Arrasto-me da cama ainda sem vontade de enfrentar outro dia, me troco rapidamente e saio ainda tomando um café. A cada dia que passava menos vontade eu tinha de trabalhar, de comer, até mesmo de levantar da cama. Tudo o que eu queria era acordar desse pesadelo que era não ter mais minha mãe por perto, o pesadelo que minha vida tinha se tornado desde o dia que me abri para um homem.
— Bom dia, flor do dia. — Brinco com Ane, que já estava me esperando na frente do Monty's.— Bom dia, vadia. — Ela diz enquanto j**a o resto do seu cigarro no chão e apaga com a ponta da sapatilha rosa.— A noite foi boa? — pergunto olhando sua cara de ressaca e cansaço. — Isso ainda vai te matar. — Murmuro apontando para o cigarro agora amassado no chão, não que fizesse muita diferença repreendê-la quanto ao hábito de fumar, Ane dificilmente dava ouvidos a qualquer coisa, ela parecia estar em uma maratona para se afundar.— Foi uma merda, chutei o cara de ontem depois que transamos no sofá. E pra sua informação ficar sem comer também vai te matar mocinha, mas que se dane, no fim todos nós vamos morrer mesmo. — Acenei concordando com a cabeça. Era a única certeza que tínhamos nessa vida, não importava o quão bom, mal, honesto ou um total babaca você fosse, a morte viria. — Amiga desculpa, eu sou uma estúpida. — Ela correu com as palavras quando notou meu olhar cabisbaixo.Ane não tinha muito papas na língua, falava o que vinha a cabeça, sem filtro, mas era sensível as pessoas a sua volta e quando notou que tinha me feito lembrar da minha mãe se arrependeu. Minha mãe tinha partido há seis meses depois de sofrer lutando contra um câncer de mama, agora era apenas eu.— Você está certa, todos morrem e sim você é uma estúpida, mas uma das poucas que me aturam.— Infelizmente, não consigo evitar. — Ela respondeu mais aliviada voltando a sorrir.Nós não éramos melhores amigas que se abraçam e beijam, trocam confidencias, apenas falávamos do nosso dia a dia, ela escondia tantos segredos quanto eu, mas no meio da nossa bagunça cuidávamos uma da outra, mesmo que de uma maneira estranha e fria.Eu já havia desistido de entender como Maryane veio parar aqui, na verdade não sabia nem ao menos de onde ela tinha vindo. Mas ela era assim, com seus olhos verdes expressivos e seus cabelos loiros chamativos, fugia de todos que tentavam procurar saber algo de seu passado.E mesmo sabendo que seu porte não combinava com essa cidadezinha no meio do nada, eu nunca a pressionei para falar de sua vida, tinha meus próprios demônios para esconder.— Que tal as mocinhas entrarem para trabalhar? Ou vão querer que eu desconte do salário?Nós duas nos encaramos com verdadeira repulsa, trabalhar para pagar as contas às vezes significa trabalhar para esse tipo de merda como Monty, dono da lanchonete, infelizmente esse buraco era um dos únicos que pagavam um salário decente naquela cidade.Os clientes que passavam por aqui, tirando os bêbados de plantão claro, sempre voltavam graças a Ane, Nana e a mim, que preparávamos uma comida maravilhosa.Nossa rotina era limpar primeiro, cozinhar enquanto servíamos as mesas e limpar tudo antes de sair. Se tivéssemos sorte estaria tão lotado de clientes viajando pela estrada que os bêbados procurariam o bar do outro lado da rua.— Por que a Nana ainda não chegou? — já passava dá uma da tarde, ela sempre chegava por volta das onze, às vezes atrasava, mas nunca o fez tanto assim.Nana era nosso anjo da guarda. A senhorinha que esteve ao meu lado enquanto enfrentamos a doença da minha mãe, quando comecei a trabalhar aqui, depois que minha mãe morreu e nos protegia todos os dias quando homens nojentos tentavam algo a força com nós duas.— Vou ligar para ela. — Ane disse já sacando o celular do bolso, mas antes mesmo que desbloqueasse o celular Monty entrou na cozinha nos assustando.— A Nana queridinha de vocês não vem hoje, disse que está doente, parece que está gripada. Deus sabe que aquela velha já poderia ter partido dessa. — O nojento terminou a frase falando mais para si mesmo do que com uma de nós. — E guarde a porra desse celular, você não é paga pra isso. — Ele cuspiu as palavras antes de sair.Ele era um escroto! Deus sabe que se eu não precisasse desse emprego eu já teria quebrado a cara desse infeliz, o que não nos impedia de xingá-lo vez ou outra.— Você sabe de alguma coisa? Quando ela saiu daqui ontem estava bem.— Vamos ficar de olho e cuidando uma da outra, quando sairmos daqui passamos na casa dela para checar. — Digo tentando parecer forte diante de Ane.A verdade é que eu nunca tinha estado aqui sem Nana, Monty era um dos homens que tentavam a todo custo encostar as mãos sujas em uma de nós e desde que eu entrei aqui não houve um dia que Nana não nos fizesse companhia.Aquele desgraçado não merecia nem ser comparado a um ser humano, ele e toda sua trupe poderiam ser qualquer coisa, menos pessoas de caráter e isso me deixava aterrorizada, pois não tinha muito que eles não fossem capazes de fazer para conseguir o que quisessem, temia que ele tivesse sido capaz de fazer algo com Nana.Mas graças a qualquer força do universo nossa tarde passou tão agitada que mal o vimos e foi mais rápida do que pensei. O problema era que durante a noite o fluxo era maior, principalmente de bêbados, então tínhamos que redobrar a atenção uma à outra. Mais um pouco e estaríamos fora daqui.O bar estava lotado como sempre e Monty não parava de nos rondar, parecia até que não tinha nada de ilegal para fazer fora dali, pois passou o maldito dia inteiro nos observando de perto.Minha desconfiança estava grande, ele não prestava e meu medo era que ele atacasse Ane, por isso mesmo dentro da cozinha eu tentava manter um olho no salão sempre vendo onde ela estava.Tinha acabado de entregar um pedido a ela quando a porta atrás de mim se abriu me fazendo pular e me virar, a porta dos fundos dava direto para a rua, um beco na verdade que tinha entre o bar e a casa do infeliz.— O que quer aqui? — questionei tentando não parecer assustada e manter a pose irritadiça, mesmo que meu corpo todo tremesse.— Eu sou o dono disso aqui, posso ir onde quiser sem ter que te dar explicações. — o homem magricelo falou, ele cheirava a cigarro barato e álcool, mesmo quando não bebia, o fedor não saía de seu corpo.Me virei andando pelo balcão, fingindo voltar a trabalhar, mas na verdade estava buscando a faca que uso para cortar carne. Monty passou por de trás de mim, me causando um calafrio e alcançou a janela por onde passava os pedidos, quando a madeira bateu uma contra a outra meu corpo pulou saltando, eu não esperei ouvir o trinco se fechar, corri para a porta dos fundos, mas meus cabelos foram puxados, com tanta força que lágrimas encheram meus olhos.Com a faca na mão eu girei meu corpo, focando em enfiar o aço em qualquer parte do seu corpo e fugir dali. Mas Monty foi mais rápido e segurou meu pulso gargalhando de mim.— Você é corajosa vadia, mas não tanto quanto eu.Empurrei meu corpo contra o seu, usando meu peso para desequilibrá-lo e fazê-lo bater contra o fogão, lágrimas escorriam em meu rosto quando ele puxou minha blusa, rasgando o tecido e me acertou com um tapa, mas consegui me desvencilhar jogando seu corpo para trás e fazendo ele acertar uma panela quente, derrubando todo o molho no chão. Eu corri abrindo a porta, mas as mãos asquerosas me seguraram e ele me jogou no chão.Minhas costas bateram no piso frio com tanta força que o ar escapou dos meus pulmões. Senti o corpo dele sobre o meu e abri meus olhos a tempo de ver o punho fechado acertando meu rosto com força.Eu faço tudo por minha irmã, graças a isso estou metido dentro de um carro em uma viagem de seis horas. Quando eu a encontrasse iria matá-la. O que diabos ela tinha que vir fazer com as amigas em uma festa nesse fim de mundo?Cheguei ao hotel de onde ela havia me ligado e a encontrei no saguão sentada em um sofá pequeno, encolhida no vestido minúsculo. Esquadrinhei o lugar que parecia mais uma casa de pulgas do que um hotel de verdade e me xinguei mentalmente por não ter colocado uma coleira nessa garota impulsiva. Como ela podia ser tão estúpida!— Mas que diabos você pensou que estava fazendo vindo para cá? — ela se levantou assim que escutou minha voz e correu em minha direção jogando seus braços ao redor do meu pescoço, me abraçando forte e isso me desarma.— Desculpa, desculpa. — Repetia ainda presa a mim.A afastei apenas para olhá-la melhor, seus olhos estavam vermelhos, mas com certeza era por não ter dormido a noite toda e não porque estava emocionada ao me ver. Ela adorava a
Tudo o que eu conseguia pensar era em estancar o sangramento antes que ele perdesse muito sangue, em como diabos podia limpar a ferida, ou como os panos sujos que estava usando para fazer uma bandagem improvisada podiam lhe dar uma infecção e na rapidez e precisão que precisaria fazer uma sutura.Por incrível que pareça o ataque de Monty na cozinha, os seus homens atrás da gente e os tiros, tinham ficado em segundo plano quando Ane nos fez notar que ele havia sido baleado. Por sorte a bala tinha passado direto pela lateral direita do abdômen, tinha sido tão perto de atingir órgãos importantes, mas o desgraçado teve sorte. Mesmo assim só de vê-lo daquela maneira me deixou em estado de alerta, o instinto de salvar uma vida correndo por minhas veias.— Vamos logo. — O homem que parecia não se afetar com meu contato falou. — Precisamos ir antes que eles mandem reforços.Eu me afastei dele pronta para dar a volta nos corpos no chão e correr para me esconder com Ane em casa até que tudo iss
Eu só podia estar ficando louco, trazer duas desconhecidas para casa. E como se isso já não bastasse fui baleado e levei uma bela cabeçada.Tinha sido um dia de cão, a partir do momento em que sai de casa para ir atrás de Mag era como se toda minha vida tivesse saído do controle e eu só me fodi.Depois que aquela mulher de olhos perturbadores se foi eu pude respirar em paz, pois graças a sua presença no quarto era ficasse até difícil de respirar. Eu não era dado a carícias e cuidados, mesmo assim deixei que ela o fizesse.Se o Doutor estivesse aqui, seriam os pontos rápidos e secos enquanto eu resolveria coisas no telefone como sempre, depois tomaria um banho e iria para minha cama. Mas por algum motivo eu deixei que ela cuidasse de mim, cheia de frescuras e preocupação, não era sempre que se conseguia isso por aqui.Mas eu tinha que assumir, ter as mãos dela sobre mim era muito melhor do que de um médico bruto.Deixei que meu corpo relaxasse e se não fosse graças aos remédios com tod
Ane e Magie tinham decidido sair para uma festa altas horas da noite e eu preferi ficar em casa, estava tentando fugir de problemas e era isso o que essas duas atraiam. Aproveitei o tempo sozinha e liguei para Nana, ela me disse que realmente tinha ficado doente, uma febre repentina que a deixou de cama, após uma longa conversa contando a loucura que tinha sido o dia anterior ela me aconselhou a continuar longe da cidade, Monty não era um homem de perdoar e ela o conhecia bem. Nana me pediu para cuidar de Ane e conseguir um emprego aqui mesmo, para que pudesse começar a me erguer e prometeu que assim que se sentisse melhor pegaria um ônibus até a Filadélfia para ficar conosco. Era um bom plano, eu precisava focar em onde poderia conseguir um emprego, qualquer um que fosse, não tinha medo de trabalho duro e assim que conseguisse um pouco de dinheiro procuraria um lugar pequeno pra nós, até que tudo melhorasse. Eu estava empolgada com a ideia de um novo começo, longe de tudo o que h
Depois do nosso café, regado a muita animação sobre irem conhecer a cidade e Gabriela finalmente comendo algo substancial, fui para o escritório ainda sentindo a necessidade de trabalhar de casa, mesmo que elas fossem aparentemente inofensiva. Eu tinha lido o relatório completo, minunciosamente, Ane era de família rica o que explicava se sentir tão a vontade com Mag, já Gabriela sempre pertenceu a uma família humilde e aparentemente estava tendo uma maré de azar, desde que deixou a residência em medicina. Eu ainda estava tentando engolir que ela deixou o desgraçado que a atacou se livrar, se fosse por mim ele estaria agora se decompondo em um barril de ácido, mas ela tinha me parado antes que eu acabasse com o infeliz, então eu precisava a manter por perto para me sentir em paz comigo mesmo, tendo certeza que nada aconteceria. Depois de remoer boa parte da noite sobre como tratei Gabriela decidi que ela merecia um pedido de desculpas, deveria por um basta nisso, afinal ela não tinha
Afastei meu corpo com as mãos erguidas em uma demonstração de inocência e continuei a chamar seu nome para que ela voltasse a si, mas ela gritava com puro horror, até que Ane e minha irmã entraram correndo no quarto, desesperadas em descobrir o que estava acontecendo com a amiga que gritava incessantemente. — O que aconteceu? — Mag questionou antes que qualquer um de nós pudesse falar. As duas se jogaram ao lado da amiga que se acalmou ao ver as mulheres ao seu lado, para só então cessar o grito e fechando os olhos com força. — O que você está fazendo aqui? — Ane inqueriu abraçando a amiga de forma protetora. — Não é o que vocês estão pensando. Eu posso explicar. — Sério? — Ane cuspiu as palavras me cortando com sarcasmo e desprezo, apertando mais os braços em volta da amiga de maneira protetiva. — Você não está ajudando. — Mag avisou me lançando um olhar que eu nunca tinha recebido dela, que nunca havia recebido de mulher nenhuma. — Se acalmem vocês. Eu a encontrei na bibliote
Eu estava sentada na janela do quarto vendo a tempestade cair lá fora tentando colocar meus pensamentos em ordem. A luz tinha voltado e agora eu queria trazer também um pouco de clareza para a confusão que tinha se instaurado em minha cabeça. As imagens se misturavam entre Oliver em cima de mim segurando meus braços e me pedindo para ficar calma, alguns fantasmas ruins do passado tentavam ganhar a disputa e voltar a vida, eu estava uma verdadeira bagunça. Mas uma parte dentro de mim continuava a gritar que eu poderia confiar nele, que as palavras que ele gritou no quarto eram verdadeiras, sentia isso. Sem falar no fato de que todas as minhas barreiras pareciam inexistentes quando eu estava perto dele, como se nada pudesse me atingir porque ele estava lá. O que era uma tremenda ironia já que desde que nossos caminhos se cruzaram não tive um minuto de sossego. A visão dele pego de surpresa, segurando a toalha desajeitadamente tentando tampar seu pau, invadiu minha mente atropelando t
Os tiros lá fora não paravam, eu não tinha nem ideia de quem tinha sido estúpido o suficiente para atacar minha casa, a única certeza que eu tinha era de que o filho da puta não sairia vivo dessa história. Jack entrou na sala apressado prestes a falar alguma coisa muito séria, mas com um olhar eu o parei antes que ele abrisse a boca, nesse momento estávamos concentrados em salvar a vida de Max, depois me preocuparia com o resto. — Que bom que está aqui, preciso que segurem ele. — Gabriela disse assim que o viu parado na porta. — Segurem o forte, ele não pode se mexer. Ela se aproximou retirando minhas mãos e as afastando com cuidado, preparou o local colocando gases em volta do ferimento e com a pinça em suas mãos estava pronta para começar. Jack agarrou as pernas e eu segurei o tronco mantendo o corpo imóvel. — Não acho que precise disso, ele está desacordado. — Jack murmurou. — Não por muito tempo. — Ela afirmou, segurou firme em volta do ferimento e enfiou a pinça no buraco co