Os dias se transformaram em semanas, e a realidade de que Afonso havia partido ainda era uma ferida aberta no coração de Melissa. Ela vagava pela mansão como uma sombra, cada cômodo repleto de lembranças que a assombravam. As risadas que um dia ecoaram entre as paredes agora se transformavam em um silêncio opressivo, e cada dia sem ele era uma luta constante.
Melissa não conseguia se conformar. A dor era insuportável, e a tristeza a envolvia como um manto pesado. Ela se sentia perdida, flutuando entre a neblina da ausência e a intensidade das memórias que a cercavam. As manhãs eram as mais difíceis, acordar sem a presença de Afonso ao seu lado parecia um pesadelo interminável. Ele não estava mais ali para compartilhar o café da manhã, para perguntar sobre os sonhos da noite anterior ou simplesmente para sorrir e fazer tudo parecer mais leve.
O olhar de seus filhos também a machucava. Matteo e Laura, inocentes e vulneráveis, sentiam a falta do pai de maneiras que ela não conseguia suportar. Melissa tentava ser forte por eles, mas a dor a fazia sentir-se uma impostora, como se a alegria tivesse sido arrancada de sua alma. Às vezes, ela se pegava observando os filhos brincando, as risadas deles se misturando com as lembranças de Afonso, e cada riso se tornava um lembrete agonizante de sua ausência.
A casa estava repleta de objetos que pertenciam a Afonso — a gravata que ele usava no dia do último almoço em família, o livro que deixara na mesa de cabeceira e que nunca seria terminado, o violão encostado no canto, que ele tocava para alegrar as noites. Melissa sentia uma necessidade quase compulsiva de manter tudo como estava, como se isso pudesse de alguma forma mantê-lo vivo em sua memória.
Ela começou a passar horas em seu escritório, cercada pelos documentos e fotos que Afonso deixara. Folheando álbuns, as lágrimas escorriam pelo seu rosto, enquanto ela relembrava os momentos que agora pareciam tão distantes. Às vezes, ela falava sozinha, sussurrando para as fotos, pedindo conselhos e desabafando suas inseguranças. Era como se, de alguma forma, isso a mantivesse conectada a ele, como se sua presença ainda estivesse ali, mesmo que apenas em espírito.
As noites eram particularmente solitárias. A cama, que costumava ser um refúgio acolhedor, agora era um espaço vasto e vazio, repleto de ecos da vida que tinham juntos. Melissa se enrolava em suas cobertas, sentindo a falta do calor de Afonso, das conversas noturnas que a faziam sentir-se segura e amada. O silêncio era ensurdecedor, e as paredes pareciam sussurrar seu nome, lembrando-a de tudo o que havia perdido.
À medida que os dias se arrastavam, Melissa percebeu que a tristeza estava começando a consumir não apenas seu coração, mas também sua capacidade de cuidar de si mesma e de sua família. As tarefas diárias pareciam insuportáveis, e, mesmo que tentasse ser uma mãe presente, havia momentos em que se sentia distante, como se estivesse observando a vida passar de fora.
Valentina e Aurora tentavam apoiar Melissa, mas havia uma barreira invisível entre elas, uma distância que Melissa não sabia como cruzar. As conversas se tornavam rápidas e superficiais, e ela sentia que não podia compartilhar a profundidade de sua dor. Era como se a tristeza a isolasse, mesmo cercada de amor e preocupação.
Certa noite, enquanto olhava pela janela, Melissa viu o céu estrelado e sentiu uma pontada de desespero. Onde Afonso estaria agora? Havia um vazio profundo em seu ser, uma falta que parecia insuportável. Ela desejava poder voltar no tempo, poder abraçá-lo uma última vez, dizer tudo o que não havia dito. O desespero a envolveu, e ela se permitiu chorar novamente, deixando as lágrimas escorrerem livremente.
Mas, no fundo, uma pequena voz sussurrava que precisava encontrar um caminho. Que, apesar da dor, Afonso teria querido que ela vivesse, que fosse feliz, mesmo que isso parecesse impossível.
Certo dia, enquanto estava submergida nas lembranças de Afonso, Melissa se sentou na mesa do escritório, cercada por fotos e documentos. O peso da saudade parecia ainda mais intenso naquele momento, e ela sentia que a única maneira de lidar com a dor era mergulhar nas memórias. Foi então que algo chamou sua atenção: um envelope amarelado, parcialmente escondido entre alguns papéis.
Intrigada, Melissa puxou o envelope e, ao examiná-lo, percebeu que nunca o havia visto antes. Com um misto de curiosidade e apreensão, decidiu abri-lo. Dentro, encontrou alguns exames de sua mãe, Aurora, e seu coração acelerou ao ver a data. Era da época em que a mãe havia sido diagnosticada com um câncer raro, um momento que havia gerado tanto medo e incerteza na família. Mas logo depois, eles descobriram que tudo não passava de um engano, e Aurora se recuperou, trazendo alívio e gratidão.
Por que esses exames estavam ali, agora? A pergunta ecoava na mente de Melissa enquanto ela continuava mexendo no envelope. A sensação de que algo estava errado crescia a cada segundo. Foi então que encontrou uma carta, seu papel amarrotado e amarelado, mas ainda legível.
Melissa desdobrou a carta e leu as palavras que pareciam pulsar com uma ameaça velada:
“Você não pode fugir do que fez. A verdade sempre vem à tona, e os laços que você tenta ignorar vão cobrar seu preço. Proteja sua família, pois eles estão em perigo. A única forma de escapar é enfrentando o que você teme.”
A respiração de Melissa ficou presa em sua garganta. A letra era familiar, mas o conteúdo era inquietante. O que quer que estivesse por trás daquelas palavras fazia seu coração disparar. A sensação de estar sendo observada, de que havia algo mais no meio da dor e da tragédia, começou a crescer dentro dela.
A mente de Melissa começou a correr. Seria Salvatore, o inimigo de Afonso, por trás daquilo? O homem que havia trazido tantas dores à sua família? Ou haveria mais, algo que ela ainda não entendia? A carta parecia indicar que havia segredos ocultos, camadas de um passado que ela precisava enfrentar.
Com mãos trêmulas, ela guardou a carta de volta no envelope, seu coração pesado com o peso da revelação. O que mais poderia estar escondido? Por que esses exames estavam aqui, e qual era a ligação entre eles e a ameaça contida na carta? Melissa sabia que precisava descobrir a verdade, não apenas para si, mas também para proteger Matteo e Laura. Eles eram a única luz em meio à escuridão que parecia se aproximar.
Determinada, Melissa abriu o envelope novamente, seu coração batendo acelerado. A primeira carta já havia sido suficiente para deixá-la inquieta, mas ao retirar um segundo papel, ela imediatamente sentiu uma onda de frio percorrer sua espinha. As palavras que encontrou a deixaram atônita:“Oi Afonso! Espero que esteja bem?... Ou melhor... Quero que se ferre!”A incredulidade tomou conta dela. Quem poderia ser tão cruel a ponto de desejar isso a alguém? Melissa segurou a carta com firmeza, tentando processar a revolta que borbulhava dentro de si. O que mais ela poderia encontrar ali?Ela continuou lendo, cada palavra a cortando como uma lâmina afiada:“Me senti tão bem quando descobri a verdade sobre seu casamento com esta desclassificada que poderia abrir um champanhe para comemorar. Estou aqui imaginando como ela reagiria se soubesse que você está por trás da doença da mãe dela.Enviei algumas cópias dos exames que você forjou para fingir que sua mãe estava doente. Isso foi apenas pa
— Eu não estou aqui para discutir sua satisfação pessoal — respondeu Melissa, tentando manter a voz estável. — Estou aqui para entender o que você sabe sobre a doença da minha mãe. E sobre as cartas que você enviou para Afonso.O sorriso de Cloé se alargou, e ela deu um passo à frente, com uma expressão que mesclava desprezo e curiosidade.— Ah, as cartas... — ela disse, como se estivesse saboreando cada palavra. — Você realmente acha que Afonso era um santo? Ele tinha seus segredos, e você sabe disso. Por que não olhar para a verdade ao invés de se prender à ilusão de que ele era perfeito?Melissa sentiu a raiva ferver dentro dela. Afonso havia cometido erros, sim, mas isso não justificava a crueldade de Cloé.— Ele não era perfeito, mas você não sabe nada sobre o que realmente aconteceu. Por que você se importa tanto com isso? O que você realmente quer?Cloé deu uma risada baixa, uma mistura de escárnio e divertimento.— O que eu quero? Eu quero ver você se afundar nessa dor. Porque
A noite envolvia a mansão em um manto de silêncio, apenas interrompido pelo leve sussurrar do vento que se infiltrava pelas frestas. Melissa sentou-se na beira da cama, as mãos sobre os joelhos, perdida em pensamentos. A luz fraca do abajur lançava sombras dançantes nas paredes, refletindo a confusão que se aglomerava em seu interior.Agora que Afonso estava morto, ela percebeu que sua vida havia se transformado em um emaranhado de mentiras e enganos. O que deveria ter sido um casamento baseado no amor se revelou um jogo cruel, uma conveniência que a aprisionara em suas próprias inseguranças. A dor da traição ainda ardia, mas havia um novo sentimento crescendo dentro dela — a necessidade de libertação.“É hora de deixar tudo isso para trás,” pensou Melissa, a determinação crescendo em seu coração. “Eu mereço uma nova chance.”Ela se levantou e começou a andar pelo quarto, como se cada passo a aproximasse de uma nova vida. O passado não poderia mais controlá-la; precisava ser deixado p
A manhã estava clara e ensolarada, refletindo o otimismo que Melissa sentia em seu coração. Após semanas de adaptação em sua nova casa, ela finalmente havia se candidatado a uma vaga como residente no hospital da cidade e, para sua alegria, fora chamada para uma entrevista. Era a oportunidade que precisava para recomeçar sua carreira e se reconectar com sua paixão pela medicina.Enquanto se arrumava, a ansiedade e a expectativa se misturavam. Olhando-se no espelho, ajustou o cabelo e vestiu uma blusa que sempre a fazia sentir-se confiante. “Você consegue, Melissa,” sussurrou para si mesma, tentando dissipar os nervos que a acompanhavam.Na sala, Matteo, seu filho mais velho, estava sentado com Laura e sua mãe, Aurora. Ele olhou para a mãe com um sorriso encorajador. “Boa sorte, mãe! Você vai arrasar!” Matteo sempre teve uma maneira de iluminar os momentos mais sombrios, e suas palavras trouxeram um calor ao coração de Melissa.Laura, com seu jeito curioso, perguntou: “Você vai ser dou
Na manhã seguinte, Melissa acordou com a luz suave do sol filtrando-se pelas cortinas. O sonho com Afonso ainda estava fresco em sua mente, trazendo uma mistura de conforto e saudade. Enquanto se espreguiçava, seu celular começou a tocar. Ela olhou rapidamente para a tela e viu que era o hospital regional.Com o coração acelerado, atendeu. “Alô?”“Bom dia, Melissa! Aqui é a Dra. Sofia, da comissão de seleção. Como você está?”“Bom dia, Dra. Sofia! Estou bem, obrigada. E você?”“Estou ótima! Estou ligando para informar que você foi aprovada para a vaga de residente. Parabéns!”Melissa ficou em silêncio por um momento, o coração pulando de alegria. “Sério? Eu… eu não posso acreditar!”“Sim, é verdade! Você teve um desempenho excepcional durante a entrevista. Estamos ansiosos para tê-la conosco.”“Obrigada! Isso significa muito para mim. É um sonho realizado!”“Ficamos felizes que você esteja tão empolgada. Você começará na próxima semana. Alguma dúvida?”“Não, acho que está tudo claro.
Cinco anos se passaram desde que Melissa começou a trabalhar no hospital. A vida havia mudado de maneira significativa, e ela se sentia mais forte e confiante a cada dia. Matteo estava prestes a completar 15 anos, um adolescente cheio de energia e sonhos, enquanto Laura, com 12 anos, se mostrava uma jovem sensível e criativa. O tempo passou, e com ele, Melissa aprendeu a equilibrar seu papel de mãe e profissional, sempre mantendo a memória de Afonso viva em seu coração.Nos últimos dois anos, Melissa também havia aceitado namorar Mike, seu colega de trabalho. Mike era atencioso e compreensivo, sempre a apoiando em seus desafios no hospital. O relacionamento deles trouxe um novo sopro de alegria à sua vida. Ele entendia as complexidades da rotina dela e estava disposto a fazer parte da família. Melissa apreciava sua presença, e, aos poucos, ele se tornou uma figura importante para Matteo e Laura também.Certa manhã, enquanto preparava o café da manhã, Melissa ouviu risadas vindas da sa
Melissa estava concentrada em seus afazeres diários no hospital quando recebeu uma solicitação de emergência. Um homem de cerca de 40 anos havia dado entrada com sintomas de confusão mental. Ela rapidamente se dirigiu ao quarto, pronta para examinar o paciente e entender o que estava acontecendo.Ao abrir a porta, no entanto, o mundo ao seu redor parou por um instante. O homem na cama tinha cabelos castanho-escuros e um olhar perdido que parecia tão familiar. Melissa sentiu um frio na barriga ao reconhecer aquele rosto. Era Afonso.“Afonso?” ela disse, a voz falhando enquanto o choque a envolvia. Ele olhou para ela, confuso, e tentou sorrir, mas a expressão não alcançou seus olhos. Aquele homem se parecia muito com Afonso, um pouco envelhecido, mas era ele, pensou Melissa. Contudo, o homem na cama não a reconhecia.“Desculpe… eu não…” ele começou, sua voz hesitante. “Quem é você?”A sensação de desespero cresceu dentro dela. “Sou Melissa, sua esposa. Estamos juntos há anos. Você… você
Ambas estavam avaliando a condição médica do paciente. Melissa, por ser especialista em neurologia, examinava minuciosamente o prontuário, em busca de qualquer evidência que comprovasse que aquele homem era Afonso. Com cada página que virava, sua esperança diminuía.Depois de duas horas de estudo intenso, ela começou a se convencer de que aquele homem não poderia ser Afonso. A documentação revelava detalhes sobre a vida de Giovani que a deixaram alarmada. Ele havia nascido com uma doença rara, uma condição que o havia submetido a diversas cirurgias ao longo dos anos. E, como se isso não bastasse, cinco anos atrás, ele havia passado por uma operação importante que alterou significativamente sua saúde.“Melissa,” disse a diretora, interrompendo seus pensamentos. “O que você está descobrindo?”Ela respirou fundo, segurando o prontuário com força. “Esse homem… ele não é Afonso. A história dele é completamente diferente. Ele passou por procedimentos que Afonso nunca enfrentou. O que me lev