As Criaturas Mais Sombrias
As Criaturas Mais Sombrias
Por: Annyka D
Prólogo

As nuvens escuras de tempestade rodeavam as montanhas do norte como um mau agouro, o vento frio e forte afugentava os moradores da aldeia que se escondiam dentro de suas casas pequenas, trancando portas e janelas e acendendo lareiras, as mães abraçavam suas crianças fazendo-as ficar em silêncio. Não era estranho as tempestades nas montanhas, mas aquele dia tinha uma aura diferente, todos podiam sentir, humano ou não, tendo magia ou não, havia um aviso no ar de que alguma coisa estava prestes a acontecer. 

Da torre oeste do palácio, o imperador olhava pela janela as primeiras gotas de chuva e o reflexo de um raio que acabara de cair, ele podia jurar que no piscar da luz nas nuvens asas grandes batiam na direção deles. Mas não podia ser, ele pensou, talvez fosse o nervosismo que havia se instalado nos últimos meses desde a visita ao oráculo de Sohros, aquela visão confusa de sangue e escuridão assombrava seus sonhos todas as noites desde então. Sua esposa a imperatriz e seus dois filhos estavam deitados na cama grande o suficiente para cinco pessoas, o menino de lindos cabelos loiros quase brancos como os da mãe e olhos verdes feito esmeraldas como os do pai, havia acabado de pegar no sono, tinha apenas seis anos e mal sabia que já carregava o fardo de um império,  a menina de quatro anos também suspirava ao seu lado, as mechas ruivas herdadas do pai caiam sobre seu rostinho delicado. 

A mulher olhou para  o marido preocupada, ela sabia o que havia sido revelado na casa do oráculo, sua magia crepitava em suas veias cada vez que pensava a respeito, estavam se preparando desde então para o desconhecido. A profecia não era clara, a voz do oráculo apenas disse: " A segunda lua de escuridão subirá no horizonte, o céus chorar irão com suas lágrimas geladas que logo em vermelho se tingirão, a morte descerá pelas montanhas adiante. Dessa mesma lua o brilho retornará, e a estrela nascida no chão das tempestades vestida de raios um dia virá para que a chuva de sangue se vá." Logo então ele mostrou algumas visões turvas de gritos e sangue, rugidos indescritíveis e chuva torrencial, mas algo se destacava como um choro ao fundo, o choro de um bebê. 

Por algum tempo a imperatriz pensou que estaria grávida de novo e que seu filho nasceria no caos, pensou em uma guerra, essa foi a primeira coisa que seu marido também pensara, por essa razão seu reino foi isolado, mais soldados foram treinados, os magos criaram barreiras ao redor das fronteiras para que dificultasse o ataque de algum reino inimigo, espiões foram enviados para todos os cantos do continente e também para outros, aliás devido a riqueza do império e seu poder, alguns inimigos foram feitos no caminho ao longo dos séculos. Mas os meses passaram e nada foi encontrado, o boato se espalhou entre o povo e então toda vez que uma tempestade se aproximava a tensão cobria as cidades e as aldeias de todo o país. 

Mas tinha algo naquele dia, todo mundo havia notado que não era uma tempestade como as outras, haveria um eclipse naquela noite, e se o mago do imperador estivesse certo, aquele era o segundo do ano, portanto a segunda lua de escuridão, no começo pensou que fosse a lua nova, como nada aconteceu nas duas primeiras o eclipse foi a opção mais obvia. 

E eles estavam certos.

O barulho era ensurdecedor, chiados e gritos horripilantes vindos dos céus na direção das montanhas,  o bater de asas cada vez mais próximo da cidade. As Pessoas que ainda estavam nas ruas ficaram paralisadas ao olhar para o céu escuro,  as formas fantasmagóricas avançaram com velocidade e fúria agarrando os que não tiveram tempo de se esconder e partindo-os em pedaços. 

Logo o caos chegou ao palácio, os guardas corriam por todas as partes tentando impedir as criaturas de avançarem pelas janelas de vidro, o imperador e sua família adentraram uma das passagens secretas e se esgueiravam apressadamente pelos corredores indo em direção a sala segura, entretanto as garras de um dos monstros atravessaram a parede de madeira que os separava de um dos salões infestados e quase acertaram a cabeça do imperador, eles continuaram correndo com as crianças em seus braços, estavam longe demais, eles deviam ter saído antes, pensou o homem desesperado. Uma das paredes desabou os fazendo ter de sair da passagem e encarar os seres mortais lá fora, o chão era apenas sangue carne e destroços,  os magos e soldados restantes resistiam bravamente, mas eles eram fortes demais e com magia desconhecia. Eles precisavam de ajuda.

O imperador olhou para seu povo sendo massacrado pelas formas humanoides com asas e garras afiadas, os rostos sem olhos e a pele pálida como a morte. Então olhou para a esposa horrorizada agarrada à filha pequena que chorava em desespero, colocou o filho mais velho no chão e o fez encarar seus olhos, o menino jamais esqueceria daquele momento e daquela cena.

_ Olhe pra mim Aidan- ele segurou o rosto do menino em suas mãos mas seus olhos iam para a cena de morte logo atrás- olhe pra mim, eu preciso ir, cuide da sua mãe e da sua irmã, cheguem ao lugar seguro eu vou segurá-los com os guardas o máximo que eu puder. 

Retirou a coroa de sua cabeça e coloco-a nas mãos de Aidan, o garoto embora pequeno entendeu o gesto, era muito inteligente para sua idade, aquilo era um adeus e um ato de confiança. 

Abraçando a esposa uma última vez e depositando um beijo em sua filha assustada, ele se despediu e correu até os soldados que lutavam com tudo o que tinham para sobreviver. Elenor pegou a mão do filho e correu pelas escadas em direção a ala que ficava o abrigo, uma das criaturas estava os seguindo mesmo que uma de suas patas estivesse arrancada, a mulher tateou a entrada em busca da porta escondida do abrigo mas o ser demoníaco se aproximava, quando finalmente conseguiu abrir, Elenor só teve tempo de empurrar os filhos para dentro antes de ser agarrada,  segurando a porta com toda a força enquanto as garras perfuravam sua pele, ela lançou um raio de fogo azul na direção da criatura. 

Ela nunca se preocupara em dominar a arte de criar raios, nunca achou que precisaria, criada para a corte desde criança, prometida ao príncipe assim que nasceu, suas únicas preocupações eram em aprender sobre como ajudar a governar um império. Os magos insistiam que se ela treinasse e dominasse o dom, ela seria a criadora de raios mais poderosa da história, mas Elenor confiava na segurança de seu país e de seu exército, não queria poder assim, não queria assustar o povo com um dom tão perigoso, queria ser lembrada pela sua diplomacia, gentileza e governança. 

Deixou seu dom adormecer com o tempo e o desuso, ele ainda estava lá, crepitando dentro dela como uma chama inacabável porém lenta e insistente, aguardando. Essa era a primeira vez em dez anos que Elenor usava seu poder, não haveria ocasião mais apropriada do que aquela, ela sabia que no fundo sempre teve medo daquela magia, medo de que a consumisse, medo de sua origem e de quem ela herdara.  Temia que seus filhos também  a herdassem, que quando chegasse a idade de manifestar os dons eles apresentassem a herança de seu lado da família, e seus temores foram confirmados antes mesmo do tempo. Assim que Aidan nasceu, ele apresentou uma marca mágica rara que apenas membros do clã de Elenor poderiam ter, não sabia qual seria exatamente seu dom, mas ela sabia que seria um dos poderes amaldiçoados de sua família. Ela jurou para si que quando o dom se apresentasse ela faria o que pudesse para mantê-lo sob controle, para manter Aidan seguro de si mesmo. 

O raio que ela lançara foi o suficiente para  que a criatura a soltasse, porém sua garra havia entrado em seu abdômen e perfurado profundamente, a dor era excruciante, Elenor se arrastou até a porta da sala onde os filhos estavam assistindo tudo atordoados, Alexei soltou a coroa de seu pai no chão e fez menção de correr para a mãe mas ela gritou.

_ Aidan não! Fique aí! - O garoto paralisou no lugar quando viu atrás de sua mãe uma das criaturas agarra-la novamente, ela olhou para seu menino uma última vez e sussurrou as palavras - Eu amo vocês. - Então ela lançou um raio em direção a porta trancando as duas crianças dentro da sala mágica e rezando aos deuses que as proteções lá dentro fossem suficientes. 

Elenor lutou bravamente por sua vida, ela buscou o poder adormecido dentro dela, acumulado e louco para sair, ela finalmente ia liberar tudo o que tinha. Ela então matou a criatura queimada com um raio potente, ela sentiu o poder dominando seu corpo  ela finalmente não resistiu a ele. Seu corpo se tornou envolto de luz azul, ela se tornou o próprio raio.

Ela foi então em direção onde os guardas que ainda resistiam lutando, lá ela viu o corpo de seu marido caído entre os mortos. A raiva e a tristeza cresceram dentro dela aumentando sua luz, ela lançou raios em todas as criaturas restantes que avançavam contra ela, eram pelo menos quinze deles, uma por uma elas queimavam em fogo azul agonizando. Elenor saiu do palácio em direção a cidade onde centenas de monstros dominavam os céus e as ruas, ela os atraiu com sua luz para o pátio do palácio, eles foram contra ela, uma massa escura de morte. Ela se certificou de que não haviam pessoas por perto naquele local, infelizmente a maioria havia morrido, a imperatriz olhou para sua cidade do alto onde seu corpo flutuava como a própria lua na escuridão, ela viu seu povo massacrado, sua cidade destruída. Juntando toda a raiva e dor assim que as criaturas mergulharam em sua direção, ela liberou todo seu poder, explodindo como uma estrela e queimando instantaneamente os seres malditos ao redor, seu raio alcançou até a cidade, destruindo quase tudo em seu alcance, casas e a maior parte do palácio atrás dela.  

Ela se sacrificou sendo engolida pela sua magia e levando consigo tudo o que conseguiu. 

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