Jurei para mim mesmo. Aqueles homens me haviam revelado mais do que procurei. Isso era um trunfo. Mesmo assim, ainda estava com muita vontade de matar alguém. — Quem de vocês quer viver? — perguntei apertando um pouco as pontas das espadas em suas gargantas.— Eu! — ambos falaram em uníssono.— Ótimo! Posso deixar apenas um vivo. — Vi ambos se entreolharem.— Não me olhem assim. — debochei, cheio de um desejo crescente de morte.— São ordens do rei sanguinário. — fingi ser apenas um homem de recado.— Faremos qualquer coisa para continuar vivos.— Eu tenho fam
(Tauron)Ernest bateu na porta com insistência. Permiti que ela entrasse acompanhada do médico. Dei lugar ao lado dela para o homem, que me reverenciou assim que chegou no cômodo.— Examine-a! — Não precisava de mais palavras; ele já estava ciente da condição dela pelos soldados.Fiquei esperando junto com Ernest, que se mostrava uma verdadeira amiga da rainha. Sua preocupação era maior que a minha. Diferente de mim, Ernest gostava de Esmen, preocupava-se com sua saúde e queria sua felicidade, muitas vezes desejando amor para sua vida. Eu, por outro lado, era indiferente à maior parte das coisas. Principalmente ao amor.Minha meta era descobrir, assim que ela acordasse, quem a havia atacado. Por isso, estava ali, observando o trabalho do médico.Minutos depois, o médico se endireitou, passando seu olhar para mim, e disse:— À primeira vista, nada parece errado. Ela não tem marcas visíveis, fora a lesão atrás da cabeça.— Isso não afetará sua saúde, certamente? — exigi esclarecimentos
(Esmen) O frio intenso parecia querer despedaçar o teto velho, feito de telhas de barro sobre nossas cabeças, pois vinha acompanhado de um vento forte, capaz de arrepiar qualquer corpo mal vestido. Busquei minha mãe pela pequena casa e a encontrei perto do fogão a lenha, onde havia uma panela completamente cheia de sopa, em sua última fase, quase pronta para ser servida. Seu corpo magro, como o meu, envolto em roupas surradas e finas, era aquecido pelo calor do fogo, ao qual ela se mantinha próxima, mexendo na sopa. O único casaco de pele quentinho que possuíamos estava sobre meus ombros. Eu o daria a ela quando se sentasse à pequena mesa junto comigo. Por hora, me aferrava a ele como se fosse a salvação da minha vida. Com o capuz cobrindo meus cabelos castanhos escuros, ainda sentia minhas bochechas queimando. O frio intenso passava pelas fissuras na madeira desgastada da porta estreita, soprando diretamente no meu rosto. Deixei apenas os olhos verdes, como esmeraldas, de fora