O verde da floresta invadia seu peito, aromas de plantas e ervas estranhas que irritavam mais do que o esperado. Um espirro o fez desejar ter trazido alguns panos para o nariz, esquecera-se de última hora devido a pressa para sair e deixar de ouvir as reclamações da irmã. Pisava devagar sobre as folhas e afastava com cautela os arbustos que surgiam a frente. O silêncio reinava, importante em sua caçada. Sombras diáfanas do fim da tarde repousavam sobre onde ele pisava. As folhas das copas das árvores se moviam lentas, deixando crescer a preguiça do encerrar do dia.
Damien era de família rica, amigada de famílias da corte, podia-se dizer próxima do próprio rei. Caçar não era necessidade, mas esporte. Quando não se fazia por seu bel-prazer, Damien caçava para arrebatar a curiosidade dos seus pais pelo gosto de animais silvestres.
Sobre os ombros, sentia o peso de um arco de teixo e uma aljava com meia dúzia de flechas de cedro com penas negras de ganso. Carregava uma bainha de couro vermelho presa ao cinto, dentro da qual guardava uma faca de caça com cabo de madeira, usada muitas vezes desde que a roubara aos dezesseis anos. Não que ele precisasse roubar, há coisas que se praticam apenas por diversão quando nascemos em berço de ouro.
Avançou mais alguns metros acompanhado apenas pelo som de pássaros se aprontando para dormir. Eram raras as ocasiões que saía acompanhado, fazia da solidão um ritual para obter sucesso. Desceu um vale coberto de raízes emaranhadas, afastando-se das plantas arbustivas cobertas de espinhos. Subiu do outro lado e havia mais árvores. Continuou prosseguindo após um suspiro exasperado, suas botas úmidas por conta do suor, a sensação de estar pisando em lama causando incômodo.
O calor do início da primavera aumentava quanto mais se adentrava na floresta densa. Conhecia grande parte daquelas redondezas, no entanto estava prestes a retornar para casa de mãos vazias, sem a carne saborosa que prometera a seus pais.
O som de um córrego o chamou para perto. Aproximou-se devagar com olhar atento, poderia estar pisando em nuvens e não as deformaria por tamanha precaução. Um cervo matava sua sede a sessenta metros. Damien encontrou seu alvo. Tirou uma flecha única da aljava e retesou seu arco, a corda roçando em seu rosto de forma áspera. Quando a tensão fosse desfeita, o projétil voaria com seu equilíbrio perfeito, proporcionado pela ponta afiada na frente e as penas negras atrás, e assobiaria o fim de uma vida.
Todavia, um assobio veio antes mesmo que ele atirasse, um som agudo que o fez acertar a água e se curvar para cobrir os ouvidos, deixando o arco cair de qualquer jeito ao lado. Sua cabeça parecia prestes a se partir, sua visão tremulava de forma alarmante. O zumbido torturava e eriçava todos os seus pelos, era um cântico de cem mil abelhas dentro do seu cérebro, rasgando seus tímpanos e evaporando pouco a pouco a sua sanidade.
Deitou-se ao chão sujo e se contorceu, gritava para o alto com seus olhos cerrados firmemente, desejando que qualquer deus viesse socorrê-lo.
Quando o ruído parou de súbito, pôde enfim ouvir sua própria voz, seu brado parecia distante para si mesmo. Um zumbido de dor o alcançava agora. Não obstante isso, sentiu-se como se emergisse após um longo mergulho. Recuperava seu fôlego com plena certeza de ter perdido seu alvo. Olhando para cima com os olhos marejados, viu pássaros negros voando para longe dali, suas silhuetas estranhas à luz do cair da noite.
Olhou suas mãos, havia sangue nelas. Tocou mais uma vez suas orelhas e as sentiu úmidas e quentes. Praguejou o quanto pôde até recuperar equilíbrio o bastante para ficar de pé. O silêncio que veio o atormentou, pois não se sentia mais o caçador na floresta que se tornara uma desconhecida.
— Quem está aí?— Gritou ele, ajustando uma flecha e mirando a esmo.— Philippe? George? Se for algum de vocês, apareçam, filhos da puta!
Não. Ele sabia que não fazia sentido, seus colegas jamais teriam coragem de entrar ali ao anoitecer, mesmo para pregar a maior peça em alguém. E se ousassem, não seria com aquele que acertaria uma flecha em suas bolas sem hesitar.
Passos correram a sua direita. Damien girou nos calcanhares e disparou, acertando um abeto velho.
— Droga! Apareça quem quer que seja.
Um assobio soou a sua frente. Atirou mais uma vez, o projétil voou em meio às árvores e acertou um tronco coberto de musgo amarelado no chão.
— Quer brincar comigo, então?— Ele exibiu o melhor sorriso que pôde, tentando esconder seu medo em uma máscara de coragem.— Saiba que eu terminei o Concurso dos Jovens Arqueiros no primeiro lugar três anos seguidos. Vou encontrá-lo. Vou fazê-lo correr das minhas flechas, atirando até restar apenas uma!
Ele fez uma pausa para esperar uma resposta. Quando essa não veio, concluiu:
— Com essa uma, eu juro que acertarei ambos os seus joelhos enquanto corre! Depois cortarei sua garganta e beberei do seu sangue enquanto você assiste. Não me irrite...
O assobio retornou baixinho, como se adentrasse mais a floresta. Coincidência ou não, o vento começou a soprar daquela direção, uma força que tentava impedí-lo de fazer uma escolha da qual não poderia ter a chance de se arrepender. Damien preparou mais uma flecha e seguiu o estranho que o chamava.
— Cortarei sua garganta— reafirmou com passos apressados.
Saltou um tronco e sua tensão quase o fez torcer o tornozelo ao pousar do outro lado. Os olhos experientes alertas a qualquer movimento mínimo, nenhum vulto passaria despercebido. Ele respirava com força, cansava-se enquanto a escuridão caía. Uma nova revoada de pássaros veio, então algo pulou de uma árvore para a outra. Ele cessou seus passos e atirou.
Um corvo caiu, sua cabeça enfeitada com uma flecha que atravessava seus olhos. O sangue parecia negro, envenenando o solo sobre o qual era derramado.
Damien agora tinha certeza de que confrontava alguém no alto e a desvantagem o incomodou acima de tudo; estava sendo observado por algo inteligente, habilidoso. Olhou atentamente os galhos das árvores e ouviu um estalar, o ruído que faz um esquilo ao escalar e disparou de novo. Dessa vez acertou nada, o projétil manteve seu vôo passando pelas folhas do dossel no caminho, provocando um barulho sombrio que lembrava passos. Ele continuava girando a observar. Com uma nova flecha armada, seus dedos doíam por apertar a madeira com tanta força. O suor frio fazia seus olhos arderem.
Um brilho chamou sua atenção, mas desapareceu logo em seguida. Estariam as árvores criando olhos? Ele examinava o melhor que podia na escuridão, o carvalho frondoso e misterioso diante de si. Não havia nada ali, não havia um apoio sequer para qualquer humano se manter firme, para se esconder à frente da própria árvore, deitando-se numa sombra estranha. Damien aguçou sua visão e pôde discernir os contornos de um homem.
Uma silhueta apagada, camuflada no escuro. Braços e pernas, cabeça e ombros. Havia algo se agarrando ao carvalho, ocultando-se a sua vista. Seu coração saltou no momento em que se lembrou de atirar.
Mas a criatura (pois ele se recusava a acreditar que era uma pessoa) abriu os olhos novamente e ele hesitou. Era esse o brilho que vira antes, um tom amarelado como se uma fogueira estivesse viva em suas órbitas, ocupando o lugar das suas íris. O assobio voltou a soar. Damien atirou no alvo dessa vez, ignorando a dor nos tímpanos. O som angustiante foi interrompido. A tensão, entretanto, não foi embora. Nada caíra. Nada exclamara sua dor. Damien acertara um demônio imortal, incapaz de ser ferido.
Enquanto buscava um vislumbre da criatura, um barulho veio do alto, galhos quebrado-se. Damien assistiu imóvel, uma coisa inofensiva caiu sobre o seu ombro e foi em direção ao chão. Após sobressaltar-se, ajoelhou e viu que era a parte de trás de uma das suas flechas, as penas negras macias ao toque. Assustado, ele levantou seu olhar novamente e do alto viu iniciar uma chuva. Caíam sobre ele todos os pedaços das suas flechas perdidas, disparadas no lugar errado ou com destino desconhecido. Não só daquelas que atirarara naquele dia, mas de todas que perdera nas últimas semanas. Ele sabia, pois a quantidade dos estilhaços que o atingiram era alarmante.
Damien protegeu-se com os braços até a chuva de fragmentos cessar. Sem tirar o olhar do alto, ele engoliu em seco. A silhueta de uma pessoa surgiu, os braços balançando para lá e para cá. Ele aproveitou a oportunidade e disparou, acertando a cabeça do alvo. O corpo começou a cair, mas por azar vinha em sua direção. Damien saltou para o lado para não ser esmagado pela sua presa.
Contudo, o corpo não caiu no chão. O som do impacto não veio. Levantou-se e olhou consternado. Um cadáver girava a pouco mais de um metro do chão, sustentado por uma corda que vinha do alto e segurava seus membros. A flecha atravessava a pele branca da sua testa, por onde vermes caíam em direção ao solo. Seus olhos vidrados e leitosos estavam envoltos por lascas de árvores e formigas mortas. Seus cabelos eram lama ressequida, da qual todo seu corpo também estava coberto.
Enojado, notou que o cérebro estava visível através de uma abertura no crânio acima da têmpora esquerda, uma massa escura e consistente como leite estragado. Das orelhas pareciam brotar cabelos longos e enegrecidos de sangue, mas eram raízes do cemitério onde aquela figura maldita fora desenterrada. O nariz estava partido ao meio, o descompasso no peito de Damien ocorreu devido a certeza de que aquela marca fora a razão da morte do homem. Uma perfuração rápida e certeira de um objeto afiado: uma flecha.
As mãos tinham unhas negras, os dedos posicionados como se quisessem cavar uma saída de sua forma podre ou então rasgar a cara de Damien por macular ainda mais a sua casca, desrespeitando-o onde quer que suas almas estivessem. Retorcidas como se estivessem quebradas, suas pernas vestiam farrapos de carne, miócitos descascados dos ossos.
O tórax estava aberto e desprovido dos órgãos internos. As costelas eram arcos amarelados e partidos, algumas trituradas como se roídas por animais carniceiros. A coluna vertebral lembrava a espinha descarnada de um peixe. O odor de putrefação era a pior coisa que sentira na vida. Damien correu para o lado, tropeçou e vomitou.
— Com nojo de seus próprios atos?— Perguntou uma voz grave.— Eu também sentiria, porém eu sentiria ainda mais o medo. Medo, não. Sentiria o pavor por estar sendo caçado por alguém sem nada a perder. Tema, tricampeão dos Jovens Arqueiros, está sendo morto por mim.
— Que diabos é você?— Gritou o jovem, atirando três flechas seguidas para qualquer direção.
As árvores estalaram quando mais corpos começaram a cair, pendendo de um lado para o outro. Damien não podia fazer nada além de assistir aterrorizado. Quando a queda profana de cadáveres cessou, lembrou-se de correr o mais rápido que podia. O assobio baixo veio da direção que ele corria, então foi pelo caminho oposto. O som reiniciou mais uma vez. E o perseguiu por cada canto que ele tentou ou pensou escapar.
Aprisionado numa teia de assobios, lutou para suas pernas não cederem.
Estava perdido, não sabia para onde ir e onde quer que fosse a criatura o estaria perseguindo. Atirou e atirou até restar uma flecha. O zumbido parou, dando lugar a um riso.
— O que você é?— Sua voz já não disfarçava o medo.
— Você tem apenas uma flecha. Cumpra seu juramento, Damien Viella.
— Que juramento?
Uma sombra correu de uma árvore a outra, Damien atirou pela última vez, sua aljava vazia. Praguejou alto e caiu de joelhos, estava exausto, não percebera o quanto gastara sua energia. Um arrepio subiu por sua espianha, o assobio retornou e aproximava-se por suas costas até que sentisse o hálito quente encostar em sua pele. Sua visão periférica enxergava o maldito brilho dourado.
— Corra— ordenou a voz em um sussurro.
Damien virou-se com velocidade e desferiu um golpe com sua faca de caça, cravando-a firme contra a madeira de um carvalho. Tentou puxá-la de volta, mas correu quando o vento bagunçou-lhe o cabelo, alertava-o mais uma vez para sair dali. Correu como nunca pensara em precisar correr na vida, largando seu arco e aljava para trás sem pestanejar.
Seguiu pelo que pareceu horas e reconheceu o trecho pelo qual ia, estava perto da saída do bosque. Ele conseguiria. O susto não roubaria sua cama macia e sua refeição quente. Muito menos seu sono seria tirado. Cerveja clara seria servida da sua adega. Em outro dia caçaria e mataria o desgraçado. Damien sairia dali, acreditou até o último segundo. Acreditou até quando ouviu a tensão da corda do seu próprio arco ser desfeita.
Faltava poucos metros quando desmoronou no chão, mais um pouco e pegaria seu cavalo e voltaria para a capital. Entretanto, lembrou-se do seu juramento ao tentar se levantar. Seus joelhos estavam presos um ao outro. Sua própria flecha atravessava ambos, a dor era indescritível.
Sem dizer mais nada, a criatura se aproximou e revelou sua face. Uma jovialidade surpreendente, Damien não esperava que sua fera fosse apenas um homem, mas detestou ainda mais que não tivesse um rosto desfigurado ou assustador. O seu assassino parecia a encarnação viva de Heitet*.
Damien não teve chance de gritar quando a lâmina da sua faca de caça cortou com velocidade sua carótida.
Glossário
Heitet (pronúncia: rei-TÉ-ti): deus einderiano da beleza.
— As luzes da noite são sempre mais belas no norte— disse o imperador.— São como rios que correm acima das montanhas, colorindo um mundo de escuridão e frio, criaturas das mais vis se escondem. Abre-se passagem para o ardor do meu peito, pois posso encontrar meus filhos. Queima minha solidão, sangra o meu coração. Derrama-se o amor, do jeito que um rio possa encontrar o outro. Ó, amados filhos, estou indo alimentá-los da minha própria boca.O imperador ajustou-se no seu trono de madeira velha e corroída por cupins, fazendo estalos soarem. Com o barulho, ele aproveitou para soltar um pum com o falho intuito de sair disfarçado. Alguns risos seguiram o ato solene.— Ó, marido— sua esposa veio e pegou suas mãos amarelas, os dedos repletos de anéis de brilhantes falsos.— A guerra só piora. Temos que comer minhocas para não morrer de fome, agora elas devem estar comendo seus miolos!
A brisa leve movia de forma lenta os seus cachos, mãos invisíveis a acariciá-los. Olhando o reflexo na água, via dois sóis; aquele que nascia todas as manhãs e seus cabelos, loiros como se banhados ao mais puro ouro. Círculos concêntricos nasciam de onde as folhas dos salgueiros caíam, logo apagados pelas ondas criadas pelo avançar do barco.Apoiada na amurada, Margot já podia sentir o odor de esgoto e fumaça de Quinärte, detritos apodrecidos atirados ao rio Bórni. Peixes mortos boiavam próximos às margens, espuma de sujeira os envolvia, branca tal como a neve que se cansara de ver na montanha.Suspirou ao pensar em chegar em casa e notar que os cheiros que mais amava não estariam mais presentes. Nunca mais estariam. Afastou os pensamentos ao desviar o olhar do rio, tinha que superar seu luto. Nada mais a prendia em lugar algum e essa podia ser uma boa perspectiva para ser capaz de seguir em frente, ir onde sempre desejara.Dainilia
As janelas tremulavam, o fogo da lareira era refletido de forma tênue no vidro que não experimentava o seu calor, apenas a gélida madrugada do lado de fora, onde o vento era soprado por inalcançáveis lábios frios. O crepitar da madeira respeitava o ritmo regido pelo vidro, um dueto de gelo e fogo ignorado por ouvidos humanos. Sandir Viella estava impaciente na sua cadeira, seu estômago revirava-se incomodado desde o jantar, a escrivaninha quase vazia recebia um tamborilar nervoso de dedos. Os golpes cadenciados pelo seu nervosismo foram interrompidos quando o tão aguardado bater na porta soou, sobressaltando-o. Ergueu-se e girou a maçaneta de prata para receber o seu convidado.— Por favor, entre— apertaram as mãos.— Vamos, sente-se aqui, detetive.— Não será necessário— respondeu de forma lacônica, dobrando as abas de um chapéu nas mãos calçadas de luvas de couro.— Desculpe a demora por tão curta pa
Ela escutava os passos e fingia dormir no catre duro de metal, o colchão de palhas pinicando, lembrando gotas de chuva fria de uma liberdade que não mais tinha: sua infância. Eleanor entrara para o circo aos seis anos, fora abandonada pelos pais e deixada à própria sorte como várias outras crianças. Porém o fato da sua situação ser comum não significa que era menos triste. Cerehrin a adotou, um colo inesperado, bondoso, um lugar quente para sua esperança. Ela era uma acrobata, ensinou o que Eleanor precisava para viver entre eles, O Circo Farlic Azul.— Responda— pediu a mulher uma manhã, após acordá-la antes do primeiro cantar dos pássaros.— De quem é o seu corpo?— O quê?— Questionou de volta, pois se distraíra observando as duas cortinas azuis presas em um suporte no alto, tão grandes que quase alcançavam o chão.— Fiz uma pergunta, perguntas não se respondem com outras, considere essa a primeira lição. Repetirei e você responder
Margot desceu do cavalo e abraçou a garotinha, os cabelos negros e lisos macios ao toque. O cheiro de óleos era maravilhoso, espalhava-se pelo vento enquanto ela se movia.— Você se foi sem se despedir— cobrou ela.— Perdoe-me, Suzana— Margot ajoelhou-se.— Talvez isso compense um pouco a minha falta de delicadeza.Estendeu o punho fechado e pôs um monte de doces nas mãos da garota, que mal pôde segurar entre os dedos, seu sorriso encantava na tarde que crescia.— Você sabe negociar— a garota piscou e riu.— Um pouco de doce e ela se esquece que não vê o pai há dias— lançou Viggo e pegou-a no colo.— Incrível. Por que você não me dá esse de caramelo?— Não tem nenhum de caramelo.— Estava falando do seu beijo.— Ah!— Suzana inclinou-se de forma desajeitada e beijou-lhe o rosto.— Não espere essa mesma recepção da minha parte— a esposa de Viggo apareceu à porta, encarando-o.— Você disse três dias no máxim
Agnes despertou envolta em cobertores de seda, sobre travesseiros macios de penas de ganso e um colchão tão fofo que era como se o maior algodão do mundo tivesse brotado sob ela. Tamanho conforto destoava com o que sentia por dentro, se um dia um castelo ruísse e despencasse a sua frente, a mulher saberia que a devastação de mais cem como aqueles não se compararia às rachaduras que se abriam em seu peito. Tateou com a mão e não sentiu o pelo macio de Acerbel, o seu gato de estimação, muitas vezes a única criatura que parecia gostar da sua companhia.Chamou por ele cinco vezes antes de se levantar e procurá-lo pelo quarto. Olhou no seu banheiro, na varanda, no compartimento de roupas e não viu uma sombra do felino.Deixou o quarto com suas roupas de dormir e decidiu procurá-lo pelos outros cômodos. Passou pelo escritório de Sandir e encontrou o lugar inalterado, era onde sempre podia encontrar o marido lendo livros ou escrevendo cartas para suas amantes. Ela sabia dos cas
A água borbulhava e tomava uma coloração alaranjada, o aroma do chá era delicioso, subia e amortecida seu rosto cansado com o calor. Retirou a chaleira do fogo e serviu-se da infusão em uma xícara de porcelana trincada na borda, sua companheira mais antiga, inquebrável de uma forma que ele também queria ser. Aron voltou-se para sentar na sua poltrona e teve uma esperada surpresa.— Não vai me oferecer um pouco?— Perguntou Eleanor.— Se tiver chocolate quente, ficaria mais satisfeita.— Satisfação não é o mesmo que necessidade. A noite está fria, mas não o bastante.— Então que beba sozinho— ela indicou a cadeira à frente.— Sente-se. Você sabe que precisamos conversar, e essa conversa pode ser longa.Aron não se recusou nem rebateu, obedeceu com passos lentos, ainda parecia bastante machucado.— Ouvi os rumores pela cidade— disse ele.— Sua fuga solitária e silenciosa está na boca de todos. A Lábios Es
— Então você é a que chamam de Lábios Escarlate?— Perguntou, observando a mulher que apontava a espada com mãos trêmulas em sua direção, encarando-a como uma inimiga.— Estou impressionada. Não esperava que mexesse com magia. Foi assim que conseguiu escapar do Subsolo?A expressão dela disse tudo.— Acho que entendi, está descobrindo esse dom agora.— Não é um dom.— Se considera ou não, o fato é que agora ganhará uma cela em um nível mais profundo.— O que significa?— Parecia ter dificuldade em continuar segurando a arma.— Você verá— Margot apontou para o corpo de Héder.— Esse daí não era o mais querido por todos, então talvez ninguém a assassine, mas longos anos a esperam. Quer se render normal ou lutando? Caso p