- Filha? – a voz de minha mãe soou do outro lado e senti meu peito afundar. Que falta havia sentido de ouvir sua voz, mesmo que em um tempo mais curto do que das últimas vezes. Não consegui evitar que meus olhos se enchessem de lágrimas pela saudade de sentir seu abraço. Ainda me lembrava de como passávamos a tarde juntas sob a lareira enquanto ela lia e eu brincava.
- Oi, mãe. – a voz embargada não disfarçava a emoção.
- Olá, Paola. – dessa vez havia sido a voz grave de meu pai a se pronunciar. Minha situação só piorou após isso. Mesmo sendo o Capo, Enrico nunca deixava de demonstrar carinho e afeto a mim, mesmo que não fosse o comum entre os homens de nosso mundo.
- Hmm… Oi, pai. – menos caloroso, porém não intencional.
Embora o amasse tanto quanto amava minha mãe, o meu afastamento havia colocado uma distância entre nós, de alguma forma, eu o culpava por estar presa aqui. A decisão havia sido dele, meu pai havia escolhido me afastar.
Para me proteger, claro. Eu sabia, mas… ainda sim, parecia injusto e cruel.
- Meu amor… Estamos com tanta saudade. – eu sorri, mesmo que não pudessem ver.
- Eu também, mãe.
- Então acredito que ficará feliz em saber que vamos trazê-la de volta. – meu pai anunciou e eu travei. Incapaz de me lembrar de como puxava o ar para os meus pulmões.
Finalmente.
Não percebi de imediato, mas havia algo na maneira como minha avó se encostou na cadeira, parecendo se preparar, como alguém que esperava o pior. Aquele momento me fez voltar a realidade e cheguei a conclusão que para que eu voltasse, algo diferente havia acontecido e embora quisesse acreditar, a teoria de termos vencido a Tríade era, certamente, ilusório. Isso nunca acabaria.
- Ac... Aconteceu algo? – perguntei. Alguns segundos de silêncio e então foi meu pai quem respondeu. Eu os conhecia muito bem para saber que travavam uma batalha silenciosa de olhares.
- Apenas… Precisamos de você em casa. No momento é mais seguro ficar conosco. – minha mãe não parecia tão certa do que dizia, optei por perguntar a quem de fato responderia.
- Pai? – chamei, mas ele não respondeu.
- Por Deus, contem logo à ela. – minha avó se pronunciou, impaciente e irritada. – Não terão tempo de prepará-la psicologicamente da forma correta amanhã. – a encarei em silêncio, do outro lado da linha nenhum ruído também. Senti a ansiedade crescendo e meu estômago embrulhando com o desconhecido. A sensação de uma onda enorme estar vindo na sua direção, sem poder ser evitada. – Será melhor que ela se acostume à ideia o quanto antes, Isabella. – Simona se dirigiu diretamente à minha mãe, sabendo que era ela o maior motivo de meu pai ainda não ter sido direto.
- As coisas pioraram. – foi meu pai quem respondeu, mas ao fundo escutei o protesto de minha mãe em um respirar fundo e logo a imaginei negando com a cabeça, como fazia de costume. Felizmente isso não o impediu de continuar. – A guerra entre nós e a Tríade não está indo bem. Estamos perdendo, Paola. – escutei. Incapaz de dizer qualquer coisa, pois meu pai jamais compartilhava os acontecimentos em seus negócios conosco, muito menos comigo e para que isso estivesse mudando, então as coisas estavam indo realmente de mal a pior. O que tornava essa uma informação que uma hora ou outra chegaria a mim e esse era o único motivo de meu pai estar me contando agora. – Para que tenhamos uma chance e, principalmente, para garantir sua segurança, fomos forçados a tomar medidas extremas.
- Enrico! – Isabella soou a fundo e minha avó balançou a cabeça em desaprovação, não sabia se pela atitude de minha mãe ou pelo que quer que ele diria a seguir. Talvez, ambos.
- Alianças são necessárias nesses casos. – continuou ele, ignorando-a e como se fosse um estalo e minha mente, eu entendi aonde queria chegar.
- Não… – falei, sem pensar e incapaz de segurar as palavras de negação. – Papai… – o tom de súplica em minha voz demonstrava meu desespero. Eu já deveria esperar por isso.
- Fizemos um acordo com o líder da Yakuza… – Yakuza? A máfia japonesa?
Minha mente divagou, escutava o que meu pai dizia, mas não estava mais prestando atenção. Fechei meus olhos e uma lágrima solitária, indesejada e inútil caiu. Respirei fundo e tentei manter todo o controle que podia.
Um casamento.
Um maldito acordo.
E eu era o pagamento.
- Você estará segura, Paola. E terá mais liberdade do que pode ter agora. – liberdade? O que ele sabia sobre isso? – Ele é jovem. Tem praticamente a sua idade, poucos anos mais velho. – porque aquilo soou como se fosse razoável? Como se eu devesse agradecer por não estar sendo forçada a casar com um velho nojento.
Isso, na realidade, era o mínimo.
Eu deveria escolher com quem me casaria.
- Liberdade? – perguntei e minha avó, que divagava a encarar qualquer coisa atrás de mim, finalmente me olhou nos olhos.
Eu era amada e fui tratada muito melhor que muitas garotas no meu mundo, que eram invalidadas por sua própria família e, certamente, eu deveria agradecer de fato por isso, por ter realmente uma FAMÍLIA. Mas, por mais egoísta que fosse para eles, eu não estava agradecida.
O olhar de aviso de Simona não surtiu efeito, eu sabia bem o que eles queriam me dizer: ele é o Capo. Ainda que discorde é seu dever obedecer e não questionar.
Ah, foda-se!
- Liberdade… – repeti, o outro lado em silêncio absoluto e o gosto amargo da palavra refletiu em minha voz. – Eu terei que transar com ele por obrigação… Isso é liberdade para você, Pai?
Minha avó arregalou os olhos e ficou estática. Imaginei que pelo silêncio do outro lado, meus pais estavam igualmente surpresos, mas meu pai não demorou a se recompor.
- Eu sou o Capo, Paola. E ser minha filha não a isenta de seus deveres. As mulheres também têm seus papéis a cumprir nessa família. – sua voz soou firme e sem espaço para discussões, mas havia algo além que ele não conseguiu deixar oculto, era mágoa? – Isso é uma ordem.
Mais uma lágrima caiu quando respondi: – Entendido, chefe.
Não falei mais nada depois disso, apenas assenti sem me importar se ele poderia ver quando o meu Capo informou que eu partiria no dia seguinte pela manhã e que conheceria meu futuro marido no jantar.
Subi para meu quarto logo após o encerramento da ligação e chorei por toda a noite, adormeci sem sequer notar e quando voltei a abrir os olhos meu despertador estava tocando e era hora de fazer as malas e me despedir da fazenda que por tantos anos fora o meu lar.
Desligando o despertador, me levantei da cama sentindo o desânimo e para a minha surpresa, tudo que desejei foi que aquele fosse apenas mais um dia normal na fazenda. Passei a mão pelos meus longos fios de cabelo, encarei as pontas e percebi que precisava hidratá-los… Um pensamento fútil e aleatório, gostaria de que essa fosse a minha maior preocupação hoje. Coloquei um vestido de tecido leve e branco com estampa de flores azuis e sandálias, prendi o cabelo em um rabo de cavalo simples e encarei meu reflexo no espelho… Dezenove anos, em breve completaria vinte. Constatei que eu deveria de fato esperar por algo assim, estava começando a ficar velha demais se fosse comparar a idade com as moças que levavam a mesma vida se casavam. Ainda sim, não queria acreditar. Ao erguer os olhos observei brevemente pelo meu quarto, considerando que esta seria a última vez que estaria aqui e mesmo com tantas coisas à minha volta, foquei no objeto de quatro cores, o cubo mágico. Quadrado e compl
Ele se pôs à frente do carro, a porta por onde saiu fechada. Minha avó soluçava em silêncio, o medo que compartilhamos entorpecendo os pensamentos racionais e a incapacidade nos sufocando.- Como eu disse, eu só quero a garota. – Vi o portador da voz de anteriormente, sua voz chegava abafada pelo som até nós e ele tinha uma aparência asiática, sendo membro da maior organização criminosa da China, e usava um terno azul escuro, com uma camisa branca por baixo. Em uma das mãos também tinha uma arma e encarava meu avô como poucos homens que conheci eram capazes de fazer.- E sabe que não vou entregá-la tão facilmente, Lee. Estamos falando da minha neta. – o outro assentiu levemente, aparentando como se de fato compreendesse a dificuldade da situação e estranhamente o respeitasse por isso.- Entendo. Você carrega o fardo de proteger sua família, infelizmente não pude fazer isso pelo meu irmão. Acho que agora compreende o que quero dizer. Mas ninguém precisa morrer aqui... – meu avô riu e o
- Paola... – disse vovó, saindo do carro. – Por favor, volte para o carro! – eu tiinha absoluta certeza de que ela sabia que isso não poderia acabar de outra forma, mas Simona sempre foi uma mulher de fé. Porém, não achava que o Deus dela ou qualquer outro poderia evitar isso! Porque no fim, fomos nós que trouxemos essa consequência sobre nossa família no momento em que nossos antepassados decidiram se envolver no mundo do crime e nós continuamos a seguir seus passos.- Não tem como eu sair daqui sem que seja acompanhada por esses cavalheiros, vovó. – não omiti o desgosto e desdém na voz. – O senhor mesmo disse, não é? Meu avô me deu um breve olhar de esguelha e assentiu quase que imperceptivelmente. – É desnecessário que isso seja às custas de suas vidas. – ele não disse nada, não podia. Mas era orgulhoso demais e também uma questão de honra permitir que sua neta fosse sequestrada sob sua proteção sem reagir e eu sabia que a impotência provavelmente o estava corroendo por dentro.Dei
Observo Paola enquanto mostro à ela seu quarto temporário no navio, mantendo minha expressão inalterada. Ela está acorrentada à realidade de algo que não compreende e tenho minhas dúvidas se já conseguiu processar tudo. Seus olhos mostram medo, mas para mim é apenas um incômodo irrelevante que aprendi a ignorar, felizmente ou não, ela é necessária aqui.- O que acha que está passando pela cabeça da garota, além de estar com medo e provavelmente calculando todas as possibilidades de fugir? – Jun me pergunta em chinês, quando apareço na proa do navio, onde ele está encostado na grade, relaxado e com uma arma em seu coldre, o que é ótimo, considerando que eu queria mesmo falar com ele.- Você atirou no avô dela... – ele me encarou de volta e então olhou para o chão.- Sabe porquê fiz isso. – em seus olhos pude ver que não gostava nenhum pouco do que fora obrigado por meu pai a fazer.- O que ele lhe disse? – Jun respirou fundo com pesar, olhando ao redor antes de voltar para mim novament
Sozinho no corredor passei pela porta onde estava a garota e ao entrar em minha cabine tirei o terno, tirei as calças e me despi da cueca boxer para adentrar no chuveiro instalado ao canto do quarto, onde eu permiti que a água escorresse pelo corpo e relaxasse os músculos e ao fechar os olhos não pude encontrar nenhum pouco de paz, já que a imagem de Enrico Provenzano morrendo não saia da minha cabeça, e sua esposa gritando... Não que eu me comovesse com sua morte ou lamentar se como alguém que conheci, eu não podia dar vazão a qualquer empatia pela avó de Paola ou por ela própria, mas matar ou ver uma morte ao vivo e a cores não é o tipo de merda com que se possa acostumar, ainda que eu mesma tenha executado algumas.Naquele momento, o vapor d'água do chuveiro não era suficiente para dissipar a tensão que se acumulava em minha mente. Enquanto as gotas caíam, minha mente enfim começava a relaxar e por enfim poderia descansar um pouco, a maldita tarefa estava cumprida, eu a encontrei,
O som das ondas ecoa, misturando-se ao murmúrio do vento que acaricia o convés. Permaneço enclausurada na cabine interna, ele pediu que me servissem o jantar aqui mesmo, em meu refúgio diante do homem que me arrancou da minha vida. Lembro-me do rosto do meu avô, sua partida abrupta diante dos olhos, uma ferida dolorida que jamais permitiria que eu perdoasse Lee ou qualquer homem associado a sua maldita máfia.Eu o vi lá fora, limpo e ridiculamente intimidante até em suas roupas ridículas de dormir, sua presença imponente entre as sombras do navio. O ódio ferve em mim, uma chama que consome qualquer resquício de paz que eu poderia encontrar.Preferindo a solidão da cabine, mergulho nas memórias que o oceano sussurra. O passado se desenrola diante dos meus olhos, entrelaçando-se com o presente incerto. Enquanto a embarcação avança, minha mente está ancorada no passado, na imagem de meus pais me fazendo companhia, de minha avó feliz ao observar como seu filho me jogava para o alto antes
- Tentando fugir? – ouvi a voz masculina de Giang, alto o suficiente para atrair minha atenção. Os olhos dela se encontraram com os meus quando me aproximei. Devia admitir que era admirável, precisaria de muita coragem para cometer uma burrice daquelas.Em poucos passos, cheguei perto o suficiente para ver a tensão no rosto de Paola e o reflexo em seus olhos do medo que sentia.- Aonde pensa que vai, querida? – comentei, meu tom de voz transmitindo uma mistura de sarcasmo e ameaça. Eu podia sentir o olhar de Paola em mim, cheio de desconfiança e desafio.Era um jogo perigoso esse que estávamos jogando, e eu não pretendia deixá-la escapar tão facilmente. Meu pai desejava vingança, e eu estava disposto a alcançar meus próprios objetivos que, infelizmente para ela, a incluíam como peça crucial em tudo isso.Ela aprumou os ombros e ergueu o queixo, pude ver a determinação quando me olhou nos olhos novamente.- Pensei que você seria mais responsável quanto à vida de sua avó. – ela não resp
Sinto meu coração acelerar enquanto Jun me leva de volta para a cabine. Medo e raiva se entrelaçam dentro de mim, formando uma tempestade emocional que ameaça me consumir de frustração. Ele me guia para dentro e fecha a porta, voltando-se para mim.- Você não é muito inteligente, é? – disse ele, com um tom de ironia. Eu optei por não responder, mas não pude evitar revirar os olhos em resposta ao seu comentário ofensivo. Ele continuou com sua postura de indiferença. – Não banque a garota mimada comigo! Se você quer manter sua segurança, seria melhor fazer algo para garantir a benevolência do Lee.- Pouco me interessa a benevolência do seu querido Lee. – falei entredentes, transmitindo meu desdém e raiva. Jun se aproximou assumindo uma expressão séria.- Pense direito, Paola, se você quer manter sua virgindade ilesa, seria bom se começasse a colaborar. Caso contrário, você acabará se tornando um brinquedo sexual nas mãos desses homens que, provavelmente, estão loucos para foder uma buce