Caminho Traçado - Uma babá na fazenda
Caminho Traçado - Uma babá na fazenda
Por: Célia Oliveira
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Já passavam das dezoito horas, quando minha mãe chegou de frente ao portão de casa gritando.

— Aurora, Aurora! — Apareci mais que depressa, ela carregava diversas sacolas em mãos. — Anda logo menina burra, não vê que está pesado?

Minha mãe estava com a cara de péssimo humor, como sempre, Sandro devia ter feito ou falado algo que não tenha gostado, e com certeza, no final de tudo, ela iria descontar em mim sua frustração.

— Estas são as compras do mês, arrume tudo no devido lugar, sabe que o Sandro odeia bagunça, e mais uma coisa! Não pegue nada sem permissão, quando tiver fome, me avisa que separo algo para você.

— Nossa, não posso pegar algo sozinha para comer em minha própria casa?

— Cala a boca, menina, ou quebro seus dentes, por conta dessas suas piadinhas. Sabe que aqui nestas compras não tem um centavo seu, você não ajuda em nada nesta casa.

— Quero trabalhar, mas acabo tendo que olhar a Alice para você.

De repente, só sinto um tapa no meio do rosto. As garras de minha mãe já estavam soltas.

— Você não, SENHORA! Acha que está falando com suas amiguinhas da rua? Estou cansada de sua desconsideração, eu sou sua mãe, se quiser viver aqui dentro desta casa, terá que aprender como se trata os mais velhos, e colocar esse rabinho entre as pernas.

— E para onde eu iria? — Falo entre o choro, já era o segundo tapa na cara que recebia na semana. — Só tenho a senhora neste mundo e mesmo assim, é como se não tivesse, depois que a senhora se juntou com o Sandro, só me maltrata e o pior, deixa-o fazer o mesmo!

Já fazia quatro anos que meu pai havia morrido, um ano após, minha mãe arrumou um novo namorado. Com dois meses já estavam morando juntos, pois ela havia engravidado da Alice, minha irmã a quem tomo conta para que eles trabalhem fora. Depois que nos mudamos para a casa dele, ele nunca mais foi com a minha cara. Não trocava palavras comigo, apenas quando iria reclamar de algo que sumiu da geladeira, ou me dar ordens para arrumar as coisas quando algo estava fora do lugar na casa. Minha mãe é cega por ele, de amor e de ciúmes, acho que por isso ela me trata assim.

Acho, não, tenho certeza, tanto que, quando é dia de folga dele, ela me põe para ficar fora de casa o dia inteiro e só posso voltar quando ela chega do trabalho.

— Está achando ruim? Se é ele que coloca tudo dentro desta casa, você deveria era ajoelhar todos os dias aos pés dele e agradecer. Agora, para esse seu showzinho, ou perderei o resto da paciência que tenho com você. Dê banho na Alice agora, pois sairemos.

— Para onde iremos?

— Você não, só nós, esqueceu de que a casa está uma bagunça? Aproveita que não estaremos por aqui e dá uma lavada no chão! — Era sempre assim, eles saíam um dia antes da folga do Sandro, nunca me levavam, e de brinde me faziam de gata-borralheira. — Não esquece que amanhã é dia de você sair, Sandro vai ficar olhando a Alice e você pode aproveitar o seu dia.

Ela falava em aproveitar o meu dia, mas, na verdade, ela não queria que eu ficasse em casa com ele sozinha. Ao invés de ter medo dele fazer algo comigo, ela tinha medo de eu dar em cima dele. Minha mãe não entendia, que, na verdade, eu tinha era nojo, não o suportava com aquela cara nojenta me olhando de canto pela casa.

O lado bom era que eu ganhava um dinheirinho, como Sandro e mamãe ficavam fora o dia inteiro, aproveitava e fazia lacinhos de cabelo para crianças na semana, e no dia da folga dele, que era na sexta, eu vendia. Passava em frente de creches, escolas e maternidades, o dinheiro que ganho, compro outros materiais, e guardo o lucro, não gasto um centavo. Estou guardando para quando tiver uma boa quantia ir embora daqui, lógico que eles não sabem disso, se não, já teriam tirado todo o dinheiro de minhas mãos.

Uma vez, na sexta-feira, que ia saindo de casa, não sei o que tocou a minha mãe, mas ela me deu cem reais, disse para que comprasse algo de que gostasse, isso foi bem no começo, quando ela estava grávida ainda. Então pensei comigo, ou gasto este dinheiro com algo fútil e ele acaba, ou o invisto e o faço render, foi o que fiz! Comprei algumas fitas, cola quente, pérolas e comecei a fazer laços, tudo com ajuda dos tutoriais da internet, escondia bem todo o material, no dia em que saía, colocava em uma mochila e vendia, graças a isso, já tenho 1.800 reais guardados. Só estou esperando completar meus 18 anos para poder ir embora daqui. Quero me mudar de cidade, arrumar um emprego, alugar uma quitinete, prestar vestibular e fazer uma faculdade. Sei que concretizar esse sonho será difícil, mas não vejo outra escolha a não ser essa e me arriscar na vida. Se continuar nesta casa, nunca poderei entrar numa faculdade ou arrumar um emprego remunerado, já que meu trabalho aqui, na cabeça do Sandro e da minha mãe, já era pago com moradia e comida regrada.

Já era noite quando todos saíram, logo tratei de arrumar na mochila minhas coisas para vender, colocava meu dinheiro dentro dela também. Era perigoso ser assaltada na rua, mas tinha mais medo de ser assaltada em casa, pois desconfiava de que, quando saía, minha mãe vasculhava as minhas coisas. Depois de tudo arrumado, liguei para Isadora, a única amiga que tinha.

— Oi, Isa, como estão os preparativos para a viagem? — Isadora vai se mudar para outro estado, ela irá morar com a tia, já que havia ganhado uma bolsa de estudos em uma das melhores universidades de medicina do país.

Nos conhecemos no ensino fundamental, e de lá para cá nos tornamos melhores amigas. Nosso plano era entrarmos juntas na faculdade, mas, ano passado, quando terminei o ensino médio, minha mãe não me deixou prestar o vestibular, pois me disse que seria para cuidar da minha irmã, dizia que pagar babá seria dinheiro jogado fora, já que tinha uma filha desocupada em casa. Fiquei muito triste, arrasada para falar a verdade, pois sabia que também tenho capacidade de ganhar uma bolsa de estudos.

Sempre fui muito estudiosa, tirava notas altas, meu pensamento desde que meu pai faleceu era estudar e me formar na área da medicina e dar um futuro melhor para minha mãe, mas daí veio o Sandro, e ela mudou completamente sua atitude comigo. Deixou todo o carinho e amor que tinha por mim se transformar em xingamentos, agressão e desrespeito, tudo por um ciúme doentio, que ela não assumia diretamente, mas conseguia vê-lo em cada atitude hostil para comigo.

— Já está tudo pronto, minha mala está arrumada, irei amanhã às 16:00, você aparecerá para se despedir, não é mesmo?

— Claro, esqueceu de que amanhã é meu dia de folga? — Ironizei.

— Estou tão triste que não estaremos mais juntas, queria tanto que continuássemos unidas na faculdade.

— Nem me fala nada, pois meu coração está partido. Mas estou feliz por você, será uma ótima cardiologista.

— Sinto tanto por você, amiga, espero que quando você fizer seus dezoito, não fique nem mais um dia por aí.

— E não ficarei, só faltam dois meses. E o que são dois meses perto de todos esses anos que passei?

— Para onde você vai?

— Ainda não faço ideia, mas planejo ir para uma cidade bem distante. Não sei como serão as coisas, mas do jeito que está por aqui, qualquer lugar será melhor que esse.

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