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Capítulo 7 - Bem-vindos ao inferno

Sexta-feira, 13.

A alguns quilômetros do quinto dos infernos.

Caro pai,

Venho por meio desta carta dizer-lhe minhas últimas palavras mediante a situação que me foi imposta. Não tenho ideia de como agradecer-lhe por ter me mandado pra casa do caralho, localizada bem ao ladinho de onde você mora. Hoje posso dizer com orgulho que, em plenos 19 anos, caminhando para os 20, tive minha vida completamente arruinada, destruída, desgraçada, pela pessoa que um dia deveria ter agido como um pai. Como posso lhe agradecer por tudo o que fez por mim? Acho que minha gratidão não consegue expressar o que eu sinto, devido a sua fuga repentina, juntamente com sua responsabilidade paterna. Ainda fico maravilhada com a capacidade de um pai de m****r o filho maior de idade, que já responde por suas ações, pra porra de um lugar que eu não faço a menor ideia de qual seja, mas tenho certeza de que um resort ou um SPA não é. Gostaria de lhe perguntar uma última coisa: se eu fosse presa, o senhor seria capaz de ir em meu lugar, sendo meu responsável legal? Fiquei com essa pequena dúvida que vem me tirando as noites serenas e felizes que um dia pude ter. Como últimas palavras, gostaria de lhe dizer uma coisa: se você estivesse pegando fogo e eu tivesse um balde de água, tomaria até o último gole enquanto te assistisse queimar no fogo do inferno. Nada pessoal, claro. E mande lembranças ao titio. Aquele desgraçado que está tendo o prazer de nos levar pessoalmente ao encontro com a nossa morte. E diga-lhe que sua querida sobrinha mandou-lhe um beijo e um sincero desejo de que se fôda bonito.

Carinhosamente: Luiza

– Acha mesmo que alguém vai ler essa carta até o final? – perguntou Sebastian, que estava sentado ao meu lado no carro, esticando o pescoço ao máximo para ver melhor o que eu tinha escrito.

– Se vai ou não, não faz diferença. Só preciso de um jeito de ficar mais calma. – Respondi enquanto dobrava o papel.

– Falta muito pra chegarmos no... falta muito pra gente chegar? – ele perguntou ao pai.

– Não. Só mais uns dois quilômetros. – respondeu.

– Preciso mijar. – comentou.

– Isso é uma coisa que você pode guardar pra você. – falei.

– Não, não posso. Prefere que o carro fique com cheiro de urina?

– Faz o seguinte: abaixa o vidro da janela, põe o pinto pra fora, e mija. – falou Márcio. – Mas vê se mija pela outra janela. Não preciso ver seu pau pelo meu retrovisor. – O que ele quis dizer: vá fazer isso onde a Luiza está.

– Que seja.

Resumindo: ia sobrar pra mim. Sebastian teve o prazer de levantar a bunda de onde estava, ir para o meu lado da janela, abri-la, esmagar meus ossos, colocar o pinto pra fora e, mijar. Na minha frente!

– Ai, que nojo! – virei o roto e fechei os olhos para não ver aquela cena.

– Quando você chupar um vai deixar de pensar assim. – falou.

– Tenho certeza de que não será um torto e pequeno como o seu. – Respondi. Só de propósito, ele voltou pro seu lugar da forma mais dolorosa possível pra mim. Então passou aquela mão suja e cheia de bactérias no meu rosto.

– Como pode dizer isso se você não viu muitos nessa vida? Está querendo dizer que deu uma espiadinha? Tenho certeza que se eu deixasse você chupava com vontade.

– Vai se ferrar, Sebastian. Ainda tenho amor próprio, se você não sabe. O que aconteceu ontem não foi capaz de tirá-lo de mim.

– Aham, aham. – disse impaciente. Odiava quando ele não prestava atenção no que eu falava. Era a mesma coisa do que parecer uma maluca que fala sozinha.

O carro parou.

– Chegamos. – Avisou meu tio.

Pela janela vi uma porteira de madeira com uma placa que indicava o nome do local.

– Acampamento Carnificina? Espero que o nome não seja um reflexo das ações que são feitas aí dentro. – falei num tom de sarcasmo.

– Bom, um arco-íris e unicórnios não é o que vamos encontrar. – falou meu primo.

Tomamos coragem, pegamos nossas coisas e saímos do carro.

– Pense de novo. – falei ao ver aquela cena.

Na nossa frente existiam vários... pirulitos? Não pensem que encontramos doces, mas haviam vários adolescentes na faixa dos 15/16 anos com calças skinning coloridas, blusas com estampas coloridas, bonés e casacos coloridos e tudo o que fosse colorido.

– Que isso? Tão recrutando atores para o Power Rangers? – Sebastian falou.

– Bem-vindos a nova vida de vocês. – disse Márcio atrás de nós.

– O que vão fazer? Torturar até a morte? – perguntei. – Não digo isso de nós, mas vendo esse povo, acho que é o que eu faria.

– E com aquele povo ali? – Sebastian apontou para um canto onde havia tantas pessoas quanto na entrada do acampamento, de uma forma abrangente, pode-se dizer que eles eram os “não coloridos”.

– Vamos nos unir, fazer uma rebelião, matar a todos e fugir desse acampamento para vivermos como fugitivos. – Respondi.

– Ainda bem que não dependo das suas ideias.

– Prontos para ir? – o infeliz mor, vulgo pai do Sebastian, perguntou.

– Não. – Respondemos simultaneamente.

– Que bom! – sorriu de uma forma maligna.

Assim que passamos pela porteira minha primeira reação foi perguntar pra mim mesma: Cadê a cor? Tudo era tão... cinza. As pessoas normais adorariam, mas e aquelas crianças que pensavam ter vida social? Provavelmente iam entrar em desespero e acabar matando umas às outras. Aquilo parecia um exército. Haviam várias cabaninhas, tantas que nem consegui contar todas. Tinham um aspecto velho, eram numeradas e todas feitas de madeira. O local parecia ser grande, enorme... imenso!

E pra melhorar a situação parecia que éramos os campistas mais velhos dali. Todos nos olhavam como se fôssemos deuses. Fiquei me perguntando se tinha um piru na minha testa. As garotas olhavam pra Sebastian, fofocavam e davam risinhos, olhavam pra Sebastian, fofocavam, e mais risinhos. Revirei os olhos. Coitadas, iam ser desvirginadas antes mesmo que percebessem.

Paramos em frente a cabana 66. Márcio tirou um papel do bolso e olhou o número que nele estava escrito.

– É, essa é a cabana de vocês.

Isso é o quê? Indireta? Premonição? – falei.

– Estou indo embora. Arrumem suas coisas, troquem suas roupas pelo uniforme que está em cima da cama e estejam na porteira em 30 minutos. Essas foram as últimas instruções que me deram para que passasse a vocês. Boa sorte!

– Espera um minuto. A gente vai ficar na mesma cabana? – perguntei.

– Sim. Algum problema?

– Não fico debaixo do mesmo teto que esse indivíduo. – Protelei.

– Então você que se entenda com o capitão. – E virou as costas, indo embora.

Bufei. Resolveria esse problema logo. Se era com o capitão que eu precisava falar, com ele falaria. Entramos na cabana e a realidade que vi foi diferente da que imaginei. Pensei que veria um lugar acabado, com goteiras, partes do teto caindo, o chão podre, colchões mofados, mas na verdade tudo era ao contrário. Não tinha dúvidas de que aquela deveria ser a melhor cabana do acampamento todo. O que me fez estranhar...

– Porque estamos na melhor cabana desse acampamento se a intenção dos nossos pais é torturar a gente? – perguntou meu primo.

– Tirou as palavras da minha boca. Algo me diz que as pessoas não gostam muito dessa cabana. Deve ser superstição por causa do número. Devem achar que é assombrada, só pode. Eu não acredito que tenham pago pra ficarmos na melhor cabana daqui.

– Não mesmo. – Concordou. – Hã... Luiza?

– Oi.

– Não sei se você percebeu, mas só tem uma cama... e de solteiro.

– Você dorme no chão. – falei logo, jogando minhas malas em cima da cama.

– Ah, não ferra! Eu não durmo no chão de jeito nenhum! Não vou prejudicar minha coluna por causa de um capricho seu!

– Será que é por isso que colocaram a gente aqui?

– É. Por causa de uma cama. – falou cínico. Revirei os olhos.

Peguei a roupa que estava em cima da cama e desdobrei-a pra ver como era.

– Que isso? – ele perguntou.

– A roupa que temos que vestir. – Fiz cara de nojo.

– O que eles querem fazer? Esfregar o chão com a gente dentro dela?

– Não duvido muito...

– Eu não uso isso. Se minha mãe não manda em mim, não vai ser um capitão que vai m****r. – Sebastian disse pra mim.

O pior é que de certa forma ele estava certo. Decidi fazer o mesmo. Peguei meu celular e Sebastian seu ipod e saímos daquela cabana. Fomos pra porteira como meu tio havia falado e ficamos esperando o tal capitão chegar.

Sentamos num banco de madeira e enquanto a razão da minha desgraça ouvia suas músicas barulhentas, decidi jogar Pacman pra passar o tempo. Estava super concentrada quando senti uma baforada no meu ouvido.

– OOOi. Já te disseram que sexo bom só se faz com segurança?

Nem olhei pro indivíduo, só fiz que sim com a cabeça.

– Prazer, sou segurança.

– E esse é o meu dedo do meio. – mostrei-o, sem tirar os olhos do jogo. Se aquele corno me fizesse perder ia ver só.

– Tá, desculpa, desculpa. Meu nome é Carlos, – chegou mais perto do meu ouvido - mas pode me chamar de amante.

Pausei o jogo e finalmente olhei para ele.

– É sério mesmo que você vai ficar dando essas cantadas ridículas em mim? Até minha avó faz melhor!

– Desculpa... é que meu amigo queria saber se você quer ficar comigo.

– Sério é? Então manda seu amigo me procurar no inferno, e vê se acompanha ele.

– UAU, ela está nervosinha. Gosto de garotas mandonas. – Rosnou pra mim.

– Sebastian, – tirei os fones de seu ouvido – dá um jeito nele pra mim.

– E por que eu faria isso?

– Porque se esse garoto passar a me infernizar, sua vida também se tornará um inferno. E você sabe que eu posso fazer isso. – Ameacei.

– Ameba, sai daqui, sai. Tanta garota gostosa por aí e você escolhe logo a Luiza? Nossa, quanto mau gosto.

– O coração não escolhe a quem amar. – respondeu.

– Ah, mas dessa vez vai. Isso se ele quiser continuar batendo.

– Quem é você pra me ameaçar? – o tal Carlos se levantou.

– Alguém maior e mais forte que você. – Sebastian fez o mesmo. Foi então que reparei no garoto que estava me dando aquelas cantadas toscas.

Ele era moreno, parecia ter cabelo liso, mas colocava um litro de gel pra deixá-lo pra cima. Era muito magro, acho que se eu desse um soco ele voava. Não tinha uma altura muito boa, acho que meu primo era o dobro dele, e aparentava ter uns 13/14 anos.

– Ótimo, fui cantada por um pirralho que mal deve saber o que é beijar na boca! – falei após o garoto ir embora.

Sebastian apenas ria.

– É melhor você se acostumar, porque não sei se você percebeu, mas somos os mais velhos desse lugar. – disse colocando os fones novamente, encostando a cabeça no muro e fechando os olhos.

– É... percebi.

Voltei a jogar Pacman e uns 10 minutos depois um homem totalmente uniformizado como soldado apareceu e começou a chamar alguns nomes.

– Lidiane Almeida da Silva, Pedro Almeida da Silva, Eduardo Silva Domingues, Andressa Silva Domingues, Sebastian Bragança de Oliveira, Luiza Duarte Victorino, Bruna Ferreira dos Santos, Juliane Pereira dos Santos, Marcelo Silva e Silva e Karine Silva Alencar, por favor me acompanhem.

– Vem Sebastian, tão chamando a gente. – Cutuquei-o.

– Eu sei, eu ouvi todos os Silva sendo chamados. Não é à toa que dizem que Silva é igual barata.

– Nem todo mundo tinha Silva. – Tentei defendê-los.

– Santos não fica muito atrás não. Só a gente mesmo que salva.

– Idiota.

– Eu te elogio e você me chama de idiota? Por isso prefiro te xingar, assim você fala com razão.

Seguimos o soldado em silêncio até uma cabana maior, devia ser a do capitão. Eu estava nervosa, ainda não sabia exatamente qual era a intenção do meu pai e meu tio nos colocando naquele acampamento de pirulitos.

A cabana era bem maior por dentro do que eu pensava. As outras pessoas já estavam lá dentro quando chegamos, todos com o uniforme de pano de chão que queriam que usássemos. De frente pra eles, sentado em uma cadeira de couro, estava o possível capitão.

Admito que ele dava medo. Era musculoso, alto, grande, um verdadeiro brutamontes. Cabeça raspada, uniforme de capitão e cheio de medalhas distribuídas na região do peito. Paramos todos enfileirados um ao lado do outro, eu e meu primo ficamos na ponta, Sebastian à minha esquerda. Pra sair daquela cabana era um passo.

Assim que todos pararam, ele se levantou de sua cadeira, ficou de frente pra nós e começou a falar enquanto andava de um lado para o outro observando cada um.

– Provavelmente vocês não sabem o porquê de estarem aqui, então eu terei o prazer de dizer. Vocês estão aqui porque seus responsáveis não suportam mais as briguinhas e discussões infantis que vocês têm, e como último ato de esperança os trouxeram para cá.

– Pensei que aqui fosse um acampamento de reabilitação para pirulitos. – falei pra mim mesma. Sebastian ouviu.

– Pirulitos?

– Aquele povo colorido.

– Ah...

– Querem compartilhar alguma coisa conosco? – disse o capitão. Congelei na hora, meu primo não, e começou a falar.

– Na verdade, eu quero sim. Sou maior de idade e respondo pelos meus atos, então por que vim parar aqui? Por livre e espontânea vontade é que não foi.

O cara parou de frente para Sebastian e falou:

– Me desculpe, senhor, não sabíamos que era maior de idade. Pode ir... - Sebastian abriu um sorriso vitorioso. - ...isso se você conseguir, é claro. – Completou, fazendo com que o sorriso vitorioso se desfizesse em uma expressão de derrota.

– Como eu continuava dizendo, antes de ser interrompido, para sair desse acampamento vocês terão que mostrar que merecem e aprenderem a conviver em paz com todos. TODOS, sem exceções. – Olhou para nós. – Enquanto estão aqui, não ficarão parados, farão consultas com o nosso terapeuta de casais, o senhor Wilson. Farão gincanas, maratonas, limparão o acampamento, participarão de corridas.

– Aprenderão a usar armas, a matar os oficiais, brincar de médico. – Completei. O idiota riu e o capitão percebeu.

– Algum problema com os dois? – perguntou.

– Não, nenhum. É o crack fazendo efeito. O senhor até ficou mais bonito. – disse cínico.

– Onde foi parar o uniforme de vocês?

– No lixo, que é o lugar dele. – respondeu. – Aquilo é pra quê? É uma tentativa de fazer aquelas crianças coloridas se tornarem normais e maduras?

– Tão falando daqueles adolescentes coloridos na frente do acampamento?

– Sim. – Respondemos juntos.

E ele riu. E aquela risada me dava medo.

– Tolinhos, eles não são desse acampamento. O que um acampamento com o nome de Carnificina faria com aquelas... coisas?

– Hã... comê-las? – respondi.

Sorriu.

– Isso fizemos ano passado. – E continuou fazendo seu sermão. Sebastian olhou pra mim e falou de forma inaudível um “comê-las?“ que só consegui entender por prestar atenção nos seus movimentos labiais. Fiz uma cara de “fazer o quê?“ e voltamos a prestar atenção no que ele dizia. – ... devem ter percebido que as cabanas de vocês têm apenas uma cama de solteiro, isso é para que vocês aprendam a se dar bem nas piores situações. E caso algum dos soldados os vejam com marcas de agressão que não possam ser explicadas o companheiro de cabana é que pagará caro.

– Uma pergunta! – falei. O capitão revirou os olhos.

– O que é paty?

– Você me chamou de quê? – perguntei incrédula.

– Paty. – Sebastian começou a rir.

– Ô garoto, fica na sua antes que sobre pra você. – Ameacei.

– Ou você vai fazer o quê?

– Terminar o que tenho tentado fazer a muito tempo.

– Já disse que não vou transar com você Luiza! Mas que droga! Fica insistindo nisso! - ele gritou e todos começaram a comentar, ruborizei na hora, mas não ia deixar barato.

– A culpa não é minha se você não consegue me saciar! Se hoje eu sou uma frustrada sexual a culpa é sua que nunca deu conta do recado! Problema seu se você tem pau pequeno! – gritei também e os cochichos aumentaram ainda mais.

– Desculpa se meu pai não me fez com um pau tão grosso quanto o seu!

– Até nisso você perde pra mim, otário. - sorri.

– Vai se foder Luiza.

– O QUE VOCÊ DISSE SOLDADO?

– Não se mete que eu to falando com ela. – Sebastian disse pro capitão, que pegou-o pela gola da camisa e levantou-o alguns centímetros do chão. Pude sentir que ele pensou duas vezes antes de fazer alguma coisa, então colocou-o no chão novamente. Respirou fundo colocando o polegar e o médio nas têmporas e se pronunciou:

– Olha, eu não gosto de você – apontou pra mim, que instantaneamente coloquei a mão esquerda na cintura – e muito menos de você – apontou pra Sebastian, que colocou a mão nos bolsos – por isso darei um tratamento especial a vocês. – depois disso só ouviu um “clack”.

Olhei pra baixo e percebi que ele tinha acabado de colocar uma algema em meu braço esquerdo, me prendendo ao braço direito de Sebastian.

– Que porra é essa? Prisão? Pode tirando essa algema de mim! Me prenda ao capeta, mas não com ele! – gritei.

– Abaixe seu tom de voz antes de falar comigo, garota!

– Aqui pro seu tom de voz! – fiz um sinal de “foda-se” com as mãos. – Sebastian, dá pra me ajudar aqui? Fala pra ele que essa é uma ideia ridícula!

– Na verdade, eu gostei. Estou curioso pra saber o que vai acontecer com a gente algemado. – Fuzilei-o com os olhos.

– Os demais estão liberados, outras informações serão dadas pelos soldados e o terapeuta de vocês. Agora, vocês dois, teremos uma longa conversa...

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