O envelope repousa sobre o balcão da cozinha desde a noite passada. Requintado, com meu nome impresso com letras douradas em alto-relevo.
Reviro o convite na mão, um evento beneficente em nome de uma fundação privada de um dos círculos empresariais mais influentes do país. Seria uma noite perfeita de networking com figurões do mercado e outros nomes que, até meses atrás, eu teria feito questão de impressionar.
Mas agora tudo parece contaminado, e não tenho coragem de trazer ninguém para perto da nossa empresa, muito menos para dentro dela.
Encaro o relógio na parede, o evento começou quinze minutos atrás. Jogo tudo na lixeira, junto com embalagens de delivery e correspondências de propaganda.
Eu não achei que os hormônios da gravidez agissem tão cedo, mas tem sido um exercício e tanto tentar manter o controle das minhas próprias emoções.Quando notei que meu plano de despedida com Dante não daria certo, entrei em colapso, só o que conseguia fazer era chorar. Foram dias até me recuperar da frustração.E agora um envelope repousa sobre a mesa de jantar recém-adquirida. O brasão dos Vasconcellos estampado no canto superior esquerdo brilha sob a luz da manhã e meu coração martela no peito.Mesmo que eu esteja com a cabeça nas nuvens, ainda não estou ignorante a ponto de achar que esse convite é de Dante. O que só me deixa ainda mais angustiada, porque com certeza e
Nunca imaginei que ver essa casa sendo mobiliada pudesse me causar essa mistura de sentimentos. A entrada não é só mais um espaço vazio e caixas empilhadas. Há um vaso com flores frescas sobre a mesa de entrada e uma manta jogada casualmente sobre o sofá novo. Coisas pequenas e cotidianas, fazem parecer que alguém realmente vive aqui e que quer muito que o lugar se torne um lar.Pelo visto, Isabella está fazendo bom uso do cartão que dei para ela.Percebo alguns quadros nas paredes e me surpreendo a ver que entre eles, algumas fotos ocupam espaço. Fotos nossas, algumas antigas, outras atuais. Estou tão absorto pela visão que nem ouço seus passos, só me surpreendo quando ela diz:— Achei que alguém poderia m
Não é que eu não esteja nervosa, mas acho que eu não deveria estar tão calma.O salão parece diminuir quando Alberto se aproxima, com seu sorriso quase afável, estendendo a mão primeiro para Dante, que a aperta com relutância. Depois para mim, com seu toque seco, mas firme.— Isabella — ele diz. — Que prazer vê-la aqui. Eu temia que você estivesse… indisposta.Fecho a mão em punho disfarçadamente, só para conter a vontade de proteger meu ventre. Ele não pode estar falando disso. Ninguém sabe disso, eu não fui nem ao médico ainda, por medo de ele estar me investigando e descobrir, sei que isso seria um trunfo e tanto para ele me manipular. A música já se tornou ruído de fundo, misturado às vozes, taças tilintando e passos sobre o mármore. Tudo misturado numa coisa só, do tipo que mais atrapalha do que ajuda, embaralhando meus pensamentos e tirando minha concentração.Meu olhos percorrem o salão pela décima vez em menos de cinco minutos e nada de Isabella. Onde foi que ela se meteu?Reconheço o garçom que nos serviu logo que chegamos e arrisco perguntar se ele viu minha esposa. Ele responde que não, mas não sei se foi só por educação ou por não ter prestado atenção o suficiente em nós.Puxo o celular do bolso e mando uma mensagem, mas ela nem recebe. Tento ligar e cai direto na caixa postal. Meu peitoCapítulo 106 - Dante Vasconcellos
Assisti pacientemente, e angustiada, a pasta do “Conselho administrativo” ser acessada como se o computador tivesse vida própria. Vi documentos financeiros, mapas de fusão, processos em andamentos, e-mails trocados com advogados, termos comprometedores e palavras chaves suspeitas como: neutralizar oposição, obstrução de fiscalização ou estratégia de aquisição silenciosa, seja lá o que isso signifique.Tento filmar o que posso com meu celular, mas não há sinal nenhum aqui para que eu envie as provas para Maicon e Enzo, ou pelo menos suba os arquivos na nuvem.Meu sinal com certeza foi bloqueado manualmente, quanto mais tempo passo nessa sala, mais percebo que é a gaiola da armadilha perfeita. Não há nenhuma rota de fuga, a varanda, a
O cheiro de café requentado se mistura ao som do telefone tocando insistentemente no balcão de metal, as vozes falam todas ao mesmo tempo, formam um zunido constante e desconfortável, como se fosse um enxame de insetos.Meu celular vibra no bolso da calça, mas respiro fundo e ignoro tudo enquanto equilibro uma bandeja cheia de xícaras e pratos sujos.O café onde trabalho está lotado nesse fim de tarde e meu chefe, Olavo, um homem baixinho e rabugento, já está bufando impaciente atrás do balcão.— Isabella, se demorar mais um segundo, os clientes vão ter que comer os guardanapos! — resmunga, deslizando outro pedido na minha direção.Respiro fundo, conto mentalmente até três e forço um sorriso simpático.— Eles sabem que sua comida vale a pena esperar, chefe.Ele quase sorri com orgulho, mas deve ter algum código de conduta pessoal que o impeça de ser querido pelos funcionários, o mais perto que consigo de sua simpatia é ser ignorada. O que pode significar que não estou fazendo nada err
Odeio pensar que talvez Enzo esteja certo: estou ficando velho. Minhas ressacas estão se tornando cada vez mais insuportáveis.Aperto os olhos puxando as memórias da noite passada, mas tudo se embaralha. O despertador toca, mas o que me desperta é a mão quente e macia no meu peito.Espio para confirmar que trouxe duas mulheres para casa, e elas sorriem entre si, depois para mim, rastejando pela cama, cada uma cobrindo uma lateral do meu corpo. Tento alcançar o celular para desativar o toque irritante do alarme. Só quando meu dedo tateia a tela onde deveria estar o botão é que percebo que, na verdade, estou recebendo uma chamada.Alberto Vasconcellos só me liga para duas coisas: desejar parabéns e arrancar meu couro. Digamos que hoje não é meu aniversário…Dispenso as meninas, contornando a situação para não ter que citar o nome de nenhuma das duas, já que não lembro quais são. Bebo um litro inteiro de água e lavo o rosto na água fria da pia do banheiro.Abro as redes sociais e mergulh
Entro no apartamento sem me dar o trabalho de acender as luzes. A luz da TV na pequena sala de estar ilumina o rosto pálido e ossudo de meu pai. Seu olhar está fixo na tela, mas não de um jeito concentrado, só de um jeito… vazio.— Oi, pai. — Tento forçar uma simpatia na voz, uma falsa felicidade por estar de volta nesse muquifo apertado e mofado.Como se fosse uma recompensa chegar em casa e encontrar meu pai, que nem levantou do sofá o dia inteiro, porque é como se já fossem uma coisa só, fundidas num ranço de depressão e descaso.Sinto a culpa me consumir quando penso nisso e me repreendo mentalmente.— Você comeu alguma coisa? — pergunto, tirando os sapatos perto da porta e largando as sacolas do mercado em cima do pequeno balcão da cozinha.Nada.Solto um suspiro cansado, aprendi a me acostumar com seu silêncio. Quase não me lembro mais do homem forte que ele costumava ser, um líder nato. O que me sobrou foi um homem pálido, apático, uma versão desgastada do homem que eu admirava