Ele se pôs à frente do carro, a porta por onde saiu fechada. Minha avó soluçava em silêncio, o medo que compartilhamos entorpecendo os pensamentos racionais e a incapacidade nos sufocando.
- Como eu disse, eu só quero a garota. – Vi o portador da voz de anteriormente, sua voz chegava abafada pelo som até nós e ele tinha uma aparência asiática, sendo membro da maior organização criminosa da China, e usava um terno azul escuro, com uma camisa branca por baixo. Em uma das mãos também tinha uma arma e encarava meu avô como poucos homens que conheci eram capazes de fazer.
- E sabe que não vou entregá-la tão facilmente, Lee. Estamos falando da minha neta. – o outro assentiu levemente, aparentando como se de fato compreendesse a dificuldade da situação e estranhamente o respeitasse por isso.
- Entendo. Você carrega o fardo de proteger sua família, infelizmente não pude fazer isso pelo meu irmão. Acho que agora compreende o que quero dizer. Mas ninguém precisa morrer aqui... – meu avô riu e o homem parou de falar, encarando-o com uma expressão de frieza em seu rosto.
- Sou o antigo Capo da Cosa Nostra. Não precisamos fazer nenhuma cena, Lee. Nós dois sabemos que jamais poderia me deixar sair vivo. – Um silêncio mortal se instalou e meu peito ameaçava sufocar com o pavor. – Ou não tem tanta sede de sangue quanto seu pai para vingar a morte de seu irmão? – mesmo de longe foi possível ver que o homem sequer vacilou ao ouvir a provocação.
Eu sabia o porquê da guerra entre nós e o porquê de eu ser o alvo. Meu pai havia assassinado o filho do líder da Tríade em um confronto e na máfia, mexer com um familiar de qualquer um, mas em especial do cabeça de toda a organização era como colocar um alvo enorme em suas costas, ao qual jamais seria capaz de se livrar pelo resto de sua vida, ou até que todos que têm sede de vingança estejam mortos.
- Posso garantir que meus atos não se tratam de vingança, mas não posso dizer o mesmo de meu pai. Bem, se é assim que deseja, podemos acabar logo com isso! – ele ergueu sua arma e imediatamente meu avô fez o mesmo.
Todos os outros homens ao redor apontaram para ele também, uma desvantagem absurda e carregada de pura injustiça.
Fiz a única coisa que eu sabia que poderia fazer para evitar a morte de meu avô e ignorando qualquer pensamento de medo e evitando pensar demais, abri a porta do carro e sai, meu avô já havia dito que eu seria levada de qualquer jeito, não precisava ser ao preço de sua vida.
- Paola! – minha avó me chamou e eu a ignorei, fechando a porta atrás de mim. Alguns olhos se moveram em minha direção, especialmente os do tal Lee. Ele não podia me ver por completo, apenas minha cabeça acima do carro.
O homem asiático ainda me encarava por cima do ombro de meu avô quando fez um movimento com uma das mãos e todos os outros abaixaram suas armas, exceto um, o homem que estava à direita do tal Lee. Tinha ombros largos e uma barba que fechava o maxilar, seus olhos não desviavam do antigo Capo, já o outro mantinha os olhos escuros em mim a cada passo que eu dava.
Meu avô não olhou para trás, mas eu sabia que ele provavelmente esperava por isso. Ele me conhecia bem até demais para se enganar em achar que eu ficaria quieta dentro do carro apenas esperando que me buscassem à força.
Ergui o queixo e caminhei ainda que com passos vacilantes para frente, mantendo o mínimo de dignidade que eu poderia ter. Meu avô ainda mantinha seus olhos fixos em seu inimigo quando parei a alguns metros ao seu lado.
- Se eu for com você... – comecei, tentando não deixar que a voz saísse tão tremida e hesitante. – Os deixará em paz? – com uma expressão neutra e impassível, ele acenou com a cabeça uma única vez e estendeu a mão em minha direção.
Como um convite...
Como se eu tivesse opção!
Continua...
- Paola... – disse vovó, saindo do carro. – Por favor, volte para o carro! – eu tiinha absoluta certeza de que ela sabia que isso não poderia acabar de outra forma, mas Simona sempre foi uma mulher de fé. Porém, não achava que o Deus dela ou qualquer outro poderia evitar isso! Porque no fim, fomos nós que trouxemos essa consequência sobre nossa família no momento em que nossos antepassados decidiram se envolver no mundo do crime e nós continuamos a seguir seus passos.- Não tem como eu sair daqui sem que seja acompanhada por esses cavalheiros, vovó. – não omiti o desgosto e desdém na voz. – O senhor mesmo disse, não é? Meu avô me deu um breve olhar de esguelha e assentiu quase que imperceptivelmente. – É desnecessário que isso seja às custas de suas vidas. – ele não disse nada, não podia. Mas era orgulhoso demais e também uma questão de honra permitir que sua neta fosse sequestrada sob sua proteção sem reagir e eu sabia que a impotência provavelmente o estava corroendo por dentro.Dei
Observo Paola enquanto mostro à ela seu quarto temporário no navio, mantendo minha expressão inalterada. Ela está acorrentada à realidade de algo que não compreende e tenho minhas dúvidas se já conseguiu processar tudo. Seus olhos mostram medo, mas para mim é apenas um incômodo irrelevante que aprendi a ignorar, felizmente ou não, ela é necessária aqui.- O que acha que está passando pela cabeça da garota, além de estar com medo e provavelmente calculando todas as possibilidades de fugir? – Jun me pergunta em chinês, quando apareço na proa do navio, onde ele está encostado na grade, relaxado e com uma arma em seu coldre, o que é ótimo, considerando que eu queria mesmo falar com ele.- Você atirou no avô dela... – ele me encarou de volta e então olhou para o chão.- Sabe porquê fiz isso. – em seus olhos pude ver que não gostava nenhum pouco do que fora obrigado por meu pai a fazer.- O que ele lhe disse? – Jun respirou fundo com pesar, olhando ao redor antes de voltar para mim novament
Sozinho no corredor passei pela porta onde estava a garota e ao entrar em minha cabine tirei o terno, tirei as calças e me despi da cueca boxer para adentrar no chuveiro instalado ao canto do quarto, onde eu permiti que a água escorresse pelo corpo e relaxasse os músculos e ao fechar os olhos não pude encontrar nenhum pouco de paz, já que a imagem de Enrico Provenzano morrendo não saia da minha cabeça, e sua esposa gritando... Não que eu me comovesse com sua morte ou lamentar se como alguém que conheci, eu não podia dar vazão a qualquer empatia pela avó de Paola ou por ela própria, mas matar ou ver uma morte ao vivo e a cores não é o tipo de merda com que se possa acostumar, ainda que eu mesma tenha executado algumas.Naquele momento, o vapor d'água do chuveiro não era suficiente para dissipar a tensão que se acumulava em minha mente. Enquanto as gotas caíam, minha mente enfim começava a relaxar e por enfim poderia descansar um pouco, a maldita tarefa estava cumprida, eu a encontrei,
O som das ondas ecoa, misturando-se ao murmúrio do vento que acaricia o convés. Permaneço enclausurada na cabine interna, ele pediu que me servissem o jantar aqui mesmo, em meu refúgio diante do homem que me arrancou da minha vida. Lembro-me do rosto do meu avô, sua partida abrupta diante dos olhos, uma ferida dolorida que jamais permitiria que eu perdoasse Lee ou qualquer homem associado a sua maldita máfia.Eu o vi lá fora, limpo e ridiculamente intimidante até em suas roupas ridículas de dormir, sua presença imponente entre as sombras do navio. O ódio ferve em mim, uma chama que consome qualquer resquício de paz que eu poderia encontrar.Preferindo a solidão da cabine, mergulho nas memórias que o oceano sussurra. O passado se desenrola diante dos meus olhos, entrelaçando-se com o presente incerto. Enquanto a embarcação avança, minha mente está ancorada no passado, na imagem de meus pais me fazendo companhia, de minha avó feliz ao observar como seu filho me jogava para o alto antes
- Tentando fugir? – ouvi a voz masculina de Giang, alto o suficiente para atrair minha atenção. Os olhos dela se encontraram com os meus quando me aproximei. Devia admitir que era admirável, precisaria de muita coragem para cometer uma burrice daquelas.Em poucos passos, cheguei perto o suficiente para ver a tensão no rosto de Paola e o reflexo em seus olhos do medo que sentia.- Aonde pensa que vai, querida? – comentei, meu tom de voz transmitindo uma mistura de sarcasmo e ameaça. Eu podia sentir o olhar de Paola em mim, cheio de desconfiança e desafio.Era um jogo perigoso esse que estávamos jogando, e eu não pretendia deixá-la escapar tão facilmente. Meu pai desejava vingança, e eu estava disposto a alcançar meus próprios objetivos que, infelizmente para ela, a incluíam como peça crucial em tudo isso.Ela aprumou os ombros e ergueu o queixo, pude ver a determinação quando me olhou nos olhos novamente.- Pensei que você seria mais responsável quanto à vida de sua avó. – ela não resp
Sinto meu coração acelerar enquanto Jun me leva de volta para a cabine. Medo e raiva se entrelaçam dentro de mim, formando uma tempestade emocional que ameaça me consumir de frustração. Ele me guia para dentro e fecha a porta, voltando-se para mim.- Você não é muito inteligente, é? – disse ele, com um tom de ironia. Eu optei por não responder, mas não pude evitar revirar os olhos em resposta ao seu comentário ofensivo. Ele continuou com sua postura de indiferença. – Não banque a garota mimada comigo! Se você quer manter sua segurança, seria melhor fazer algo para garantir a benevolência do Lee.- Pouco me interessa a benevolência do seu querido Lee. – falei entredentes, transmitindo meu desdém e raiva. Jun se aproximou assumindo uma expressão séria.- Pense direito, Paola, se você quer manter sua virgindade ilesa, seria bom se começasse a colaborar. Caso contrário, você acabará se tornando um brinquedo sexual nas mãos desses homens que, provavelmente, estão loucos para foder uma buce
"Você é igual ao seu pai! Terrivelmente teimosa."Lembrei a mim mesma das palavras de minha mãe. E decidi que encararia toda essa droga de cabeça erguida e faria o que tivesse que fazer para fugir.Cada palavra ofensiva proferida por Jun ecoa em minha mente, eu sabia que era verdade, era exatamente daquela forma que os homens aqui me veriam. A sensação de ter meu caráter e dignidade sendo ignoradas completamente é insuportável. A vontade de me rebelar, de lutar contra aqueles que tentam me subjugar, cresce quase indomável dentro de mim, mas eu não perderia o controle, manteria o resto de sanidade possível. O que considerava não ser muita, já que cheguei a conclusão que o líder da Yakuza não aceitaria uma mulher que não fosse mais virgem como sua esposa.E foi assim que eu percebi que poderia viver a minha vida sem ter que me casar caso voltasse para meus pais, também qualquer chance de ter um casamento iria por água abaixo, mas sem amor do que isso valeria?Há poucas horas atrás eu es
Estava cheio de pessoas, homens e mulheres em diferentes roupas e estilos, mas todos elegantes. Enquanto eu observava ao meu redor, meus olhos capturam toda a decoração do navio, uma bela decoração foi preparada para o Festival chamado de Barco-Dragão, Jun agora me explicava, enquanto me guiava em meio a multidão, o que era a tal celebração. A festa consistia em honrar a memória de Qu Yuan, um poeta e estadista chinês do século III a.C. Sua história era profundamente inspiradora.- Naqueles tempos antigos... – continuou Jun, de forma teatral. – Qu Yuan se preocupava profundamente com o destino de seu país. Ele era um fervoroso defensor de políticas justas e éticas, mas suas palavras de sabedoria muitas vezes caem em ouvidos surdos. Desapontado e desiludido, Qu Yuan se jogou no rio Miluo como um ato final de protesto contra a corrupção e injustiça. – ele ergueu uma das mãos no ar, encenando a grandiosidade do ato do personagem. – Assim, para honrar a memória de Qu Yuan, as pessoas come