2 - A Coruja

POV - Anahi

Adagas. Clavas. Espadas. Fundas. Machados. Punhais. Tridentes. Ao redor das histórias, guerreiros usaram grandes armas para derrotar seus inimigos. Mas até os dias de hoje, nenhuma espada se tornou maior que o poder escondido atrás do olhar. E quanto mais olhos, mais armas você tem. Ao entrar em uma guerra, você nunca deve entrar sozinho. Você precisa ter um aliado. Ou como eu prefiro chamar, uma coruja. Alguém que veja quando você não estiver presente para ver.

Enquanto entrevisto a décima sétima candidata, Leah, uma garota de cabelos loiros curtos e um entusiasmo exuberante, noto os olhares de Bethoven, sentado à direita em uma das poltronas para me avaliar. Seus olhos percorrem as coxas da garota como uma raposa caçando sua presa. Apesar do bom currículo, ela será dispensada. Os olhares daquele homem só terão direção para mim.

Leah, apesar de nervosa, terminou a entrevista recebendo um aperto de mão do CEO, saindo pela porta enquanto o candidato seguinte ainda não entrava na sala. Estranhamente, nenhuma das outras dezesseis concorrentes havia recebido quaisquer contato físico do homem. Ela era sua favorita, visivelmente. Mas eu faria um grande favor para ela em não contratá-la.

— Desculpa o atraso. — Entrou o rapaz alguns minutos depois que Leah saiu, sentando-se. Bethoven o fitou de cima para baixo, incomodado com a roupa que ele vestia. A calça preta, cheia de furos e o cinto com spikes não eram pior do que o cropped que exibia sua barriga magrela.

— Luigi Fabiani, certo? — Pergunto, conferindo os dados através do monitor. Era o último currículo do dia.

— Isso! — Ele confirmou, sentando-se.

— Interessante, você acabou de terminar um estágio. O que te motivou a sair de lá?

— O contrato acabou. — Ele justificou. — Eles preferiram não renovar. — Concluiu.

Notei que Bethoven ajeitou a gravata e abriu as pernas, de forma que seu saco volumoso ficasse bem exposto entre a marca do tecido. A questão era que o tom de voz do Luigi era mais feminino do que o de Leah. Não somente, o jovem de cabelos encaracolados se expressava bastante utilizando as mãos, quase que de maneira performática. Ele também tinha a mania de vez ou outra passar a mão por trás da orelha, como se estivesse ajustando um longo cabelo, tal como uma mulher fazia.

— E por que você gostaria de trabalhar na PAVAN Co.? — Repeti a pergunta pela décima oitava vez.

— Essa empresa é babado, né? — Ele falava de maneira completamente informal, e a gíria fez Bethoven olhar para mim com os olhos esbugalhados. O homem engravatado estava tão vermelho que parecia ter comido um crustáceo. — Se eu entro aqui, meu amor, é sucesso na certa!

— E qual a sua maior qualidade, Luigi? — Bethoven interrompeu, fazendo a pergunta no meu lugar, acelerando o processo.

— Or-ga-ni-za-ção. — Ele citou cada sílaba separadamente. — Meu bem, eu vi aquela papelaria ali toda jogada no chão. Deus me livre ficar num lugar assim! — Ele exclamou como se um pecado capital tivesse acontecido. — Sem querer ser fofoqueiro, mas se eu fosse o CEO daqui, eu mandaria quele povo da impressão tudo embora. Ô lugar bagunçado!

— Bom, o RH entrará em contato com o senhor em breve. — O CEO se levantava em direção a porta, abrindo-a, convidando o candidato a retirar-se antes do fim da entrevista. Luigi estava fora de sua consideração.

— Nossa, mas já? Tá bom, foi um prazer conhecer vocês. Querida, amei a franja, viu? — Ele se despediu de mim enquanto passava pela porta, me mandando beijos, mas ignoro. Bethoven se dirigiu até a mim soltando todo o ar que prendia, respirando aliviado, como se estivesse se afogado nos últimos minutos. Eu permanecia concentrada, reunindo as informações que havia obtido dos candidatos.

— Depois dessa... — Ele voltou a sentar-se na cadeira principal, de onde saí. — Acredito que o resultado seja perceptível, mas espero ouvir a sua opinião para saber se realmente tem a capacidade que espero.

— Temos candidatos bem fortes, com currículos dinâmicos aqui. — Argumento, exibindo-os na tela. — Mas um candidato foi o que mais chamou atenção, principalmente pela sua naturalidade. — Destaco.

— Certo. Qual? — Ele ansiava que eu lesse os seus pensamentos.

— O último. Luigi Fabiani. Ele tem um bom histórico, apesar de não muita experiência, e parece uma pessoa espontânea. — Argumento neutra.

— Você está brincando? — O vejo ficar vermelho de raiva. — Ele foi completamente... — Fiquei encarando-o, à espera de algum adjetivo pejorativo. Mas ele respirou fundo, desabotoando também o primeiro botão da blusa e recostando mais ainda as costas na poltrona. Minha escolha havia deixado o bilionário completamente desconfortável. — O que acha da garota anterior a ele, a loira?

— Ela estava bem segura. — Argumentei. — Mas não é o perfil da empresa.

— E por que acha isso? — Ele franziu a testa, surpreso.

Me levantei lentamente, me colocando atrás de Bethoven, com o corpo inclinado para expor o currículo de Leah na tela, juntamente de fotos dela em suas redes sociais. A garota, que trabalhava como modelo nas horas vagas, tinha curvas bem específicas em seu corpo. Minha intenção era provocá-lo.

— Ela é bonita demais, não acha? — Faço a retórica. — E nesta empresa, bem, temos homens demais. — Sorrio. — Não seria interessante para a dinâmica do grupo ter uma mulher que chamasse atenção demais na equipe... — Falo cautelosamente ao olhar diante dos seus olhos. — Percebe quantas vezes precisei falar a palavra "demais"?

— Hm. — Ele parece entender meu raciocínio. — O que teme?

— Eu estou na área corporativa há anos, senhor Bethoven. — Digo me sentando na mesa, de maneira ousada, ficando em frente a ele com as pernas cruzadas, tendo o olhar do homem voltado para aquela região da minha calça apertada. — Você sabe quantas propostas eu recebi de homens vinte anos mais velhos do que eu?

— Não imagino. — Ele direcionou seu olhar de volta para a tela.

— Demais. — Repito a palavra. — Mas nem todas as garotas da minha idade tem a perspicácia de dizer não para alguém de cargo superior, por exemplo. — Me levanto da mesa. — Essa garota aqui poderia causar muitos problemas. É melhor evitar.

— Você está correta. — Ele abaixou a cabeça, fechando o perfil da moça na rede social. — Mas realmente, a melhor opção que temos é o último?

— Eu não estou escolhendo a melhor opção, senhor Bethoven. — Me sento na cadeira novamente. — Mas a que vai nos ajudar.

— Você está dizendo a respeito da bagunça do escritório? — Ele questiona, retirando o terno e o colocando na cadeira.

— Eu estou dizendo que hoje em dia toda empresa tem um funcionário LGBT, senhor Bethoven. Você sabe do que eles chamam na internet? Representatividade e inclusão... — Ele parece curioso com as palavras que cito, atento a forma como meus lábios se movem. — Mas sabe do que eu chamo? Oportunidade e bonificação.

Ele exibiu um sorriso satisfatório no rosto.

— Você é visionária, Anahi. — Ele se aproxima de mim, voltando a abotoar a parte da camisa. — Está contratada.

Sorrio de canto da boca, mostrando a inocência novamente.

— Sabe... — Ele continuou se aproximando de mim. — Eu sabia que alguém com o mesmo nome que a minha avó não decepcionaria. Você foi uma boa coincidência. — *Eu disse que a escolha do nome havia sido calculada meticulosamente.

— Eu darei as boas notícias ao Luigi. — Confirmo.

— Mas antes, esteja aqui amanhã às 8h, eu te apresentarei a equipe no início do expediente. — Ele anunciou. — Seja bem vinda à PAVAN Corporation. — Ele estendeu a mão para cumprimentá-lo, e assim o fiz.

Ao chegar em casa, abro os trincos do apartamento, tirando aquela calça apertada imediatamente, juntamente da blusa que impediam meus peitos de respirarem, antes mesmo de voltar a trincar a porta. Ficando somente de calcinha e sutiã, observo quando Luigi aparece folgado, usando apenas uma cueca boxer, com uma taça de sorvete em suas mãos e se senta no sofá, assistindo uma das séries LGBTs que a PAVAN Play disponibiliza em seu catálogo.

— O quanto você mentiu no meu currículo? — Ele pergunta, saboreando o creme da colher.

— O suficiente. Você está contratado. — Dou-lhe a notícia, voltando a pegar a calça para estendê-la no sofá.

— Mentira? — Ele leva um susto. — Aquele salário gordo vai ser só meu? — Ele quase dá um salto do sofá.

— Você sabe que o dinheiro nunca foi um problema pra mim. — Respondo. — Mas sim, e obrigada por aceitar fazer parte disso... corujinha. — O agradeço de forma sincera.

— Eu realmente achei que dessa vez você não conseguiria, Petra. — Ele debochou, pegando mais sorvete da taça. — Ou devo dizer, Anahi?

— Me subestimou outra vez, Luigi? — Questiono.

— Eu só me pergunto... — Ele fala se levantando enquanto saboreia o sorvete, me rodeando. — Como a Assassina de Bilionários vai lidar com um bofe tão... Escândalo!

— O que quer dizer? — Olho para ele pela franja da testa.

— Eu a vi destruir a reputação de grandes homens, mas quase todos velhos ou pançudos. — Ele se sentou no braço do sofá, ficando abaixo da minha visão. — O que fará agora com um dos homens mais bonitos do país?

Cerrei os olhos, incrédula. Eu jamais veria Bethoven daquela forma. Eu não sou hipócrita. Não há problema algum em misturar trabalho com prazer. Inclusive, isso o torna melhor. Durante meus anos como infiltrada nas diversas companhias, estive na cama de diversos bilionários. Mas todos eram vítimas de meus clientes. Bethoven é diferente. Ele é uma vítima minha. A vingança que busco é pessoal.

— Antes que comece a gracinha, eu ainda tenho um trabalho pra você fazer. — Pego dentro da minha bolsa um cheque com uma quantia especial, mudando a direção do assunto. — Deposite amanhã nesta conta que está indicada.

— Tenho até medo de perguntar para quem é. Dinheiro sujo novamente? — Ele indaga, se refusando a pegar o valor.

— A sua vaga precisava ficar liberada de alguma forma, não? — Insisto em entregar o papel a Luigi.

— Quinhentos mil, Anahi! — Ele fica tão surpreso que a colher cai no chão. — Isso aqui tem fundo?

— Faça o depósito logo pela manhã. A garota está mandando mensagens, nervosa por ter pedido demissão. Como se a quantia que eu a dei de entrada já não fosse o suficiente. — Reviro meus olhos.

— Pode deixar. — Ele confirma, guardando o talão.

— E Alison, como está? — Pergunto sobre minha irmã.

— Na mesma. Dei a medicação assim que cheguei. Deve estar dormindo agora.

— Bom, já está na hora da colostomia. Se me dá licença. — Digo me dirigindo ao quarto.

— Fecha a porta, por favor! — Ele diz tampando o nariz.

Ao caminhar para o quarto, coloco uma máscara e fecho a porta para realizar o procedimento. Não tenho nojo, não de ter que depositar na bacia as fezes e urina de minha irmã retiradas da bolsa de colostomia. A repulsa que sinto vem daqueles que a deixaram nessa situação e estão ostentando em iates e jatinhos. Esses sim merecem o meu desprezo. Enquanto termino de fazer a troca da bolsa que liga até o seu intestino grosso, a permitindo evacuar, a observo descansar, sem esboçar qualquer reação. Esta não é uma forma digna de se viver.

Estou certa de que Bethoven pagará pelo o que fez.

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