Revirando as memórias

Lenora me olhou pensativa por dois segundos antes de sair sem dizer nada, Sam e eu nos encaramos confusas mas não levou muito tempo até que Lenora retornasse com dois frascos em suas mãos. Ela parecia cansada, ela sempre parecia, mas naquele dia parecia mais, Lenora me ofereceu os frascos que ela segurava, um pequeno com um liquido azul claro e um maior com um líquido vermelho.

_ Isso vai te ajudar com as dores de cabeça, - ela disse me passando o liquido vermelho primeiro- beba o frasco todo, e esse aqui - ela disse oferecendo o menor - você pinga uma gota em cada olho, vai fazer com que eles voltem a cor normal.

Aquilo foi estranho, ela já tinha exatamente o que eu precisava mesmo sem saber o que tinha acontecido, minha expressão deve ter deixado claro meus pensamentos pois ela continuou.

_ Eu sabia que mais cedo ou mais tarde isso aconteceria, era uma questão de tempo até seu selo se desgastar. Eu só não esperava que fosse tão rápido.

Ela se sentou em minha cama e olhou para mim com certa tristeza nos olhos, algo que eu nunca vi em Lenora. Minha mãe adotiva sempre fora a mulher mais séria e durona que eu já tinha conhecido, sempre polida e educada, temida pelos alunos e altamente respeitada pelos docentes e membros da corte.

As vezes ela parecia carregar um fardo enorme em suas costas, e por muitas vezes eu pensei ser esse fardo, fiz meu melhor para não preocupa-la ou causar problemas. Tirava boas notas, guardava as agressões de Keira e meu problema com o professor Kall só pra mim, para que ela pudesse cuidar do Instituto sem intromissões.

Eu sabia que ela ainda se preocupava comigo, não era uma mulher falante mas sempre perguntava se eu havia comido, se eu estava indo bem nos estudos, se meu casaco era quente o suficiente, ou se eu estava me sentindo bem, ela era uma mulher de fazer mais do que falar, e eu respeitava isso. tornar-me independente foi a maneira que encontrei de mostrar a ela que ela estava fazendo um bom trabalho sendo mãe de uma menina que ela nunca pediu, mas acolheu como sua.

Naquele momento ela olhava pra mim como se ela temesse algo, e se aquela mulher forte temia algo eu provavelmente deveria temer muito mais.

Lenora fez sinal para que eu me sentasse com ela em minha cama, vi Sam se jogar na minha poltrona perto da lareira, já esperando pela boa história que ela sabia que viria. Caminhei até minha mãe cautelosamente e me sentei ao seu lado.

_ Quando você nasceu, - ela começou, seus olhos encarando a lareira a frente como se ela buscasse suas memórias mais profundas - a noite estava assustadora, estava acontecendo um eclipse duplo e sua mãe estava paranóica como nunca eu havia visto antes, ela era uma mulher doce, animada, sempre levando gentileza e uma palavra de sabedoria para todo lugar. Mas, ela também era muito supersticiosa, falava que de onde vinha isso era sinal de uma grande mudança, para o bem ou para o mal, ela sentia que tinha ligação com você, tentamos acalma-la de toda forma. Naquela mesma noite, ela havia saído e quando ela retornou tarde, ela estava ferida, disseram que foi um acidente de carruagem, e ela sangrava muito.

A voz de Lenora foi sumindo, ela abaixou a cabeça olhando para as mãos agora, meu coração parecia que ia sair do meu peito, não falávamos sobre minha mãe biológica, era um assunto que magoava Lenora, o que eu sabia era que ela era muito respeitada no instituto e uma bruxa talentosa, sua beleza fascinante era algo muito lembrado também, mas não falávamos dela de verdade, de como ela era como pessoa, do que ela gostava ou não.

_ Foi muito difícil seu parto, e quando você finalmente nasceu e ela olhou pa você, ela ficou fascinada e assustada ao mesmo tempo, seus olhos eram um inteiramente dourado e o outro só uma parte. Ela então proferiu algumas palavras e quando tocou seu rosto seus olhos ficaram castanhos. Ninguém entendeu nada, nem eu nem a curandeira nem nossa amiga que estava presente no momento. Depois disso ela pediu que cuidássemos de você porque ela não viveria muito, pediu para que mantivéssemos você longe do rei pois você era uma criança especial e que ele a mataria se soubesse sobre seus olhos. Ela não explicou muito, mas, disse que procurássemos informações sobre as crianças douradas e que seu selo duraria em torno de vinte e cinco anos, que eu estivesse atenta aos sinais. Ela não soltou você em nenhum minuto naquela noite até que algumas horas depois ela se foi.

Eu não tinha percebido as lágrimas quentes no meu rosto até que uma gota caiu no meu colo, não reparado também que Sam estava agora ao meu lado e abraçando meus ombros. Lenora pegou minha mão livre e me fez olhar para ela, seus olhos também estavam marejados apesar das não se atreverem a cair.

_ Ela te amou cada segundo de sua vida Aisling, não se esqueça disso, eu a protegi como pude até agora mas chegou um momento em que talvez você precise seguir sozinha. Descobri sobre uma bruxa nas montanhas de Cair da Noites que pode saber mais do que os livros tem a oferecer sobre seus poderes e sobre quem você é. Vou mandar uma pessoa de minha confiança para te acompanhar, e Samantha, vou precisar que quando você retornar ao seu reino busque todas as informações que conseguir a respeito, sei que essa lenda é muito forte em seu país e preciso que alguém de dentro procure discretamente. Ninguém jamais deve saber.

_ Não vou deixar a Ash ir sozinha para aquele lugar!

_ Ela não vai sozinha, e seus pais jamais permitiriam que você partisse para uma viagem sem alguém monitorando. Você pode ajudar fazendo o que pedi entendeu?

Sam assentiu naquele momento a contragosto mas eu sabia que ela não ia se deixar vencer tão fácil.

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