4 - Cavalo de Tróia

POV - Anahi

Cravos. Dálias. Girassóis. Margaridas. Orquídeas. Rosas. Tulipas. Eu odeio todos os tipos de flores. Mas recebê-las no momento da apresentação aos funcionários arrancou um sorriso genuíno de meus lábios. Bethoven estava realmente disposto a me agradar. Seja pela mensagem editada propositalmente com um batom vermelho ou pelo meu comportamento atrativo. O que ele não sabia era que a flor tinha seus espinhos.

Na sala, estavam todos reunidos antes de começarmos o expediente: Bethoven, o CEO; Oliver, o Vice Presidente; Felix, o Diretor Financeiro, Salma, a Diretora de Marketing; Nestor, Diretor de Tecnologia; Levi, do RH; Andreas, diretor de Relações Internacionais, alguns funcionários e secretários como Luigi. Todos brindavam pela nova etapa que a empresa iniciaria. 

— Será inesquecível! — Salma brindou a taça com os demais. *Eu concordo, querida. Será.

— Seja bem-vinda, Anahi. — Cumprimentou a mim o vice presidente. 

Todos foram bem simpáticos, com exceção de dois: o Diretor Financeiro e o de Risco. Adele, a mulher responsável pelo jurídico também não parecia querer muita conversa, mas não somente comigo. Seu olhar antipático denotava que não gostava de festas. Foi a primeira a se retirar e voltar para a sua sala.

Recebi um olhar de Bethoven que apontava para a sua sala. Deixei a taça com os demais, enquanto passava pela multidão de funcionários que comemorava antes do expediente começar. Ao adentrar na sala, já vi o bilionário sentado em frente ao laptop com alguns papéis em sua mesa.

— Bom dia, Anahi. — Ele disse sem olhar em meus olhos. — Mais uma vez, bem vinda a empresa. — Ele pegou os primeiros papéis e me entregou. — Essas são algumas pendências que estamos tendo atualmente.

Dei uma olhada por cima, folheando, antes de dar-lhe uma resposta.

— Apenas para conferir como os setores estão se desenvolvendo. — Ele resumiu.

— Obrigada... — digo, corando as bochechas propositalmente. — Pelas flores. Elas são lindas. — Sorrio, voltando a olhar para os papéis.

— Fico feliz que tenha gostado. — Ele sorriu para mim.

Me levantei para sair da sala, estava na hora de começar a trabalhar de verdade e procurar as brechas que eu precisava para afundar aquela empresa. Assim que toquei a mão na maçaneta, o escutei pronunciar meu nome, outra vez.

— Anahi. — Ele me chamava de volta. — Se não for abusar da sua boa vontade... — Ele emitia seu sorriso outra vez.

— Sim? — Perguntei, passando a mão pela franja.

— Meu filho fará dezoito anos em três dias e eu... Estive ocupado demais para lembrar. — Ele respira fundo. — Consegue resolver para mim?

— Já falou com Luigi? Ele parece ser do tipo organizador e bem... Festas, deve ser a cara dele. — Sugeri.

— Peço para que fale com ele. — Ordenou. — Por favor.

Consenti.

— Salões? Quantidade de convidados? — Pergunto.

— Apenas para os amigos íntimos. Te informarei por e-mail. — Ele confirmou.

— Mais alguma coisa?

Notei que a sua mão por cima do touchpad parecia nervosa, tocando como se fosse piano. 

— Na verdade, sim. Você talvez, possa me ajudar... É que bem... Eu não sei ainda como lidar com essa geração nova, entende? — Ele coça a cabeça confuso. — São muitas novidades para mim.

— Senhor Bethoven... — Me sento na cadeira à sua frente, colocando a mão em cima da sua nervosa. — Você pode contar comigo para o que precisar. — Digo olhando em seus olhos. Afasto a mão, lentamente, levando até o rosto, fingindo ter sido um acidente. — Perdão. — Falo baixinho, quase inaudível.

— Obrigado, Anahi. — Ele sorri. — Se você puder comparecer... Sabe, na festa. — Ele fala, sem jeito, me convidando. — É uma festa para jovens e tirando seu amigo Luigi, dificilmente eu vou ter com quem conversar.

— E a sua família? — Pergunto.

— Eu duvido que Luigi irá querer vê-los após o que aconteceu com sua mãe. — Ele sugeriu. — Posso estar ausente, mas ainda sei o filho rancoroso que tenho.

— Senhor Bethoven, eu não tenho filhos, mas eu posso dizer que tenho experiência. Já fui babá uma vez, quando ainda era menor de idade. — Ele olha para meus lábios, atento em minhas palavras. — Se tem uma coisa que as crianças querem, é atenção. Então, dê para eles.

Ele balançou a cabeça, confirmando.

Quando o silêncio tomou conta, me levantei e me retirei da sala, notando que a festa do lado de fora já havia acabado. Os grandes chefões da PAVAN Co. haviam retornado para suas salas enquanto os secretários, liderados por Luigi, faziam a limpeza da área rapidamente.

— Luigi. — O chamo, apontando com a cabeça para a minha sala. Ele me segue, entrando.

— Diga, majestosa. — Ele se senta a minha frente.

— Bethoven quer que você organize a festa do filho dele. Já estou enviando as informações para você. — Falo enquanto digito rapidamente. — Faça a melhor festa da sua vida. Você terá recursos financeiros para isso.

— Você está brincando? — Ele fala ao abrir o e-mail no telefone. — Eu organizando uma festa naquela mansão?

— Muita areia para o seu caminhão?

— Nunquinha! — Ele se levanta comprometido. — Se tem algo que Luigi faz melhor que organizar bagunça, é organizar uma festa. Este pirralho terá os melhores dezoito anos de sua vida! — E saiu imitando passos de balé.

O primeiro dia que passei na PAVAN Co. foi completamente focado em minha missão. Li, atentamente, cada exigência sobre cada setor e organizei por planilhas, afim de buscar as resoluções que Bethoven precisava. Antes de pensar em fazer qualquer mal para ele, precisava ter a sua confiança cem por cento. É assim que eu ajo.

Os que sabem da minha fama não associam meu título de Assassina de Bilionários à letalidade. Matar é algo fácil, uma arma consegue fazer. Eu não sou uma arma, sou mais do que isso, sou uma mulher. O revólver só dispara a bala. Eu sou uma munição inteira mas o meu dano não é imediato. Que graça teria estourar os miolos de Luigi? Ser uma Assassina de Bilionários significa muito mais do que isso. Significa estar dentro de sua vida e encontrar cada rachadura possível, transformando-a num abismo. É o que eu tenho feito por anos.

É provável que algumas pessoas saiam feridas nesse processo? Sim, por que não? É provável que alguém morra? Muito provável. Porque quando se trata de vingança, não é sobre o resultado que se obtém. É sobre o quanto de dor permanente você consegue causar.

E eu acabo de encontrar a minha primeira rachadura.

Felix Vitorio, o Diretor Financeiro. Interessante. Justamente um dos únicos que não teve coragem de me cumprimentar ou me parabenizar. Seu ego não deve permitir que jovens mulheres assumam altos cargos. Mas com certeza os índices que tenho visto nos catálogos recentes da empresa não parecem tão altos quanto o cargo que ele possui. É claro que não há uma diferença absurda, mas, olhando atentamente, me parece que algumas porcentagens não batem.

Preciso averiguar.

Envio uma mensagem para Nestor Zanini, exigindo que compareça à minha sala, o que não demora mais do que cinco minutos. O responsável pelo setor tecnológico da empresa, sem dúvidas me trará as informações que preciso sem que eu precise de fato averiguar cada desvio.

— Anahi? — Ele entra após bater na porta, fechando-a, se aproximando de mim e sentando na mesa.

— Eu preciso de um favor. — Digo virando o laptop para ele, que cobre o rosto. 

Nestor olha para os lados, em direção à câmera e inclina o rosto.

— Eu já lhe coloquei na empresa, não? — Sussurra. — Não lhe devo mais favores.

Nestor é o meu Cavalo de Tróia. A arma que foi enviada antes do golpe mortal. Nos conhecemos há mais tempo do que nomes que eu possa ter. Já cobri favores dele e ele já cobriu favores meus. Mas desde que se casou e teve sua primeira filha, decidiu abandonar a vida que levava. Uma escolha não tão sábia. Você pode fugir do seu passado, ele não voltará. Mas você não pode fugir de uma cobrança, essa sim, estará com as mãos fechadas para bater na sua porta.

— Me colocou? — Eu me levanto. — Você me alertou da vaga, querido. O resto eu fiz sozinha. — Ele olhava para a câmera novamente. — Se você continuar olhando, vai parecer suspeito. — Digo sem mover um músculo de meus lábios, ainda com um sorriso no rosto.

— O que você precisa? — Ele relaxa na cadeira, aceitando a imposição.

— Felix Vitorio. — Mostro os gráficos para ele. — Há uma discrepância nas porcentagens desta tabela para esta outra. 

— Dois porcento de diferença. — Ele argumenta, analisando. — Não me parece muito.

— Quando se analisa friamente. — Clico para exibir os gráficos anualmente. — O que acha agora?

— Filho da... — Ele interrompe o palavrão. — Dois porcento, três, dois, quatro porcento.

— De grão em grão a galinha enche o papo. — Sorrio. 

— Você irá enviar isso para o Bethoven? — Ele questiona, voltando para a posição inicial na cadeira.

— Vocês quarentões são muito óbvios. — Me coloco em sua frente, sentando na mesa. — Assim seria muito fácil, querido.

— E o que você pretende fazer? — Ele pergunta.

— Não é a parte que lhe interessa. — Sorrio. — Mas eu preciso que entre no sistema dele.

— Eu não tenho acesso. — Ele justificou.

— Eu sei. É um favor. — Confirmo o fazendo revirar os olhos.

— Eu não faço mais isso, Anahi. — Ele sussurrou com raiva. — Eu tenho uma família agora.

— Considere a sua saideira.

— Por que eu ainda trabalho com você, Anahi? — Ele se levanta. — Até às oito eu te entrego.

— Até às sete. — Dou um tapinha em seu ombro e volto a me sentar em minha posição de liderança, voltando a analisar os dados enquanto ele se dirige para a porta.

— Depois disso, nossos favores estarão terminados. — Confirmo com a cabeça até que ele se retire.

Ao abrir as planilhas e observar os gráficos mais atentamente, começo a utilizar a calculadora para fazer a conta da quantia que desconfio ter sido desviada. O homem não foi apenas delinquente em entregar amostras com margens distintas, que inclusive, estavam bem expostas. Seu principal erro aconteceu dez anos atrás. Esses são os arquivos que mais anseio em observar.

Uma vez que o Diretor Financeiro cair, todo o resto sofrerá do mesmo efeito dominó.

Leia este capítulo gratuitamente no aplicativo >

Capítulos relacionados

Último capítulo