Parte 1...
Hoje amanheci um pouco lenta. Choveu a noite toda e eu tenho pavor de trovão. Me enfiei na cama e me encolhi bem no cantinho até que acabei dormindo.
Vou trabalhar sem muita vontade, mas eu preciso. Não posso me atrasar e nem quero. Gosto de chegar um pouco antes porque assim posso me organizar e me preparar para a chegada de meu chefe.
Luca Bertolini.
Meu Deus, o que ele tem de bonito, tem de ignorante. O homem tem um jeito rude de tratar as pessoas e acho que eu sou sua vítima preferida.
Trabalho para ele diretamente há dois anos, mas na empresa já estou há cinco anos. Gosto muito de trabalhar lá, só não curto muito ser secretária dele, mas o salário é muito bom.
A empresa me dá algumas vantagens, como plano de saúde, que cobre quase tudo e também tenho plano dentário. Eu até já usei por duas vezes, quando tive um problema em um dente e que me deixou presa em casa por quatro dias.
Pude descansar porque a empresa cobre esse tipo de situação. Sou muito agradecida ao meu emprego e aceito tudo o que vem de ruim com ele por causa da pessoa principal.
Gorete. A pessoa que eu considero minha mãe e que me estendeu a mão quando eu mais precisei. Se não fosse por ela eu talvez nem estivesse viva hoje.
A parte ruim do emprego é tolerar o mau humor de meu chefe, mas o salário que eu recebo compensa.
Na verdade, se tudo estivesse correndo bem, eu nem mesmo precisaria morar aqui onde moro hoje. Nós já tivemos uma casa. Era pequena, mas era bonita, organizada e limpa.
Hoje eu moro de aluguel em um cômodo apenas, com um pequeno banheiro. O bairro é longe, não é bom, mas foi o que eu pude pagar. Espero que um dia eu possa trazer Gorete para morar comigo de novo e aí sim, vou procurar um local melhor para morar.
Por ela que eu suporto as piadinhas, as grosserias e até gritos de meu chefe. Se eu perder essa vaga de secretária dele ou até mesmo sair da empresa, vai ser muito difícil.
Eu estou acostumada a viver em situações complicadas, mas é muito estressante e às vezes eu fico triste com isso, mas espero poder um dia descansar e não viver preocupada.
Olho pela janela. A rua lá embaixo está uma lamaceira só. Apesar de ter calçamento aqui no bairro, as ruas têm mais buracos que tudo. Com a chuva forte da noite já está tudo alagado. Suspiro.
Vou ter que sair de tênis e levar meus sapatos na bolsa. Deus me livre de meu chefe me ver usando tênis, ainda mais sujos de lama. É capaz dele me jogar pela janela abaixo.
Uma coisa boa também é ter um uniforme na empresa. Todo mundo tem que usar. O que muda é apenas a cor porque é separado por setores. O meu uniforme é azul escuro. Acho ótimo, me poupa ter que comprar roupas para ir trabalhar.
Eu tento economizar por todos os lados para guardar dinheiro para o tratamento de Gorete. Não é nada simples pagar a clínica onde ela está internada.
Preparo um café rápido. Ainda tenho pão de ontem. Depois na volta para casa eu passo na padaria e compro mais. Nos últimos tempos é o que tem de mais barato para comer.
Sei que estou magra, mas é que os preços dos alimentos subiu bastante e aqui perto não tem um supermercado grande, só pequenos pontos de mercearia onde posso comprar algo, mas aí fica tudo ainda mais caro. Uma vez por mês eu vou ao hipermercado que fica no caminho de volta. Desço do ônibus e faço umas compras para passar pelo menos quinze dias sem precisar reabastecer meu armário.
É bem cansativo porque volto carregando muito peso. Sempre levo três sacolas grandes para guardar tudo. Se estiver pesado demais, dependendo de meu cansaço, eu até pego um táxi, mas isso é raro porque penso no valor da corrida no final.
Hoje na volta eu compro o pão e trago algumas coisinhas também. Talvez mortadela e alguns pacotes de biscoito.
No final de semana farei uma listinha do que preciso repor na minha pequena despensa e vou ao hiper mercado.
Estou cansada, perto de meu período menstrual e minhas pernas incham um pouco, mas Deus me dá forças para continuar. Busco pensar positivo e poucas vezes me entrego.
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Depois de dar outra geral no espelho eu sigo para a sala. O relógio da parede do banheiro me diz que já são quase oito e meia.
Infelizmente, dessa vez não cheguei adiantada, ao contrário, me atrasei quase vinte minutos. Ainda bem que meu chefe não estava na sala ainda.
Entrei e peguei minha pasta com os papéis para olhar agora de manhã. Comecei a separar colocando os mais importantes e que estão marcados em cima da mesa.
— Aleluia!
Eu levei um susto tão grande. Não esperava ouvir meu chefe atrás de mim. Acabei derrubando os papéis no chão.
— Senhor Bertolini... Eu não esperava que estivesse aqui - disse meio sem jeito, ainda me tremendo pelo susto.
— E esperava quem? - ele ergueu a sobrancelha — O seu pai?
Parte 2...Nossa, que homem grosso. Logo de manhã e já dando coiçe. Respirei fundo. Preciso do empregro, não posso esquecer.— Não, senhor - dei um sorriso meio sem graça — É que não o vi chegar.— E iria ver como, se estava batendo perna por aí? - me encarou de modo feio — A santinha demorou a chegar hoje.Eu não suporto que ele me chame dessa forma, ainda mais que sei que é de modo irônico. Já tem uns seis meses que começou a me chamar assim.— Eu não estava batendo perna, estava no banheiro e...— Me poupe - ele ergueu a mão — Não quero saber o que você fazia. Pegue logo essa papelada espalhada e traga para mim o que tenho que assinar. Vê se não demora, lenta.Eu assenti com a cabeça, fazendo que sim, mas só Deus sabe como estou chateada com esse começo de manhã.— Leve meu café - ele disse e entrou na sala de novo.Respiro fundo. Me abaixei e catei logo tudo que estava espalhado. Na volta eu faço a separação novamente. Agora tenho que levar o café dele.** ** ** ** ** ** **Bati n
Parte 3...Volto apressada para a sala, tentando não derrubar nada pelo caminho. Bati na porta e quando o ouvi responder, abri quase deixando o pacote cair. Vi que ele fez uma cara feia.Dei um sorriso educado para Roberto que estava sentado em frente da mesa dele e deixei tudo em cima, arrumando perto do notebook.— Está bem assim - abanou a mão para mim como se estivesse espantando um animal.— O senhor vai querer algo mais?— Eu não sei - fez uma cara irônica — Se quiser eu a aviso. Saia!Eu fiz um gesto com a cabeça e saí o mais rápido que pude, nem olhei para trás. Credo, o homem é rude demais. Parece que vive aborrecido.* Luca— Que coisa, Luca... Você é muito grosseiro com a garota - Roberto comentou.— Ah... Eu não tenho paciência para ela.Abriu o pacote com a comida e olhei dentro, cheirando e fiz uma careta. Vai isso mesmo.— Pois deveria ter, ela é uma ótima pessoa. Além de ser sua secretária. Sabe que existe uma coisa chamada processo? - Roberto riu — Cuidado!— Ah, que
Parte 1...* CarinaEu estava encerrando o arquivo no notebook quando meu celular vibrou. Era Roberto. Ele disse que em dez minutos estaria no estacionamento me esperando.Agora a curiosidade me bateu um pouco. Mas só vou saber indo com ele. Luca já não está na empresa. Não sei o que pensar, vai ser a primeira vez que vou a sua casa. Só espero que ele seja um pouco mais educado lá do que ele é aqui na empresa.Dei uma geral para ver se não esqueci nada aberto, desliguei o notebook, peguei minha bolsa e mesmo nervosa, respirei fundo e segui para o estacionamento.Roberto me esperava dentro do carro. Bati no vidro e ele abriu a porta.— Oi - sentei meio sem jeito. Nunca peguei carona nenhuma — Podemos ir.— Ótimo - ele sorriu — Você é pontual.— Bom, não tinha outro lugar para ir, a não ser para casa - dei de ombro.— Uma coisa que gosto em você, Carina, é que você diz o que pensa.— Quando eu posso falar, né - dei uma risadinha — Às vezes é melhor ficar calada.— Eu sei - ele balançou
Parte 2...Para mim ele nem ofereceu, mas mandou que eu sentasse. Tinha um pequeno sofá perto da mesa grande de madeira e sentei, bem na ponta. Pensei que qualquer coisa eu poderia sair correndo pela porta.Roberto sentou em uma cadeira perto e ele sentou na mesa. Tomou um gole olhando para mim, o que me deixou sem jeito. Respirei fundo, apertando a bolsa no meu colo.— A senhorita santa bebe uísque?Fiquei surpresa que perguntou. Fiz que não com a cabeça.— Bom, então vai ser refrigerante mesmo.Ele foi até um frigobar e pegou uma latinha de guaraná, abriu e me entregou. Nossas mãos se tocaram e eu abaixei o olhar, agradecendo.— Posso começar? - Roberto perguntou.— Vai logo, homem - Luca ergueu o copo.— Bom... Fazendo um resumo da situação, vocês dois estão em uma situação delicada.Eu olhei para ele erguendo as sobrancelhas, esperando o que viria aí. Luca também mantinha a expressão curiosa.— Luca, você precisa de uma mulher que faça de conta que é sua esposa, assim pode receber
Parte 3...— Quanto tempo seria? - Luca questionou — Eu não quero ficar preso.— E por acaso eu quero? - mexi os ombros — Eu não tenho a menor vontade de passar mais tempo ao seu lado.Eu sei que não deveria estar soltando a língua assim, afinal, ele é meu chefe, mas é uma loucura isso. Estou tão nervosa que meu corpo até treme um pouco.— Ótimo - ele dá um sorriso cínico.— Gente, eu sei que é chato ter que fazer algo que não estava no seu plano, ainda mais assim, que envolve duas pessoas tão diferentes como vocês dois são.— É bem óbvio isso, amigo - ele anda até a porta grande de vidro e fica olhando para fora um instante, depois se vira — Mas acho que entendo o que você quer dizer - suspira fundo me olhando — Só não sei se isso pode dar certo como imagina.— Isso só depende de vocês dois - Roberto respondeu — A ideia é simples, embora um pouco complicada - ele meneou a cabeça — Só que dá para ser feito e no final vai ser vantajoso para ambos.Luca caminhou até nós e parou, encaran
Parte 1...Eu tenho quase certeza de que me fodi com essa ideia de Roberto. Nunca tive vontade de me casar, sei bem que casamentos são apenas uma desculpa para a sociedade.Eu posso ficar com quem quiser e não preciso me preocupar em justificar isso. E nem tenho que explicar meus motivos para terminar também, basta dizer acabou e pronto. Não tenho motivo para querer embarcar em algo que é só uma ilusão da sociedade. Meu pai foi meu maior exemplo. Ele nunca mais se casou depois que minha mãe o traiu e o abandonou. Passou anos deprimido.Eu não quero isso para mim. Prefiro minha vida de solteiro e se algum dia eu quiser ter um filho, é só arranjar uma barriga de aluguel e pronto, sem drama.Uma das vantagens de ter dinheiro sobrando é poder estar acima das escolhas comuns da sociedade. Eu ser solteiro até ficar mais velho me dá status e não sou discriminado como um homem comum, que é forçado a criar uma família ou vai perdendo o poder de escolha com o tempo.Eu até gosto das mulheres
Parte 2...Estou ansiosa pela conversa na casa de Luca. Agora tenho que aguardar essa proposta que Roberto disse ser boa para mim. Até minhas mãos tremem um pouco e ele não quis me dar mais nenhuma dica sobre esse plano, então só me resta aguardar.Gostaria de poder falar isso com a Gorete agora, mas infelizmente não é hora de ligar. ela já deve estar dormindo e eu espero que bem.Nos últimos dois meses ela vem tendo dificuldade para dormir e isso está tirando mais ainda sua energia. Para uma pessoa da idade dela não é bom ficar perdendo noites em claro e ainda mais quando se fica com a mente cheia de pensamentos conflitantes.Sinto meu corpo até um pouco elétrico. A ideia de fingir um relacionamento com meu chefe é até assustadora de certa forma. Luca é muito arrogante e tem uma língua que pode ser bem ferina quando ele quer atingir alguém.Mas se for algo que possa resolver meu principal problema, que é continuar cuidando bem de Gorete, talvez valha a pena eu fazer um sacrifício ass
Parte 3...— E você acha mesmo que ela vai poder me ajudar?— Eu penso que sim, se vocês conseguirem se acertar dentro desse plano que está tomando forma na minha cabeça. Acho que vai ser bom para ambos.Eu cocei a cabeça. Sei que Roberto é um bom amigo e que tem capacidade para me ajudar, seja lá no que for, mas sem entender bem o que é, fico um pouco receoso.— Tudo bem. Já que você é meu amigo e advogado, pense mais no meu lado do que no dela, certo?— Eu até poderia fazer isso, mas aí seria fora da ética de trabalho. Como sou um excelente advogado, vou pensar nos interesses de ambos os lados.— Você é um saco, sabia disso?— Eu sou seu amigo, isso sim - ele deu uma risadinha — Acho que no final, você vai até me agradecer pela ideia de juntar vocês dois. Assim não perde sua propriedade amada e ainda faz uma bondade.— E eu sou algum santo pra ficar fazendo bondade por aí? - estalei a língua — Eu só quero o que é meu de direito.— E se você fizer direito vai conseguir manter e sua p