Quanto tempo você precisaria para destruir tudo em sua vida? Eu precisei de quatro segundos... Quatro segundos foi o tempo que dormi ao volante e sem poder voltar, fiz um belo salto por cima daquela cerca de um metro e meio com um giro de cento e oitenta graus, após ter invadido a pista da contramão. Aquilo pareceu coisa de cinema e para minha sorte não sofri nenhum arranhão. Quando saí do carro e vi o estado que ele havia ficado, quis morrer. Um Volkswagen Gol 1.0 reduzido à sucata, e eu, perdido naquela estrada escura, sem sinal de rede celular ou esperança de alguma alma bondosa que me socorresse. Aquilo – aquele acidente – não me causou danos na carne, mas por baixo dela. Nunca imaginei que a culpa poderia doer tanto... Que pudesse causar estrago tão grande num ponto invisível, não tangível de meu ser.
Quando estava a duas quadras do meu destino recebi uma ligação de Léa – a babá de Isabela desde o berço – muito surpresa com os meus relatos, dizendo que estava tendo o que ela chamou de "alucinações" em diferentes horários do dia, ouvindo uma voz dizer a mesma frase: "Estamos ficando sem tempo!".
Sem tempo para o quê? – pensei já nervoso.
– Léa, o que houve com Anne? Onde está ela? Por que você está com o celular dela? – questionei intrigado.
– Não sei Rick! Ela simplesmente chegou do trabalho, me pediu para ficar um pouco mais e disse que não demoraria, mas já faz mais de duas horas... Ouvi o recado que você deixou e achei melhor retornar a ligação! O que vamos fazer a respeito desses fatos estranhos Rick? – disse ela receosa.
– Não sei Léa, mas me mantenha informado de tudo que acontece por aí! Proteja minha filha! Entendeu?! – exclamei preocupado.
– Pode contar comigo Rick! Cuido dela como se fosse minha! Até logo... – disse Léa antes que desligasse.
Não entendemos nada, e tive que desligar.
Alivio foi saber que não estava ficando louco, e se estava, não estava ficando louco sozinho.
Muito bem. Chegando à Rua Kentworth, 12, me deparo com um clube abandonado, antigo, sujo, por todos os lados mato de meio metro de altura, um letreiro caído, suspenso por alguns ferros enferrujados saídos da estrutura da parede que dizia "Alienados", dividido em duas partes por estar quebrado, que se lia "Alien ados". Confesso que aquela mensagem subliminar me deu calafrios...
– Aliens agora? – pensei.
Aquela Rua Kentworth era composta por apenas uma quadra, e nela havia apenas aquele clube abandonado. Ele existia ali por pelo menos vinte anos que me lembre, e nunca o vira funcionando. Olhava para os dois lados aguardando que alguém me encontrasse do lado de fora.
Exatamente às vinte horas a porta de entrada é aberta pelo lado de dentro com alguma dificuldade, rangendo e arrastando as tralhas pelo chão.
Na hora me lembrei de pelo menos três filmes de terror onde a pessoa cai no erro de ir a um lugar perigoso e escuro, sozinha, por curiosidade ou burrice mesmo. Por precaução e é claro, por medo, resolvi voltar ali em outro momento com mais alguém ou quando fosse dia. Pareceu piada quando virei para trás e vi uma pichação no muro que dizia: "We're running out of Time!". Era a frase que Léa e eu estávamos ouvindo por uma semana já, porém em inglês. Li em voz alta, e da porta do clube uma voz gritou:
– Rick! Cuidado! Corra para cá!
Olhei para os lados e me deparei com criaturas que pareciam pessoas, mas com uma aparência deformada, corcunda e não muito amigável, mas como a rua estava muito escura e elas estavam cobertas por uma capa, não consegui discernir o que eram, apenas vi que eram mais altas do que eu.
Pareceu-me mais seguro entrar naquele clube velho do que esperar as criaturas chegarem até mim, e foi o que fiz. Aquela voz que me chamara pelo nome e que soou familiar me disse em voz baixa para segui-la, e disse que responderia à todas as minhas perguntas quando chegássemos a outro lugar, pois ali já não era mais seguro.
Seguimos rápido pelos corredores escuros daquele clube até sairmos pela porta dos fundos e pegarmos a avenida movimentada atrás do clube. Quando pude ver seu rosto, ela – sim, uma mulher – tinha o mesmo lenço no rosto e o mesmo cabelo que eu vira naquele sonho ou visão. Parei a caminhada, completamente intrigado e confuso, disse:
– Hei! Já te vi antes! Não sei o que está acontecendo e não tenho culpa de nada! Deve ser algum engano! Então vou para minha casa antes que...
– Por favor! – me interrompeu indelicadamente – e venha logo! Vocês estão profundamente envolvidos nisso! Não temos muito tempo! Rápido! – disse ela, intimidando e convencendo-me novamente a segui-la.
Raios! Lá estava eu seguindo uma estranha, dizendo que eu estava envolvido profundamente em algo que nem sabia o que era. E não tínhamos muito tempo... Essa frase já estava me perseguindo, e eu, ficando cada vez mais intrigado.
Depois de uma boa caminhada em direção a uma rodovia interestadual chegamos a um Café que havia sido fechado por falência há alguns anos. Entramos pelos fundos com uma chave especial que abria todas as portas, parecida com uma mixa usada por chaveiros. Ficamos escondidos e atentos por alguns minutos a fim de nos certificar de que ninguém tinha nos seguido.
Olhei para aquela moça e disse:
– Muito bem, agora quero minhas respostas! E pode começar me dizendo o seu nome!
Ela, com muita paciência, puxou o lenço tirando-o ao sentar em uma cadeira empoeirada. Então vi seu rosto. Ela aparentava ser jovem, com mais ou menos vinte e dois anos de idade, cabelos pretos e lisos até a metade das costas, orelhas lisas, sem aquelas dobras como as que temos. Sobrancelhas finas, olhos com pupilas da forma duma estrela de doze pontas e a pele da cor rosa claro, pouco mais baixa que eu, supunha ter um metro e sessenta e sete, com corpo em forma. Uma atenção ímpar, aparentemente aperfeiçoada, parecia que ela tinha a sensibilidade de sentir problemas à distância.
– Está bem. Não planejei como iniciar essa conversa, mas vamos lá – disse ela apoiando as mãos nas pernas ao se reclinar à frente – você me chamava de Baboo. Você e eu fazemos parte de uma equipe que deverá proteger a humanidade e algumas outras espécies.
– Eu o quê? A humanidade? Outras espécies? – falei pasmo ao recuar.
– Olha moça, Baboo ou como você preferir, deve ser um equívoco! O que eram aquelas coisas? Por que vieram atrás de mim? E por que te vi em um sonho? Eu não lhe conheço! – embora sua expressão me fosse familiar.
– Como poderia te chamar de Baboo? Que inclusive me parece mais um apelido... – concluí indignado.
– Isso é sério, e logo você vai entender muitas coisas! – disse ela conservando a paciência, encostando o corpo na cadeira – aqueles eram mortons – ela falou e aguardou alguns segundos, na esperança de que talvez eu recordasse de algo.
– Poxa, você não se lembra de nada mesmo, Rick?! – disse ela ao suspirar, levantando em seguida.
Sentei-me numa cadeira de frente para ela tentando aceitar toda aquela informação sem sentido.
– Aquele sonho que te incomodou há quase um mês foi obra dos mortons. Eles têm essa habilidade de se infiltrar em seu sonho e descobrir seus medos e seus planos através do subconsciente, que pode ser muito perigoso – explicou Baboo.
– Então eles vivem nesse tal reino dos mortos?! – questionei novamente, mais confuso ainda.
Baboo riu. E eu fiquei sem graça.
– Não é reino dos mortos... É reino dos "mortons"! – disse Baboo rindo da minha cara – eles são do planeta Teiton e têm uma aparência muito diferente do que você viu. Por isso, são estranhos. Tentam se adaptar para disfarçar, mas são muito mais feios do que você viu hoje. Acredite!
– Hum... Planeta Teiton? – questionei – não existe esse planeta em nosso sistema solar. Então estava errado todo esse tempo... – comentei olhando para o chão, pensativo.
– Se eles, esses tais mortons são os que têm o poder de invadir meus sonhos, então, por que você me ajudou em um sonho? – questionei-a suspeito ao andar em direção ao balcão coberto de poeira.
– Exatamente! – concordou Baboo – o planeta Teiton não fica nesse sistema solar, fica a três sistemas daqui. Os mortons estão atrás de você, assim como eu, pois você é o líder da sua espécie e da equipe... E não fui eu quem invadiu seu sonho! Foi seu subconsciente que criou aquilo! – disse ela ao levantar-se e aproximar-se de mim.
– Espere um pouco – parei a conversa – você disse que fazemos parte de uma equipe que deve proteger a humanidade antes que ela seja dizimada, certo? Proteger dos mortons? Dizimada por eles? Por que eles pretendem nos matar? – perguntei ansiosamente.
– Isso! – confirmou Baboo – nossa primeira missão é protegê-la. Temos muito mais pela frente. Vocês ainda não sabem, mas a raça humana vai habitar outros planetas, e eles não serão desse sistema, pois nenhum outro planeta do seu sistema possui matéria orgânica, oxigênio, gravidade e água que possa sustentar a vida humana. Nenhum outro planeta é habitável. Por isso devemos ir até "Ghore", outro sistema solar. Lá temos muitos planetas que podem ser habitados pela espécie humana.
– Espere. Eu não sou o líder da minha espécie, se você procura o líder, darei um jeito de te levar até ele... – disse tentando ajudar ao mesmo tempo em que queria entender tudo.
– Rick, você é o nosso líder! E líder da equipe também. Vai descobrir isso... Tenha paciência. Tudo se encaixará. – disse Baboo após segurar gentilmente meu braço esquerdo.
Na verdade, já não estava entendendo mais nada. Ela falava como se conhecesse o futuro. Era muita informação e eu estava muito cansado, precisava dormir. E sinceramente, ela parecia louca para mim.
– Me diga, qual era o nome dessa equipe? Os "Guardiões da Galáxia"? – disse fazendo menção a um filme, em tom sarcástico.
– Não, não tínhamos um nome. Chamávamos de família – resmungou ela andando para perto da janela para verificar novamente se estávamos a salvo.
– Legal... Baboo, o papo está bom, mas vou indo e a gente se vê por aí, ok? – disse caminhando em direção à porta.
Baboo me olhou séria, franzindo a testa novamente.
– Rick, a partir de hoje nunca mais nos separaremos! Protegeremos um ao outro de agora em diante! Se um de nós morrermos, a raça humana estará em perigo de extinção. O assunto está fora da sua realidade, entendo! Mas é coisa séria. – ela rispidamente me respondeu, fechando a cortina com força.
Baboo foi tão enfática que não atrevi abrir a porta à minha frente.
Suspirei, baixei a cabeça, larguei a maçaneta e me acomodei na mesma cadeira novamente.
– Então, vamos nos casar? É isso? – perguntei desanimado.
Baboo riu da minha cara novamente, desta vez com desinteresse.
– É claro que não Rick!
– Vamos descansar porque amanha será mais um dia corrido. Você precisa aprender a lutar e a se defender, então iremos lhe ensinar tudo o que você já nos ensinou, está bem? – disse ela esperando alguma aprovação minha.
– Bom, mesmo que não esteja, é assim que será. Pelo menos até você entender a gravidade do que está acontecendo – disse ela antes mesmo que eu desse alguma resposta.
Olhei para ela, mudo, pois ela não me deixava escolha. Ajeitamos colchonetes improvisados com algumas almofadas e toalhas de mesa que encontramos no local e dormimos naquele mesmo Café. Pensei bastante antes de cair no sono, e confesso que esperei ela dormir primeiro, pois não tinha completa confiança nela. Pensei no que ela disse sobre me ensinar o que eu havia ensinado a eles... Isso não fazia qualquer sentido para mim. Estava muito confuso e precisava de mais explicações. Pensando em tudo, dormi.
– Ufa! O que foi aquilo?! – Perguntei a Baboo que sai de cima de mim desajeitadamente.– Não eram... São mortons! Eles estão por perto. Seus sonhos invadidos têm muito a ver com a realidade... Acostume-se!– O quê?! E todas aquelas pessoas mortas?! Quem as matou?! – questionei angustiado.– Os mortons querem tomar seu planeta, destruir sua espécie. Você não entendeu? Não querem escravos nem sobreviventes. Eles são criaturas sem emoções, movidos pelas razões que os fazem continuar vivos. O planeta deles está em colapso, por isso buscam outro para habitar. Ou vocês acham que são a única espécie que extrai ao máximo os benefícios de seu planeta, se preocupando ape
No dia seguinte, bem cedo, levantamo-nos para deixar aquele Café e, ainda acreditando que iria para o trabalho dar satisfações pelo atraso, pela falta ou algo do tipo, disse:– Baboo, devo que ir até a empresa conversar com meu chefe e avisar meus familiares de tudo isso. Depois podemos seguir nossa viagem, ok?– Não se preocupe – disse ela.– Vocês não se verão tão cedo. Na verdade, é provável que nunca mais veja alguns de seus parentes. A pessoa que sei com certeza que te seguirá nessa jornada será Isabela, que também será preparada. De fato, neste exato momento ela também está seguindo para o "Complexo da Capital" com Joel.– Ela o quê?! Onde está ela?! Quem está com ela?! Se algo acontecer à minha filha vai se arrepender amargamente!
Com quatorze anos, apenas um menino como a maioria dos outros, tinha medo do escuro. Acordei após ter um pesadelo, mas não de uma forma qualquer... Muito desperto e com olhos estalados. Não tinha a mínima ideia de qual teria sido o sonho, pois o sonho em si não foi relevante, e sim o acontecimento que veio depois dele. Como de costume meu pai deixava a luz do corredor acesa para meus irmãos menores, caso quisessem usar o banheiro no meio da noite, e naquela madrugada ela também estava acesa. Deitado na cama, só conseguia ver aquele facho de luz no chão próximo à porta, ao qual fitei por algum tempo até que pudesse cair no sono novamente. O que vi? Nada! Mas senti que não estava só. Já sentiu isso? Não podia fechar os olhos por perceber que algo estava ali, próximo a mim. Era sempre vencido pelo cansaço. Foram cinco noites consecutivas ass
Acordei com uma sensação estranha no estômago.Ao olhar à frente noto que estamos descendo uma queda d'água! Fiquei desesperado por ver a altura que estávamos caindo, mas logo o Rollet ativou jatos de água que puxava da própria cachoeira, os quais diminuíam a velocidade da queda até o impacto na água ser grandemente reduzido. Seguimos saindo do rio por uma trilha estreita com galhos e pedras que tornavam a experiência um pouco desconfortável.– Que rota interessante você escolheu para nós Baboo? – disse ironicamente.– É um atalho. Relaxa! Logo ficará melhor – disse Baboo relevando minha provocação.Finalmente saímos da
Levantamos nós três mais cedo que Joel e Baboo para treinar, e quando eles chegaram à sala de treinamento duas horas depois, estávamos intercalando os exercícios, fazendo-o da seguinte forma: Enquanto dois atacavam um defendia.– Muito bem! – participou Joel.– Notamos que estão realmente envolvidos e com vontade de aprender. Excelente desempenho na defesa corpo a corpo Isabela! – prosseguiu ele.Agora podemos ensiná-los a manusear facas e espadas – comentou Baboo.Enquanto ele ensinava as meninas a manusear a espada, Baboo me ensinava a usar a faca, ou melhor, a adaga que havia ganhado dela. Ela era de fato muito habilidosa. Extraía de mim todo o potencial que nem eu julgava ser capaz de ter, d
Lembro-me de que havia uma parede de tijolos à vista, uma árvore grande e velha e um pouco de grama meio seca debaixo do sol quente. Meu pai e eu conversávamos sobre as dificuldades da vida e de como alguns momentos bons haviam nos marcado. Ele era um homem demasiadamente ocupado para termos conversas como aquelas. Um empresário bem sucedido, de uma fama e caráter desigual, claro, para os outros era grandioso e, para nós, bem, tínhamos um empresário que em alguns momentos se fazia pai. Ele fazia seu melhor.Especialmente naquele momento, divaguei em meus pensamentos numa recordação valiosa. Com um olhar compenetrado e sério me disse:— "Filho, não importa o que você deseje. Um homem não pode fugir do seu destino. Encontre o seu".Nossos olhos contemplaram o que havia à frente. Uma esfera gigante que representava Belácia.<
"Intensa" era a melhor palavra para descrever aquela noite.Acordei algumas horas depois de termos nos deitado, não sabia dizer que horas eram, apenas que era de madrugada. Não vi Isabela. Acordei Léa, e sem muito alarde saímos em busca de Isabela, andando nas proximidades do lugar onde estávamos alojados e... — Olhe, Rick! Um respirador! Deve ser da Isabela! Onde será que ela foi parar? Eles a levaram? Nós não conhecemos essa gente, Rick! Ela é apenas uma menina! — disse Léa completamente preocupada. Eu também estava, mas sabia que não tinha nada a ver com os belacianos.— Léa, vamos continuar procurando — disse sério e muito apreensivo.Encontramos seu respirador em cima de uma mureta próxima a escadaria que saía do terreno do palácio do Governador, mas nada dela. Mais preocupados do que antes voltamos para o aloj
A selva tinha um cheiro estranho.Aquelas árvores, além de vermelhas, eram duas vezes maiores que as árvores históricas da Terra, mosquitos pretos grandes que não picavam, mas tínhamos que os tocar de nossa visão constantemente. O chão úmido era repleto de plantas carnívoras amarelo-mostarda, pequenas, bastava cair em cima delas para que elas devorassem algum de nós.Não sabíamos para qual direção seguir, com aquela escuridão não seria tão fácil encontrar o que procurávamos, então, fomos ao centro da selva. O Ovo de Ezcrat estava lá em algum lugar, mas não fazíamos ideia de onde, portanto, nos separamos em dois grupos para cobrir maior território de procura, mas estávamos sempre na visão uns dos outros.A selva tinha uma pequena inclinação que nos fazia descer indo em