5 - O Fantasma

POV - Anahi

Nove. Dez. Onze. Meio Dia. Uma. Duas. As horas se passaram até a primeira mensagem de Nestor ser enviada até a mim, negando a possibilidade de entrar no sistema de segurança do Setor Financeiro. 

— Você está brincando comigo? — Falo o encarando em minha frente após chamá-lo para minha sala novamente. — Eu sei que você invadiu sistemas muito mais fortes do que este.

— Você ainda não me deu a oportunidade de falar. — Ele me interrompia. — Eu não consigo acessar daqui de fora. — Ele retirou um pen-drive. — Coloque no computador dele.

— É disso que você precisa? — Indago, pegando o objeto.

— O Sistema de Segurança não é difícil de invadir, mas o computador, que obtém as informações bancárias tem reconhecimento facial. Eu preciso desativá-lo. — Ele alertou.

— Por quanto tempo?

— Pelo menos, quinze minutos.

— Os aposentados primeiro. — Indico a passagem para o lado de fora da sala.

Abri a porta da sala de Felix Vitorio sem sequer bater nela, me dirigindo até a sua cadeira. O homem que estava focado em seu computador, assustou-se.

— Senhora? — O velho perguntou enquanto eu fechava a porta. — A senhora não pode entrar assim em minha sala.

— As coisas mudaram por aqui, Felix Vitorio. O Senhor Bethoven Belisario confiou a mim a supervisão da empresa. O seu cargo, incluso. — Falei, notando que ele havia ficado nervoso, ao ponto de ajustar a gravata na papada de sua goela.

— Em que posso ajudá-la? — Perguntou.

Mostrei para ele o pen-drive.

— Preciso dos backups referentes as assinaturas dos últimos doses meses da plataforma. — Menti, entregando o objeto para ele, que rapidamente colocou no computador.

— Tomará tempo, senhorita. — Ele afirmou. *É claro que vai.

— Não tem problema, eu posso me sentar aqui e admirar o seu trabalho. — Digo me recostando na cadeira. A minha presença visivelmente incomoda o homem calvo mas ele não parece desconfiar. Vejo que transfere exatamente o que eu pedi e o gráfico mostra uma demora significativa no tempo de transferência dos arquivos.

— Há quanto tempo o senhor trabalha na PAVAN Co., senhor Vitorio?

— Eu comecei na sua idade, na verdade. Vinte e oito? — Ele tentava se lembrar. — Mas eu era apenas um estagiário.

— É claro que era. Poucos conseguem chegar onde eu cheguei na minha idade. — Respondo com um sorriso. — Sabe, senhor Felix, o senhor se dedicou para a PAVAN por muito tempo, não?

— Minha vida toda. — Ele responde, sem entender onde quero chegar. — Eu não só construí a minha carreira aqui. Esta empresa existe por causa de mim.

— Por isso eu o admiro. — Ele se surpreende com o meu elogio. — Eu pulei de empresa em empresa, sabe?

— Por que? A senhora não se acostumou? — Eu me levanto, passando pela mesa e chegando perto dele.

— Eu vi muita corrupção nos setores que eu trabalhava. — Agora, o suor escorria pela testa gigante do velho. — Me dava ânsia.

— É o que dizem, senhorita. Se você não pode contra a corrupção, ou se afaste, ou se junte a eles. — Ele disse, com tremor em sua voz.

— Eu não acredito que essas sejam as únicas opções. Mas você está certo. — Digo, me sentando na mesa dele, deixando as pernas cruzadas para que visualizasse a minha coxa.

— Onde a senhora quer chegar? — Ele pergunta me olhando nos olhos.

— Os relatórios que o senhor Bethoven me enviou... Há algumas incongruências. — Observo na tela, os minutos se passando. — Pequenos erros de porcentagem, que posso facilmente equilibrar.

Ele sorri.

— Qual a sua proposta? — Ele coloca a mão na minha coxa, como se tivesse alguma liberdade para isso.

— Eu posso equilibrar os valores e colocá-los na planilha que está sendo implantada para mim, disfarçá-las entre as assinaturas. Mas eu vou precisar de um favor. — Olho para ele.

— Eu não sei onde a senhorita quer chegar. Os valores que estão na planilha são os valores dos gastos. — Ele nega, agora que estou sendo bem direta. — Se houveram erros, foram de cálculo, não?

— Sabe o que eu costumo ouvir, senhor Vitorio? — Ele parece escutar atentamente. — Que não se deve subestimar a inteligência de uma mulher. Mas eu não acredito. Mulheres não são inteligentes.

— O que quer dizer com isso?

— Há muito mais poder no corpo de uma mulher do que o cérebro. — Digo me levantando e me colocando em sua frente. Pego uma das canetas e anoto o meu número de telefone para o homem. — Eu não sei sobre você, mas eu gosto de misturar trabalho com prazer. — Digo mordendo a tampa para fechar a caneta.

— O backup foi concluído. — Ele afirmou, pegando o número de telefone e guardando no paletó. 

— Você não vai me entregar? — Pergunto, recebendo o dispositivo em seguida.

Retorno para a minha sala, após entregar para Nestor o que ele precisava. Meu celular apita de notificações do velhote. Ele realmente acreditou que com aquela pança teria alguma chance comigo?

O engano, confirmando que as alterações foram realizadas e envio para ele uma planilha falsa que elaboro durante a nossa conversa no aplicativo. Ele parece satisfeito o suficiente para me passar o seu endereço e convidar-me para jantar às nove, após o expediente. Mas nego, preciso estar em casa nesse horário.

Sugiro, então, um encontro pela manhã, antes do expediente, em uma cafeteria. Mas o homem insiste que eu me dirija ao seu apartamento. Confirmo, combinando de que após a nossa conversa, iríamos juntos para a empresa. Ele aceita o convite.

Através das primeiras informações que recebo de Nestor, analiso seus dados. 50 anos, boa formação e especializações, mas ao mesmo tempo um homem que se acomodou com o trabalho. Nunca buscou investir em um mestrado ou doutorado. Ao que vejo, cursou a mesma faculdade que o pai de Bethoven e por isso, conseguiu o emprego. Apostou no cavalo da sorte e ganhou na loteria. Pelo menos é o que ele acha.

Me dirijo para a sala de Bethoven, que surpreso, me recebe com bons olhos, ao invés de repreender minha atitude incômoda.

— Eu sei que você possui uma reunião daqui a vinte minutos, então, eu só gostaria de passar para confirmar algumas coisas. — Digo, tentando parecer um pouco inconveniente.

— Fique à vontade, Anahi. — Ele se levanta para vir ao meu encontro e puxar a cadeira onde sento. *Cavalheiro, não? — Está tudo bem? Aconteceu algo no seu primeiro dia?

— Eu estive examinando a relação das assinaturas nos últimos dose meses e elas tem estado mais baixas do que o usual. — Digo. — Eu já lhe enviei os e-mails com as informações.

Ele abriu o laptop para analisar os dados enviados por mim.

— Acredito que uma reunião com o Setor Financeiro, de Marketing e de Risco seria necessária para equilibrarmos. — Sugiro.

— Estou surpreso com a sua velocidade, Anahi. — Ele transmite um sorriso no rosto. — Você é realmente o que o seu currículo diz ser. — *Eu não sou nada do que o meu currículo diz que sou. Mas eu estou perto.

— Mas eu posso fazer uma pequena pergunta? — Indago, falando baixinho. — O senhor, Felix...

— Sim. 

— Eu conversei com o homem em sua sala. Ele tem alguma doença? Parkinson? — Me faço de desentendida.

— Nunca que eu tenha reparado. Só se estiver em estágio inicial. — Ele parece confuso. — Não seria uma surpresa, ele estudou com meu pai. O homem já tem seus cinquenta anos.

— Lembra da conversa que tivemos ontem? — Eu falo de cabeça baixa. — Sobre a garota loira.

— Lembro, Anahi.

— Eu não estou querendo acusar nada, mas, a mão dele estava... Você sabe, tocando... — Meu olhar continua para baixo, vendo o sapato do homem passar pela mesa de madeira. — Mas ao mesmo tempo ele estava apertando o laptop nervoso, sabe? — Olho para ele, agora, forçando nervosismo. — Eu acho que, não sei, mas ele possa estar doente.

— Eu vou prestar atenção nos movimentos das mãos dele, Anahi. — Ele me garantiu. — Tenha certeza que a situação não vai se repetir.

— Obrigada, e desculpa incomodar. — Me levanto para sair.

— Anahi? — Ele me chama mais uma vez, me fazendo sorrir. — Você está bem?

— Senhor Bethoven, está tudo bem. Inclusive, Luigi já está organizando a festa que pediu. — Digo sem me virar, de costas para ele, seguindo em direção a porta e saindo sem me despedir.

Passei as últimas horas em minha sala. Durante esse período houve uma reunião com o departamento internacional, a qual fui convidada a participar. Não chegamos a algum acordo sobre o assunto combinado, então uma nova reunião, presencial, foi agendada para a semana seguinte. Nos últimos minutos, me mantive focada nos arquivos enviados por Nestor, especialmente nas transferências realizadas para a conta de minha mãe.

Felix usava uma empresa fantasma para realizar os pagamentos da empresa. Não que eu já não desconfiasse, mas precisava comprovar a relação do homem com a companhia que chegava nos pagamentos. Agora, o que eu precisava era jogar aqueles dados para os gráficos de pagamento da sua conta e da PAVAN Co., logo não demorou muitos minutos para que eu o fizesse.

Apaguei os arquivos com os dados de minha mãe e as relações entre ela e a empresa fantasia que eles utilizavam. Agora, o ocorrido de dez anos era apenas um fantasma. Mas não um fantasma que os assombraria. Pelo contrário. Ele vai clarear. Iluminar tudo que ficou escuro durante os anos de negligência que minha irmã sofreu. E eu garanto, acender as luzes é bem pior do que apagá-las.

André Azevedo

as partes em * indicam pensamento da personagem Anahi.

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