Assassina de Bilionários
Assassina de Bilionários
Por: André Azevedo
1 - Entrevista com o CEO

POV - Anahi

Athena. Diana. Elektra. Joan. Monalisa. Nikita. Petra. Rebeca. Samira. Tahani. Ao longo dos últimos quinze anos, essas foram algumas das identidades que assumi em meus trabalhos. Em algumas culturas, acredita-se que o nome de uma mulher reflete sua autenticidade e como ela se manifesta no mundo. Eu discordo. Reduzir os valores de uma mulher ao seu nome é minimizar suas conquistas; é nos simplificar à única posse que não tivemos o direito de escolha: o nome. Por isso, a cada missão, escolho uma identidade diferente. Por agora, podem me chamar de Anahi.

Apesar de não ser do meu fetiche repetir a letra inicial dos nomes que uso em meu trabalho, acreditem, logo vocês descobrirão o motivo de minha pertinente decisão.

Hidratante. Protetor Solar. Corretor. Primer. Sombra. Delineador. Base. Pó Facial. Batom vermelho. E um pouco de blush rosado nas bochechas. Esses dois últimos são fundamentais: enquanto o batom fortifica a sua imagem de amadurecimento, o blush suaviza o seu intelecto. Quanto mais rosado, mais inocente você é. Mas não exagere, você não quer soar tão infantil, apenas jovial.

Arrumo a minha franja em frente ao espelho. Não para deixá-la bonita, mas para bagunçar, permitindo um pequeno espaçamento entre os dois lados. Se você parecer perfeita demais, eles buscarão algum defeito. Então, deixe o defeito escancarado. Mas não qualquer um: aquele defeito que pode ser modificado, que eles podem ajustar. Em uma entrevista de emprego, você não quer que as suas pernas trêmulas ou o suor do seu corpo sejam o centro da atenção. Dê uma distração para eles.

Mas esta não é uma entrevista de emprego comum. Eu já fui qualificada em todas as etapas anteriores. A essa hora, deveria estar assinando o contrato para me tornar a Diretora de Operações da PAVAN Co., mas o CEO exigiu uma entrevista reservada com ele antes de me habilitar para o cargo.

Eu imagino o motivo: a idade adulterada em meus documentos mostra que tenho apenas 28 anos. Mas o meu nível de experiência comprovada, trabalhando nas mais diversas multinacionais do Brasil, me destaca entre as candidatas da minha idade e principalmente das mais experientes do que eu. É claro que tudo que está no meu currículo é uma mentira, mas quem nunca mentiu para se admitir em algum emprego? Eu só acrescentei informações um tanto... Valiosas.

Retorno para a sala reservada da empresa. Pela janela de vidro, vejo o desastre que ocorre do outro lado da parede. Funcionários desesperados e papéis voando para todos os lados. Um desespero que vai além do emocional chamado sobrecarga. Toda multinacional tem, por que a PAVAN Co., dona do maior serviço de streammings do país, não teria?

Olho para o meu currículo e seguro a vontade de rir para parecer mais centrada em frente à câmera no canto superior que busca o meu foco o tempo todo. As informações que coloco em meu currículo não são frutos de longos anos de trabalho corporativo, mas de prestação de serviços. Eles podem checar, haverá alguém para confirmar. Alguém que me deve um favor. É assim que eu trabalho.

— Anarri Picetti. — O homem engravatado, com um terno azul-escuro e calças pretas entra, suando, dirigindo-se para a cadeira por trás da mesa, apressado.

— Anahi. — Corrijo a sua pronúncia errada de meu nome, mas sem confrontá-lo.

Ele pausa por um segundo antes de se sentar na cadeira giratória, engolindo a seco a sua pressa pelo pomo de Adão. Bastou corrigi-lo com um sorriso delicado e um tom de voz amigável para quebrar o seu semblante arrogante, ou instigá-lo. Honestamente, eu achei que demoraria mais.

— Sou Bethoven Belisario. — Ele se apresenta, abrindo o laptop para verificar o meu currículo, ignorando a minha atitude em corrigi-lo. — O CEO da Pavan Co. — *Sim, o maldito.

— A senhorita deve indagar o motivo desta reunião... — Ele diz ao mexer no laptop e finalmente, me encarar nos olhos. Da mesma forma, reparo no rapaz. Não imaginei que seria tão bonito, confesso. — Usualmente, as etapas terminam com o setor de RH, mas um impasse me chamou a atenção no seu currículo.

— Sim? — Questiono, fascinada pelos seus olhos azulados, tão claros que quase chegam a acinzentar.

— 28 anos? — Ele olha para mim, franzindo a sobrancelha, em busca de uma resposta. — Mas um currículo impecável para muitas senhoras de 40, eu diria.

— Obrigada pelo complemento. — Agradeço. — Posso dizer que todas as oportunidades que tive, da graduação às especializações e aos estágios, agarrei com todas as oportunidades. — Tento ser o mais clichê possível. Eles amam quando parecemos animadas pela vaga, os faz ter a sensação de controle que o cargo exige.

— Você estagiou em empresas muito boas, inclusive, algumas concorrentes. — Ele fala com um sorriso que destaca a sua barba quase grisalha. — O que busca na PAVAN Co.? — *Vingança.

— O senhor consegue se lembrar onde estava há dez anos atrás? — Olho para ele, com um tom provocativo, disfarçado pelo enchimento das bochechas que destacam o blush.

É claro que ele sabe onde estava dez anos atrás.

Há dez anos atrás, Bethoven Belisario, um homem de 28 anos estava bêbado em uma festa universitária. Não contente em estragar toda a reputação de seu pai esbanjando riqueza com carros e cruzeiros, ele precisava estragar também a vida de minha irmã.

No fatídico 19 de abril, Bethoven, ficante de minha irmã Alison, curtiram a festa com muito mais do que álcool, drogas e diversão, mas com uma imprudência que arrebentou para o lado mais fraco. Minha irmã dizia que ele tinha um espírito livre, rebelde e que não condizia com a sua classe social; tão solto que o fez perder o controle do volante no acidente que foi acobertado por seu pai, seu advogado e toda a mídia. Um escândalo envolvendo uma menor de idade acabaria com a empresa que estava no pico do mercado.

Aos 17 anos, minha irmã ficou tetraplégica. Ele, como todo homem, fugiu. A empresa, em troca de silêncio, e por meio de uma ação jurídica privada — iniciada por eles mesmos — se ofertou para cobrir com trinta mil reais mensais todos os gastos que a minha irmã teria por toda a sua vida. Naquela época, eu já não estava mais no Brasil, estudava tecnologia e informação nos Estados Unidos. Então, minha mãe se tornou a única responsável legal por todo o dinheiro que eles enviavam.

Duas semanas atrás, minha mãe faleceu, causando meu retorno ao Brasil e consequentemente à tutela de minha irmã, que agora vive comigo, também sob uma nova identidade.

A migalha que eles ofereciam para a minha mãe, comparada ao que empresa faturava mensalmente, não é o que me importa. Nunca tive problemas com dinheiro e aos poucos fiz meu patrimônio. Mas o dinheiro não pode comprar uma coluna nova para minha irmã, tampouco a sua juventude perdida, ou seus sonhos de maternidade. Esse preço, apesar de incontável, tem um valor. O valor que eu os causarei com minhas mãos.

— Há dez anos eu assistia as primeiras séries da PAVAN Play, sonhando com o dia que estrelaria um dos filmes de comédia romântica que passavam. — Não deixei que ele respondesse a pergunta, dando-lhe a resposta mais fútil possível.

Ele pareceu aliviado em ter sido cortado, mas não escondeu o olhar decepcionante em minha resposta. Era como se ele soubesse que existia uma imaturidade dentro de mim, apesar de todo extenso portifólio que eu carregava. E era exatamente o que eu precisava que ele enxergasse dentro de mim: a ingenuidade que carregamos no fim da casa dos vinte.

— E por que desistiu da carreira de atriz? — Ele perguntou ajustando a gravata, parecendo incomodado com algo.

— Era um sonho bobo. — Justifiquei. — Mas sabe, senhor Bethoven... — Fingi que daria uma grande resposta para ele. — Apesar de ser um sonho bobo, eu sei que muitas garotas estão por aí com o mesmo sonho que eu. E talvez, trabalhando aqui, eu consiga ser capaz de transportar a mesma magia que antes eu via nas telas de streamming, mesmo que pelos bastidores. — Falei, com uma felicidade em meu rosto.

— Você tem boas motivações, Anahi. — Dessa vez ele acerta meu nome. — Mas eu ainda não estou convencido. — *É claro que não está, eu não quero que esteja. — Então... — Ele se levanta e contorna a mesa, se colocando de pé e me fazendo olhar em seus olhos a medida que me levanto à sua altura. — Por que eu confiaria a uma jovem mulher o segundo cargo mais importante da empresa?

Sorri, internamente.

— Porque você não confia nas pessoas que trabalham com você, senhor Bethoven. — Respondi o encarando, fazendo com que a feição jovial sumisse.

O homem me olhou de cima a baixo, como se buscasse por algo, encontrando a sua resposta em minha franja bagunçada, sem conseguir me olhar nos olhos. Notei que ele apertou os lábios, nervoso, mas eu havia dado a resposta exata para o que ele buscava.

— Como pode ter tanta certeza? — Ele indaga, escondendo o nervosismo com a mão nos bolsos da calça social.

— O Diretor de Operações, senhor, pela experiência corporativa que eu tenho, é o braço direito do CEO. — Ele assente com a cabeça, tirando uma das mãos para coçar o queixo e retomar ao seu lugar. — E se a vaga foi disponibilizada, é por que, bem, talvez não haja um braço direito para o senhor aqui... Ainda.

— E o que faria você ser? — Ele pergunta ao se sentar.

— Eu não tenho apenas o currículo de uma senhora de quarenta anos. — Parafraseei as suas palavras, inclinando meu corpo em sua direção à mesa. — Mas também a lealdade de uma garota da minha idade.

E lentamente puxei a cadeira para voltar a posição inicial.

— Certo, senhorita Anahi. — Ele tentava esconder a satisfação em ouvir as minhas palavras por trás das bochechas coradas. — Eu a contratarei se a senhorita realizar uma pequena tarefa.

— Em que posso ser útil? — Pergunto.

— Eu preciso de uma secretária nova. A anterior pediu demissão ontem e o responsável pelo RH não está muito bem de saúde. A senhorita entrevistaria as candidatas para mim, por favor?

— Quando eu começo? — Sorri.

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