3 - Dálias Marinas Vermelhas

POV - Bethoven

Direita. Esquerda. Para cima. Direita. Para cima. Esquerda. Direita. Mal consigo decidir o lado em que vou ficar na minha cama, sequer tenho sono. A imagem de sua pele branca com aquele bronze, a franja preta com a entrada bagunçada na testa e os lábios vermelhos chamativos ecoam na minha cabeça. É insuficiente mantê-la na minha cabeça, preciso acender o abajur para pegar o telefone e ver a sua imagem de perfil pelo aplicativo de mensagens. Anahi é tentadora.

Noto que já são seis da manhã. Não sei quanto tempo dormi, se dormi, mas já era a hora de levantar. Me coloco de pé, mandando-lhe uma mensagem de bom dia no privado, e, em seguida, fazendo o mesmo no grupo da empresa. Ignoro o grupo da família, as crianças não gostam.

Tomo meu banho, escovo os dentes. Não demoro no banheiro. Logo, começo a me arrumar, vestindo a mesma calça preta e a blusa social com a gravata preta e o terno azulado. Em meu guarda roupa havia uma coleção de peças idênticas. Não gostava muito de variar, cansava ter que escolher, então sempre optava pelo o que estava disponível.

Desço as escadas da minha mansão, segurando a pasta que contém meu laptop e alguns documentos pessoais referentes à reunião que terei mais tarde. Adão, o segurança, já está de pé em frente a porta de vidro conversando com o meu motorista particular, Wendler. Ambos já trabalham na família há bons anos. São homens de confiança. Se tivessem o mínimo de intelecto, certamente seriam meu braço direito na empresa.

A frase de Anahi martelava na minha cabeça feito sinusite, incapaz de controlar. Era difícil ter um homem de confiança ali, entre tantas desavenças e intrigas. O mundo corporativo é tão perigoso quanto desafiador. Sei que ali comigo tenho os homens mais capacitados para seus cargos. Mas estamos em um momento bom na empresa. Quem iria me dar amparo caso as coisas fugissem do controle? Eu não tenho um nome agora.

Lembro, enquanto me sento para tomar café da manhã, do ocorrido, há dez anos atrás. Ainda jovem, dirigindo bêbado, ostentando o dinheiro de minha família. Maldito inconsequente. Se meu pai não tivesse os contatos jornalísticos e judiciais, a essa hora eu poderia estar na cadeia. Aquele dia me mudou para sempre. Me fez ir de um garoto inconsequente a um homem com pé no chão.

— Bom dia, pai. — Sabina me dá um beijo na bochecha ao sentar-se na mesa. — Está tudo bem?

Minha filha sempre foi muito amigável. Não puxou somente a bondade de sua mãe, mas também a aparência. Os olhos castanhos, o cabelo ondulado e acima de tudo: a bondade. Tal como Sierra, Sabina, mesmo jovem, se importa com causas nobres. Doa metade da sua mesada para instituições de apoio à animais abandonados e sonha em ser presidenta do Brasil. Nem preciso falar de suas notas no colégio. Nunca soube de uma nota menor do que oito. Minha filha é o meu maior orgulho.

Beijo a sua bochecha de volta, sorrindo com gosto ao ver a sua presença. Não sinto fome, na verdade, mas faço questão de estar todos os dias com Sabina para que ela sempre tenha a presença de seu pai ali com ela. 

— Como estão as coisas na escola? — Pergunto, curioso. — Está tudo bem, nessa nova fase? — Sabina havia acabado de entrar no Ensino Médio.

— Está tudo bem sim! As matérias são um pouco mais difíceis, mas... Nada que eu não consiga fazer. — Ela sorri, passando uma certa quantia de patê nas torradas para comer.

— Seu irmão, você sabe? — Indago, sem saber do paradeiro de Benjamin. — Cheguei ontem à noite e ele não estava no quarto.

— Ele foi para a casa da namorada ontem, é tudo que sei. — Franzo a sobrancelha.

— Namorada? — Coloco a mão na cabeça, surpreso.

A relação entre eu e Benjamin não tem sido fácil depois da morte de Sierra. Ele quase nunca está em casa e quase nunca conversa comigo. Honestamente, não tenho muito tempo. Ontem mesmo sequer pude ver os dois. Eu confirmei que Sabina estava dormindo, mas o moleque não estava no quarto. Imaginei que estivesse na casa de algum de seus amigos delinquentes, mas uma namorada era novidade para mim.

— Falando nele... — A pequena anunciava.

Em cima de uma plataforma de rodas, com um capacete que esconde seus cabelos longos, o jovem para perto da mesa, chacoalhando-a a ponto de derramar uma quantidade de suco na mesa.

— Benjamin. — O repreendo. — O que conversamos sobre plataformas motorizadas em casa?

— É skate, pai. — Ele me corrige. — Foi mal.

Foi mal?

Benjamin sabia que eu detestava que ele usasse esses termos, mas eu não iria repreendê-lo novamente. Ele estava distante, e por mais que a morte de sua mãe tivesse abalado a todos nós, eu evitava pegar um pouco pesado com o garoto.

— Benjamin, sente a mesa e tome café com a gente. — Ele se sentou, obedecendo as ordens, pegando uma quantidade enorme de comida e levando a boca, sem nenhuma educação.

— Aí, pai, tá ligado que a galera vai vir toda pro rolê no final de semana, não é? — A minha vontade era de mergulhar o rosto dentro da jarra de suco e morrer asfixiado ao ouvir tantas gírias seguidas. — A festa vai ser top.

— Festa, Benjamin? — Questiono.

— Do meu aniversário, pô! — Ele fala após dar uma golada do suco. — Você não esqueceu, né?

O aniversário de Benjamin era em três dias e eu havia esquecido completamente de preparar a cerimônia.

— Mas é claro que não. — Me levanto para dar-lhe um beijo no couro cabeludo, antes de me despedir. — A questão é que seu linguajar não me apetece. Parece que está falando uma outra língua. — Invento a desculpa.

— E é Benji, pai. Benji. É assim que a galera me chama. — Respiro fundo, tentando ser compreensível. Contorno a mesa para me despedir de Sabina.

— Se comportem. — Ordeno enquanto me afasto.

— Não é como se ele fosse ver mesmo. — Ouço o garoto fazer a piada, rindo. De certa forma, minha ausência o incomodava.

Sierra morreu de câncer de cólon. Nós tentamos de tudo, mas nem todo o dinheiro foi o suficiente para mantê-la viva. O que vivemos durante o processo deveria ter nos mantido unidos, e durante aquele momento, nos mantinha. Mas após a sua partida, cada um começou a reagir de uma forma diferente. Benjamin se afastou dos amigos antigos, trocou de escola e começou a andar com uns rapazes estranhos; Sabina, apesar de ainda se dedicar muito a tudo que faz, agora busca o perfeccionismo. Ela se esforça além do que uma garota normal estudaria; E eu, bem, eu ocupo a minha mente na PAVAN Co., é a única forma que eu tenho de me distrair. 

Ao entrar no carro, cumprimento Wendler e peço para que ele pare em uma floricultura no processo. 

— Floricultura? — Ele se surpreende.

— Há contratações novas na empresa. Bem, pelo menos as mulheres merecem um pouco, não é? — Questiono, vendo o seu sorriso se abrir.

— O Chefe se encantou por alguém novo da empresa? — Wendler tinha intimidade suficiente para tal pergunta, ele não era apenas um motorista. Era um amigo de longa data meu.

— Eu só quero causar uma boa impressão, Wendler. — Afirmo, ainda com os pensamentos voltados para ela.

Desde a morte de Sierra, três anos atrás, eu nunca mais me envolvi com uma mulher outra vez. Nem mesmo para algo casual. Mas eu confesso: havia algo no olhar de Anahi que me chamava atenção. Era uma doçura de menina incorporada a uma atitude de mulher e um intelecto admirável. Há poucas como ela no mercado de trabalho.

Ao parar na floricultura fui pessoalmente até o balcão pedir ajuda a responsável pela loja. Era uma mulher jovem, deveria ter seus vinte anos, mais ou menos. Provavelmente filha do dono da loja, supus.

— Gostaria de um bouquet de flores vermelhas, mas não sou bom em escolher. — Falei, um pouco vermelho.

— Alguma ocasião em específica? — Ela pergunta para tentar me ajudar.

— Não necessariamente... Mas busco algo exótico, entende? — A jovem parece confusa, sem saber como me ajudar corretamente. — Você teria algo italiano?

Eu realmente não levava jeito para aquilo, mas queria impressionar a nova contratada da PAVAN. Seu curriculo não precisava destacar as suas origens italianas, a sua aparência única já era chamativa o bastante, tão bonita quanto uma noite em Verona. Entretanto, comprar as flores para Anahi não era apenas um sinal de respeito e agradecimento pela sua chegada na empresa, mas também, um símbolo do meu carinho pela figura que seu nome representa. Lembrar de minha avó me trouxe boas memórias; espero, ao entregar-lhe flores, trazer-lhe bons pensamentos também.

Retornei ao carro com um bouquet de Dálias Marinas Vermelhas. Não era uma flor típica, mas era algo comum na Italia, disse a vendedora. Não quis confirmar, mas o cheiro que elas exalavam perfumou todo o carro.

— A contratada deve ser muito especial. — Wendler brincou. — Parece que o senhor comprou uma perfumaria inteira.

Ignorei a brincadeira de Wendler quando a notificação da resposta de "bom dia" de Anahi apitou em meu telefone. As bochechas coraram, e os lábios apertados se esticaram para formar um sorriso despretensioso em meu rosto. Visualizei a mensagem prontamente, enquanto o telefone marcava meia hora para às oito. 

Anahi me respondeu de uma forma seca, a princípio. Ela ainda estava terminando de digitar, o que me impediu de dar outra resposta. Foi quando notei, com a mensagem que chegou, o emoji de lábios vermelhos finalizando a frase enviada a seguir.

"Bom dia.

Que essa parceria nos traga sucesso!"

Dizia a mensagem, que segundos após, ela editou, retirando o emoji.

Por quê?

Ela o teria colocado errado na frase ou modificou para não ser mal interpretada?

Olhei para as flores em cima do banco do carona. Agora me pergunto se estou me precipitando em entregá-las a ela.

De qualquer forma, Anahi havia mexido comigo. E eu preciso saber se o sentimento é recíproco. 

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