Às seis da manhã, me levantei e me vesti. Estava arrumando algumas gavetas quando alguém bateu na porta do quarto. Logo abri. Era o homem que havia descarregado as coisas do carro ontem, quando cheguei da capital com o bebê e o Oliver.
— Bom dia, senhorita Aurora, me chamo Joaquim. Sou o motorista do senhor Oliver e vim dizer que o carro está preparado para irmos à capital no momento em que a senhorita quiser sair. Estarei encarregado de levá-la ao hospital para fazer todos os exames do bebê. — Ah, o senhor Oliver não irá? — Perguntei curiosa. — Não, hoje ele saiu muito cedo. — Tudo bem, irei arrumar o bebê e já desço para irmos. Fechei a porta do quarto e fui dar banho no bebê, que parecia muito confortável na banheira. — Você parece tão confortável agora, pequenino, se você fosse meu, te chamaria de Noah. Após arrumar aquele pedacinho de gente, organizei sua bolsa, desci e tomei café enquanto o bebê estava no carrinho. Após isso, o peguei no colo e fomos para o carro, ajeitei-o no bebê conforto. Joaquim se aproximou, dizendo: — O patrão mandou entregar isso. Joaquim estava com uma pasta na mão, peguei e notei serem os documentos do bebê. Entrei no carro. Enquanto Joaquim dirigia, eu observava a pasta em minhas mãos, nela vi a certidão de nascimento do bebê, não resisti, afinal, eu deveria saber o nome da criança a qual eu tomava conta. “Noah Caetano Hoff”, meu Deus, não posso deixar de jogar na Mega Sena! Na filiação, havia apenas o nome do pai, Oliver Caetano Hoff, o que me deixou preocupada. Será que a mãe havia falecido no parto? Mesmo assim, por que ele não colocaria o nome dela? Minha cabeça estava cheia de teorias. Oliver comprou tudo do bom e do melhor para o filho, mas não foi visitá-lo nenhuma vez durante o dia. Chegamos à cidade e fomos direto ao hospital Alexandre Noronha. Um enorme hospital particular. Na recepção, uma enfermeira me pediu meus documentos, já que eu seria a acompanhante do paciente. Entreguei. — Desculpa, não aceitamos menores de idade como acompanhantes. — Joaquim me olhou sem entender nada. Me afastei do balcão e o chamei para uma conversa. — Por favor, Joaquim, será que você pode registrar no seu nome? — Mas a senhorita é menor de idade? Como assim? O patrão não contrata menores. — É uma longa história, por favor, só me escute. Faltam apenas dois meses para eu completar dezoito anos e, como preciso muito do emprego, acabei falando que já era maior de idade. — Mas ele vai pedir seus documentos para dar entrada no seu contrato. — Eu sei, vou dar um jeito de enrolar até o dia do meu aniversário, mas por favor, não conte nada para ele, eu preciso muito desse emprego. — Implorei. — Olha, menina, eu vou fazer o registro aqui, porque o bebezinho precisa de cuidados e também por não querer dar viagem perdida, mas o patrão odeia mentira. Se eu fosse você, já ia falando a verdade para ele quando chegar na fazenda. Ele entenderá, ainda mais por faltar pouco tempo para você completar dezoito e também, porque ele precisa de alguém que olhe o filho. — Obrigada, Joaquim. — É sério, moça. Se ele descobrir que você mentiu logo no começo, já vai te mandar para o olho da rua. Joaquim saiu em direção ao balcão da recepção e retirou os documentos para registro. Fizemos todos os exames precisos de Noah, também passamos no pediatra, que me perguntou algumas coisas que eu não sabia responder, mas ficamos de fazer acompanhamento mensal. Na estrada de volta, o silêncio reinava. Noah havia dormido após chorar bastante por conta dos exames de reflexos, contudo agora estava como um anjinho. Mesmo ainda tão pequeno, já se via os traços do pai. Joaquim dirigia em silêncio, então perguntei algo já entalado na minha garganta. — Onde está a mãe dele? O homem pareceu ficar surpreso com a pergunta, mas manteve o silêncio e os olhos fixos na estrada. Como não obtive resposta, fiquei mais intrigada do que já estava. Eu tinha ao meu lado um anjinho tão inocente, com apenas 3 dias de vida, e ele não tinha uma mãe presente, e pelo que percebi, nem um pai também. Cheguei na casa, troquei a roupa do Noah, que dormia como uma pedra, tomei um banho também. Desci e lavei minhas roupas que havia comprado. Eram poucas, mas necessárias, já que não tinha lugar para ir. Então, aquelas roupas durariam por muito tempo. Só havia duas mais arrumadinhas, já que poderia ocorrer alguma ocasião de sair tendo que acompanhar o senhor Oliver. Mais tarde, quando fui preparar a mamadeira do Noah, notei que a água da garrafa térmica estava acabando, então, o coloquei no carrinho e fui para a cozinha. Antes de entrar, notei que o Oliver estava conversando com outro homem. Não foi minha intenção, mas acabei escutando um pouco da conversa. — Cara, quando li aquela mensagem, eu nem consegui pensar direito, só peguei o carro. Tem noção do desespero que me deu? Eu te ligava e seu telefone dava desligado. — O homem continuava falando. — Eu dirigi mil quilômetros, só parei para abastecer, só xingando aquela mulher em pensamento. — Isso é o de menos, não vai acreditar em quem é a... — Oliver cortou a conversa. Noah havia começado a chorar no carrinho, quando os dois homens notaram minha presença.— Demitida? — Meu coração chegou a errar as batidas. — O que houve, senhor, o que fiz de errado? — Achou mesmo que sou burro, menina? — Levantou-se nervoso e veio em minha direção. — Aurora, mora na capital, tem dezoito anos e um Pinscher possuído pelo demônio. — Senti minhas pernas tremerem. — Achou mesmo que colocaria dentro da minha casa alguém sem saber as procedências? Fui descoberta. — Me desculpa, senhor, eu menti, devia ter falado a verdade desde o começo. — Tarde demais! — gritou. — Sabe o que mais me impressionou? A sua capacidade e rapidez de inventar mentiras! — Eu estava precisando muito desse emprego e... — Cala a boca! — Gritou outra vez. — Se tem algo que odeio nesse mundo, é a mentira, sabia? Quero que arrume suas coisas e saia da minha casa imediatamente! — Mas está de noite. Nesse momento ele se encostou tão próximo a mim que fiquei com medo de sua reação, até parecia um déjà vu. — E o que tenho a ver com isso? — Abaixou a voz. — Não é você que gosta de fica
Acordei no outro dia, me sentindo quebrada, parecia haver dormido em cima de pedras. Noah havia acordado mais de três vezes na noite, e não queria dormir na última vez que acordou. Como não havia muita coisa para fazer e ele ainda estava dormindo, resolvi ligar para minha amiga Isa, que com certeza estava morrendo de preocupação comigo. No dia anterior, havia comprado um chip novo para o celular. Mesmo sabendo que minha mãe não iria me ligar, tinha medo do sem escrúpulos do Sandro querer vir atrás de mim, ou tentar fazer ameaças. Sandro era um homem muito rigoroso em casa e vaidoso também. Aquele prato de comida deve ter dado a ele uma boa cicatriz no rosto e, conhecendo como ele era, sabia que não deixaria esse fato passar em branco. Além disso, ele não falou nada para a minha mãe, esperava se vingar sozinho e sabe lá que método usaria. Por ser um funcionário público, tinha acesso a muitas informações e conhecia gente importante também. Seria muito fácil ele me achar se continuasse n
No quarto, comecei a pensar na situação em que havia me metido. Estava sozinha no mundo, morando na casa de um homem totalmente desconhecido, longe da cidade e cuidando de um bebê que eu não tinha ideia de quem era a mãe. Não teria mais um salário e estava sendo vista como mentirosa pelo meu patrão. Eu não poderia mais ficar ali, não havia motivos. Comecei a arrumar minhas poucas coisas na bolsa quando o Noah começou a chorar, o peguei no colo e vi que estava ardendo em febre, peguei um remédio dentro da farmacinha que eu havia feito, dei a ele e depois dei um banho, esperando que a febre baixasse. Eu não havia tomado café da manhã e muito menos almoçado, decidi que não iria comer nada naquela casa, para que Oliver não pensasse que estaria ali apenas pela comida e pelo abrigo. Certamente, ficar na casa, mesmo sem receber um real, era mais seguro do que sair à deriva por aí sem ter certeza de como seria dali em diante, mas estava gostando daquele bebezinho e deixá-lo partiria o meu cor
— Embora, como assim? — Saulo perguntou sem entender nada. Parece que Oliver não comentou com o amigo sobre a última conversa que tivemos. — Sou menor de idade, o senhor Oliver me mandou embora. — Quanto tempo para você completar dezoito? — Só dois meses, mas não é isso. — Continuava chorando. — E o que é então? — Mesmo que eu complete meus dezoito, não posso ficar aqui, pois não posso trabalhar registrada. — Acabei soltando a minha preocupação, que estava matutando na minha cabeça. Sandro descobriria onde estava, ele viria atrás de mim, acabaria com a minha vida ou sabe lá o que conseguiria fazer. — Aurora, você deve algo à justiça? Está fugindo de quê? — Saulo perguntou, sem entender. — Não é isso. Deixa quieto, você não entenderia. Nesse momento percebi o quão frágil estava, que quase ia contando a minha história para o Saulo. Me recompus, peguei o copo de água e me levantei. — Com licença, preciso ficar com o Noah. — Espera, só mais uma coisa, o Oliver sabe que você está a
Com aquele clima pesado na cozinha, eu não sabia o que fazer. — Só falta o pernil terminar de assar, senhor. — Denise respondeu. — Ande depressa, que estou morrendo de fome, sabe que gosto das coisas no horário certo. Após falar com a mulher, ele dirigiu o olhar para mim. — O menino já está melhor? — Perguntou sem expressão alguma no rosto. Eu não conseguia acreditar que aquele homem soubesse que seu filho estava doente e não demonstrou preocupação, saindo de casa cedo e indagando sem demonstrar preocupação. — Sim, senhor, o seu filho está melhor. — Enfatizei o nome filho, para ver se o comovia um pouco. Ele me encarou por alguns segundos, esperando talvez que eu falasse mais alguma coisa, mas simplesmente virei as costas e saí com o Noah. Fui passear no jardim, estava um dia lindo, andei perto das árvores, já era quase meio-dia e o sol estava muito quente, mas as grandes árvores davam uma enorme sombra. Noah estava acordadinho, seus olhinhos estavam abertos, coisa que era rar
Passeei mais um pouco com o Noah, minha barriga roncava de fome, mas só comeria depois que Oliver saísse da cozinha. Estava entrando na casa, quando meu celular tocou. Era um número privado, estranhei porque apenas Isa tinha meu número novo. — Alô. — Atendi. — Vagabunda, eu vou encontrar você, e antes de deformar a sua cara inteira, terminarei o que comecei. Após falar, desligou. Eu sabia muito bem quem era, conhecia aquela voz nojenta em qualquer lugar no universo, era ele, Sandro! Meu coração errou as batidas, por um segundo fiquei tonta e quase caí no chão com o Noah. Meu maior pesadelo estava acontecendo, ele estava atrás de mim, como conseguiu meu número? Será que ele já sabia onde eu estava? Minha cabeça girou mais um pouquinho, então por medo de cair do lado de fora com o bebê, fui para dentro da casa. Entrei tremendo tanto, que ignorei Oliver e Saulo me chamando, nem me importei, continuei andando e entrando no quarto, coloquei Noah na cama e me sentei no chão, esta
Acordei com o clarão de um raio. Havia dormido com o Noah e tinha me esquecido de fechar as cortinas da janela. Os raios clareavam o quarto vez ou outra, mas não se ouvia o barulho do trovão, a janela era bem lacrada à prova de som. Olhei e vi que Noah continuava dormindo como um anjinho, me levantei, arrastando com cuidado uma das poltronas até a janela, me sentei e comecei a observar a chuva caindo. Eu amava a chuva, amava os raios, eles eram tão lindos. Apesar de perigosos, era a coisa que eu mais admirava na natureza, tão imponentes, seguidos com sua voz majestosa de trovão. Olhei no relógio e vi ser duas e pouco da madrugada. Lá fora, tudo era assustador, lembrei que cheguei aqui numa madrugada como essa, raios, chuva e aquele homem. Lembrei-me do homem na ponte, do carro parado, dele prestes a se jogar e da minha interferência. Será que salvei a vida dele? Como será que ele estava agora? Quem era, e qual o motivo que o levaria a tentar contra a própria vida? Bem baixinho, pedi
Assustei-me com o diabo. Ele aparecia do nada, como se teletransportasse usando sapatinhos de algodão, pois não conseguia ouvir seus passos quando chegava. — Aurora, levanta daí, está chorando pelo quê agora? — Nada, senhor, eu só estava distraída. Me olhava como se esperasse alguma brecha para dizer algo. — É pelo homem da ponte, não é? — Insinuou. — Claro que não, nem o conhecia! — Neguei imediatamente. — Ah, que pena, pois já descobriram a identidade dele, sabia? — Lamentou. — Mas, como você não se interessa no assunto, deixa para lá. — Blefou. Virou-se de costas para sair, mas minha curiosidade foi maior. Queria saber quem era o homem e o porquê dele ter feito tal ato e parecia que Oliver sabia disso e queria usar contra mim. — Espera, quem era ele? — Perguntei, me sentindo vencida por suas provocações. Oliver virou-se para mim outra vez, sorrindo como se tivesse ganhado a batalha. — O nome dele era Antônio Vargas Viana, tinha 49 anos, estava fugindo da polícia, após a i