Amanhece mas o tempo chuvoso cria a ilusão de que ainda era madrugada, o céu parecia feito de chumbo, as nuvens pareciam também ter o peso do metal, uma chuva fina e irritante permanecia encharcando o ambiente e o vento uivava tão aterradoramente que parecia uma alma torturada.
Nick estende o braço e verifica o relógio de pulso em cima do criado mudo, vê que já eram quase onze da manhã, olhou para a esposa, uma mulher que um dia sonhou ser modelo, quando a conheceu ela usava os cabelos até o meio das costas, um cabelo liso e loiro, seu corpo, apesar de pesar um pouco mais do que na época do namoro, permanecia lindo e escultural, lembrou-se do apelido pelo qual a chamavam nos tempos de colégio: sereia. Era de fato uma mulher linda e extraordinária. Ficou ali admirando sua mulher, ela estava deitada de costas para ele, achava beleza nela em qualquer ângulo. Não sabia onde estava com a cabeça quando começou a traí-la com a nova secretária. Tudo bem que a Isabella era mais nova, possuía um rosto de artista de cinema e um corpo de modelo fotográfico, seios pequenos e duros, pernas compridas, um sorriso enigmático e cativante ao mesmo tempo e uma sensualidade que parecia transpirar e se espalhar como perfume pelo ar, mas nada disso importava, iria acabar com aquele caso, melhor, ia despedi-la, não podia trabalhar tendo aquele atentado ao pudor ambulante entrando e saindo a todo instante do seu escritório. Duas mulheres lindas e sensuais, cada uma a seu modo, mas Nicolau Heinrich tinha que escolher apenas uma e a resposta era a mais lógica.
— Amanda querida!
Ele tocou carinhosamente no ombro da esposa, mas ela não se mexeu, segurou o braço dela e comprovou que, assim como o ombro, estava frio, balançou o membro novamente, desta vez mais forte ao ponto de todo o corpo da mulher sacudir e virar-se para a sua direção, quando isso ocorreu Nick não conteve o grito, Amanda estava cianótica, seus olhos arregalados e sem brilho, seus lábios arroxeados, rachados e abertos balbuciavam algo.
— Querido? Querido acorde! Foi só um pesadelo!
E de fato quando Nicolau abriu os olhos se viu encharcado de suor percebeu que havia entrado em pânico com um simples pesadelo. Não! Não um simples pesadelo, ele havia ido para aquele lugar com a família justamente para valorizá-la ainda mais, Amanda e seus dois filhos eram tudo que lhe importava. Um sorriso nervoso surgiu espontaneamente ao olhar o lindo e saudável rosto de sua mulher.
— Está tudo bem! Que horas são?
— São oito e meia! Quer levantar já?
— Bem... Estou encharcado...
— Então eu sugiro que tome um banho e decida, até lá vou ficar aqui debaixo das cobertas, ao contrário de você estou com frio!
E Nick sentou-se na cama, quando pôs os pés no chão, este lhe pareceu feito de gelo. Pressionou as pernas para levantar-se e sentiu um leve tremor, a visão de ver a esposa morta afetou seus nervos. Respirou fundo e foi até o guarda roupas, pegou outro pijama, depois foi à suíte, colocou a roupa limpa em cima da tampa do vaso sanitário e retirou a blusa molhada de suor, assim que a peça de pano saiu de sua vista ele deparou-se com um Nick abatido e pálido encarando-o. Uma lufada de vento frio empurrou a porta fechando-a com violência. Ele mais uma vez respirou profundamente e abriu o box feito de vidro, ligou a torneira do chuveiro e a água quente caiu sobre seu corpo trazendo um relaxamento mais do que bem vindo, era quase como uma massagem. Tomou um banho de uns poucos minutos, o suficiente para encher o aposento com uma fina neblina que deixava tudo borrado na visão de Nick. Não ia escovar os dentes, nem pentear o cabelo, decidira voltar a deitar-se com Amanda, mesmo assim aproximou-se do espelho e foi limpá-lo com a mão, então pode ver como um simples banho quente melhorara sua aparência, mas então sentiu um ar frio próximo ao seu ouvido, seguido de uma voz feminina que lhe disse num sussurro:
— Ela é uma traidora... Traiu você... Traiu nossa raça... ela merece morrer...
Imediatamente Nick passou a mão no restante do espelho e viu uma mulher, era também loira como sua esposa, no entanto, mais magra e tinha olhos frios e distantes. Virou-se e não viu ninguém no banheiro, olhou novamente para o espelho e apenas o seu reflexo assustado permanecia lá. Ele falou para si mesmo:
— Rapaz... Esqueça isso!
Abriu a porta, enxugou-se, vestiu-se, esfregou rapidamente a toalha nos cabelos e voltou para a cama. Esticou a mão para tocar na esposa, mas parou a meio caminho quando se lembrou do pesadelo. Para seu alívio Amanda virou e lhe mostrou o mais belo sorriso, sorriso esse cheio de significados. Ele jogou-se na cama e os dois fizeram amor. Nick já não pensava mais em secretárias, em loiras do banheiro e nem em uma versão morta de sua esposa.
Ceci estava feliz. Corria e brincava com muitos amiguinhos, era um pega-pega como ela nunca experimentou antes, com tantos participantes, meninos e meninas das mais variadas idades. Ao redor outras crianças brincavam com brinquedos feitos de madeira, em balanços e até nadavam numa grande e bela piscina. O dia estava lindo, o sol brilhava de uma forma que tudo recebia um banho de luz dourada, borboletas das mais variadas cores voavam pelas flores também coloridas. Então no meio de tanta gente Ceci vê Helga vindo em sua direção.
— Oi Helga! Este lugar é tão lindo!
— Este é o nosso mundo!
— O mundo de vocês?
— E seu também! Você já é uma de nós! – a garota rechonchuda fala segurando as mãos de Ceci e a encarando firmemente. Seus olhos azuis brilhavam e eram tão cristalinos quanto a água da piscina que vira adiante.
— Aqui é tão bom, tão bonito e quente! Será que é um sonho?
— Você prefere que seja de verdade?
E a doce Ceci acena positivamente com a cabeça.
— Humhum!
— Então vamos brincar mais! – dizendo isso a menina puxa Cecília para junto de um grupo que brincava de amarelinha.
Enquanto sonha seu corpinho repousa na cama quase que soterrada pelos brinquedos.
Curiosamente Lucas também está num lugar parecido com o cenário onírico de sua irmãzinha, mas ao contrário do turbulento ambiente povoado por um número impreciso de pirralhos, ali ele se encontrava sozinho, apenas admirando a paisagem, sentia-se feliz, pois a qualquer momento ela chegaria. Eva. A garota que parecia ter saído de uma pintura feita há séculos. Simples e linda ela não se parecia nem um pouco com as meninas que moravam em sua rua ou do colégio em que estudava. As meninas da cidade pensavam apenas em bobagens como novelas e roupas e Eva gostava de curtir a natureza, colher flores...
O garoto estava sentado no chão, encostado em uma mangueira ele observava um curioso bichinho que apresentava nas costas asas com a mesma textura de uma zebra, o inseto caminhava displicente pelo seu dedo anelar até que levantou vôo, foi quando ela chegou, trazia a mesma cesta com flores do campo, o chapéu e o vestido comprido estampado com minúsculas flores cor de rosa. Ele levantou-se de pronto e segurou uma das mãos da garota.
— Você está linda... como sempre! – e delicadamente encostou seus lábios na alva mão da menina.
Ela reclinou a cabeça, seu rosto estava ruborizado.
— Lucas!
— Que foi?
— Não sei se é certo!
— O quê? O que não é certo?
— Você acredita que nós...
— Você quer ser minha namorada?
A garota arregalou seus lindos olhos azuis. O rosto que antes estava avermelhado de vergonha agora estava quase transparente de tão branco.
— O que foi que eu disse? É tão sério assim? É que estou gostando tanto de você! Sei que não tenho experiência com essas coisas, mas... Você não gosta de mim, é isso não é?
Os grandes olhos azuis de Eva se encheram de lágrimas, ela soluçou, segurou firme o chapéu para que não voasse acompanhando a lufada de vento que soprava naquele instante. Ficaram ali se encarando por segundos até Eva foi se chegando e deu um beijo nos lábios de Lucas, era o que costumavam chamar de selinho, mas para o garoto aquilo foi um beijo maravilhoso. Ele estendeu as mãos com o intuito de segurar os ombros de Eva para quem sabe receber mais um beijinho, no entanto, uma névoa invadiu tudo ao redor, deixando o ambiente branco. Tentou ver sua amada, mas não conseguia ver nada além da brancura. Foi aí que ouviu uma frase que acelerou seu coração juvenil, deixando-o descompassado e eufórico:
— Eu também gosto de você... E muito!
Amanda abre os olhos e espreguiça, olha para o lado e vê seu marido ressonando, agora sim ele apresentava um rosto tranqüilo. Passando as mãos suavemente no rosto de Nick ela fala próximo ao seu ouvido:
— Onze e quarenta e nove, acho melhor irmos acordar as crianças para almoçarmos.
E o casal passa primeiro no quarto do filho, lentamente abrem a porta e deparam-se com o garoto abraçado com o travesseiro, seu rosto era sereno e ele quase sorria enquanto dormia.
— Viu? Eu te disse, tem garota na jogada!
O casal deve ter feito algum ruído, um som que foi o suficiente para despertar o garoto de sua ilusão. Sem jeito ele resmungou:
— O quê? Pai! Mãe! Por que não batem na porta antes de entrar, preciso de privacidade!
— Privacidade? Você nem tem idade pra saber o que é isso moleque! – diz o pai fingindo estar irritado.
A mãe tenta amenizar as coisas, pois o garoto estava ficando totalmente sem graça e chateado.
— Está bem, só viemos chamar para almoçar, apesar de escuro é quase meio-dia.
A próxima parada era o quarto de Ceci, ao chegarem perto ouvem sons de vozes. Assustado Nick abre da porta.
— Quem está aí com você Cecília?
Mas a garotinha estava sentada na cama só com seus brinquedos: Pingo, uma boneca com vestido verde e um porquinho. Outros tantos estavam espalhados pelo chão.
— Estou com meus amigos pai, o Pingo, a Helga e o Hans!
Hans era um boneco de plástico horrendo, tinha corpo de gente e cabeça de porco, possuía um sorriso sarcástico e enormes olhos, mesmo sendo um brinquedo inofensivo ele parecia transparecer algo maligno.
— Não me lembro de ter te dado este porco! – falou curiosa a mãe.
— Este é o Hans e ele foi presente de outra pessoa, não foi a senhora quem me deu!
A mãe ia perguntar quem lhe dera tal presente, mas preferiu deixar isso para outra ocasião.
— Não importa! Coloque sua roupa e venha almoçar.
— Sim mamãe!
Os dois saem deixando para trás a garotinha que se orgulhava de já vestir-se sozinha.
— Nick!
— Sim amor?
— O que está havendo com você?
— Como assim?
— Você está diferente, parece tenso desde que teve aquele pesadelo hoje cedo!
— Foi só isso, um pesadelo!
— Você nem sequer me contou o que viu nesse sonho.
— Porque não era sonho, era pesadelo e não quero contá-lo, quero esquecê-lo, está bem?
— Está bem, mas e o que foi aquilo no quarto da Ceci? Você agiu como se houvesse mais alguém no quarto de nossa filha!
— Não vimos ninguém lá lembra? Eu só fiquei assustado com o pesadelo desta manhã. – dizendo isso ele sentiu-se mal por ter sido duro com a esposa, então, como um pedido de desculpas, lhe deu um beijo.
Quando se reuniram para o almoço descobriram que a mesa já estava pronta, Genival e sua família estavam a postos esperando as próximas ordens. O almoço transcorreu tranqüilo, na verdade tranqüilo demais, ninguém falou nada, cada um estava alheio em seus pensamentos, não dá nem para saber se sentiram o sabor da comida. Depois de satisfeitos, a família Heinrich se aconchegou nas grandes e fofas poltronas para assistir televisão, mais tarde iriam novamente se divertir com os jogos. À medida que as horas passavam o clima ia esfriando, o que fez com que Ceci caísse no sono e ficasse encolhidinha como um bichano ao lado da mãe.
— Minha princesinha adormeceu, temos que levá-la para o quarto. – diz a mãe fazendo sinal ao marido para que a levasse no colo, pois ela não estava agüentando mais o peso de sua “bonequinha”.
Nick já estava levantando do sofá quando uma fina e sonolenta voz interrompe seus passos.
— Hum... Quero que o Lulu me leve! – fala a menininha escancarando a boca e esticando os bracinhos toda manhosa.
— Você agüenta carregá-la moleque?
Apesar de querer provar já ser um quase adulto responsável Lucas não sabia se agüentaria o peso da irmãzinha, ele ia tentar, mas foi salvo pela própria irmã.
— Não precisa papai, eu vou andando.
E os irmãos vão seguindo de mãos dadas, uma cena que emociona os pais que há tanto queria uma interação maior entre eles.
No quarto Ceci senta-se na cama, abre um sorriso e diz:
— E então?
— Então o quê?
— Não vai me contar agora seu segredo?
— Eu... Como sabia que eu estava pensando em te contar uma coisa?
— Eu adivinhei!
— Bem... Não tem mais ninguém pra eu contar e... Acho que talvez você acredite... Sei lá!
— Conta! Não vou falar nem pro papai, nem pra mamãe.
— Lembra quando eu fui passear de cavalo com eles?
— Humhum.
— Teve uma hora em que eu saí para cavalgar sozinho. Fui até perto da porteira que é a entrada da fazenda. Estava distraído quando percebi que não estava sozinho.
— Você encontrou quem? – a menininha por um instante pareceu preocupada.
— Encontrei a garota mais linda que já vi neste mundo!
— Era que nem eu? Quer dizer... do meu tamanho?
— Não! Eu disse uma garota, não uma pirralha!
— Ah!
— Ela era da minha altura, tinha a pele tão branquinha que precisava andar usando um grande chapéu, os cabelos eram loiros e lisos, quase brancos e chegavam até a cintura...
— Qual é o nome dela?
— O nome dela é Eva! E...
— Então é a prima de Helga!
— Helga? Que Helga? Está maluca! Como sabe que ela tem uma prima?
— A Helga me disse que tem uma prima chamada Eva, não é Helga? – e Ceci olha para a boneca descabelada.
A boneca era terrivelmente feia e parecia sorrir.
Lucas assombra-se com o gesto da irmã e levanta-se.
— Ceci... tem alguma coisa que você queira me contar? Algum segredo também?
Cecília chega a abrir a boca, mas não fala, ela olha demoradamente para seus brinquedos e em seguida balança a cabeça negativamente.
— Olha... deixa pra lá! Eu vou pro meu quarto!
Enquanto caminhava para o quarto ao lado ele pára, volta alguns passos e ouve uma conversa no mínimo estranha:
— Como assim não devia ter contado?
— Eu não confio nele! – era uma voz de criança também, mas não parecia a de sua irmã e sim a de um menino.
— Mas a Helga disse que não tem problema!
— A Helga não sabe de nada, ele não pode ser um de nós, você sim! Ele se acha muito esperto!
— Mas ele é meu irmão! E gosto muito dele!
— Eu disse não! – a voz de menino era irritante e demonstrava um ódio contido.
E então se ouve o som de algo espatifando no chão. Lucas joga-se de encontro à porta abrindo-a bruscamente. Quando olhou para dentro viu o abajur caído e quebrado no chão ao lado da cama da irmã e esta toda coberta e tremendo.
— Ceci!
— Vai embora!
— Calma! Sou eu o Lulu! Quem estava aqui com você?
— Ninguém!
— Eu ouvi você conversando com alguém.
— Eu estava só brincando.
— E o abajur? E por que está tremendo?
— Eu ouvi alguma coisa lá fora e tomei susto.
— Daí você se trombou com o abajur?
— Ahã!
Lucas olhou pela janela e viu as plantas enegrecidas pela noite balançando ao sabor do vento, mas nada de anormal, o que não serviu para aliviar seu coração.
— Quer que eu te leve para o quarto do papai e da mamãe?
— Não.
— Então quer dormir no meu quarto comigo? A cama é grandona!
— Não precisa. Eu estou bem, já estou até com soninho.
— Você é quem sabe, qualquer problema você chama que eu venho logo, está bem? Promete me chamar?
— Palavra de não-escoteira!
Lucas despede-se dando um beijinho na testa de Ceci. Enquanto saía do quarto ele sente algo sob o seu pé direito e por muito pouco não estragava um boneco esquisito com cabeça de porco.
— Quase pisei nesse boneco Ceci, quer que eu o coloque aí perto de você?
Ela lançou-lhe um olhar assustado e ficou imóvel. O garoto estranhou o comportamento e perguntou:
— Ceci? Quer...
— Não! Deixe aí mesmo.
— Já que quer assim...
O garoto encostou a porta, mas não fechou, ficou um pouco em pé olhando a irmãzinha para ter certeza de que nada ia acontecer, depois foi para o seu quarto, deitou-se e ficou pensando. A irmã conversava com brinquedos e agora achava que conversava com amigos imaginários também, será que ele também estava fazendo isso e a Eva também era uma amiga imaginária? Fechou os olhos e logo depois dormiu.
— Patrão Nicolau! Precisam de mais alguma coisa? – pergunta Joselina ao lado de Genival e a filha.
— Ah... não! Podem ir descansar, ficaremos bem.
E a família de empregados retira-se para seus quartos nos fundos da casa, deixando o casal sozinho no grande e confortável sofá branco da sala. Nick beijou o pescoço da esposa e por um breve instante imaginou ser o pescoço de Isabella, afastou-se devagar, tentando disfarçar o constrangimento, mas Amanda não percebeu nada, pelo contrário, fez até uma sugestão.
— Querido!
— Fala querida.
— Temos vinho na casa?
— Ora! Devia ter pedido à Joselina...
— Shhh... – Amanda pede silêncio – não vê que quero esse momento só pra nós? Eles são ótimos, mas às vezes me assustam.
— Ah... Deixe de bobagem! Tudo bem que eles trabalham aqui há tempos e são meio caladões, mas o Genival mesmo é uma ótima pessoa, muito prestativo e tem um jeito mais alegre que os outros.
— Mas a Joselina parece uma pessoa sofrida, alguém que passou por algum trauma... E a garota? Ela é... sei lá...
— Assustadora?
— Sim, mas, ela parece ter muita tristeza dentro daquele corpinho magro, tenho pena dela! Achou o vinho?
— Sim...
E Nick volta à sala com duas taças com gelo e uma garrafa de vinho. Preparou-se para abrir a garrafa e torceu para que não fizesse muito barulho, ao tentar ajeitar o saca-rolhas, a ponta deste feriu-lhe um dos dedos, deixando sair um filete de sangue.
— Droga!
— Nick? Você está bem?
— Não foi nada! Vou mostrar a essa garrafa quem é o chefe por aqui!
Ele torceu, e torceu, até que, depois de aplicar bastante pressão conseguiu abrir a garrafa. Depois despejou o líquido escarlate nas duas taças e serviu a mulher.
— Eu conheço esse seu olhar Amanda. Você quer...
— Sim! Quero conversar mais.
— Tudo bem. E sobre o que vamos falar?
— Eu de repente me lembrei do Louro.
— O que tem o Louro?
— Ora... Não acha estranho o sumiço dele?
— Ah... ele foi atrás da ex mulher, se está demorando é por que eles voltaram e fizeram as pazes, sei lá!
— Achei que ele fosse dar notícias!
— Você está preocupada com ele?
— Estou! Ele é meu amigo... também!
Ouvindo aquele comentário Nick ficou um instante em silêncio, tomou um grande gole de vinho e disse:
— Amanda... Tem uma coisa que sempre ficou em minha cabeça, mas nunca tive coragem de perguntar.
— O quê?
— Você disse que conhecia o Lourival há mais tempo que eu...
— Sim. Um pouco antes, fomos vizinhos, já te disse isso! Foi ele quem nos apresentou, esqueceu esse detalhe?
— Claro que não. Ele me disse que você era a garota perfeita pra mim.
— Então... Qual é a coisa que está em sua cabeça?
—Vocês tiveram algum envolvimento?
— Que pergunta mais besta é essa? O Louro é seu amigo!
— Eu quero saber se antes da gente ficar junto...
— Não... quer dizer... rolou uma coisa em uma festa, mas nada demais.
Nicolau ficou triste com aquelas palavras, considerava Lourival um de seus melhores amigos e nem ele, nem sua esposa lhe mencionaram essa situação entre os dois. Sentia-se traído, machucado por dentro.
— Ei moço! Olhe pra mim!
E Nick olha para a esposa, seus olhos são como de uma criança assustada, aliás, era exatamente assim que ele sentia-se naquele momento.
— Nick! O Louro é perdidamente apaixonado pela ex mulher. Ele deve estar com ela agora e eu torço para que se entendam. Outra coisa... Eu te amo seu besta! Pode confiar em mim, assim como confio plenamente em você. Sei que não teria coragem de aprontar comigo!
Nick sentiu seu coração se apertar. Sentia agora ainda mais a culpa lhe pesar no peito, estava de fato traindo sua esposa, ela não merecia aquilo. Então para encerrar um assunto tão indigesto Amanda toma a taça da mão do marido e cuidadosamente coloca junto à outra na mesinha de centro, ao lado das caixas de jogos empilhadas e lhe dá um caloroso beijo na boca. Nick deixou-se levar e em segundos eles estavam namorando ali na sala, nem sequer pensaram que uma das crianças poderia acordar, afinal, para ir beber água teriam que obrigatoriamente passar pela sala para chegarem à cozinha. Naquele instante eles nem lembravam que tinham filhos.
— Ela é uma traidora... Traiu você... Traiu nossa raça... ela merece morrer...
E a voz da loira do banheiro voltou trazendo de novo o terror para a mente de Nicolau. Tanto que ele estremeceu e empurrou violentamente a esposa que quase cai do sofá.
— Nicolau Heinrich! O que está acontecendo?
— É uma... Senti uma barata... na minha perna!
— Ahhh! Mata ela querido! Sabe que tenho horror a esses bichos nojentos!
E Nick levantou-se com a arma, quer dizer, com a sandália em punho e pronto para aniquilar a fictícia cascuda.
— Acho que correu para aquele lado! – apontou para um trecho qualquer da casa que fosse contrário à escada que dava acesso ao quarto do casal.
— Acho que já é hora de irmos dormir mesmo querido! Vou levar as taças para a cozinha, tem certeza de que o bicho não foi pra lá?
— Sim!
A mulher foi bem rápida, não queria topar com o minúsculo monstro no meio do caminho. Depois marido e esposa subiram a escada e entraram em seu quarto, Nick estava novamente mudo. Quando estavam debaixo das cobertas Amanda perguntou:
— Nick? O que foi dessa vez?
— Não esconderia nada de mim sobre o Lourival e você... esconderia?
— Vou fingir que não ouvi isso senhor Nicolau Heinrich!
E Amanda virou-se de costas para o marido, estava irritada e nada afeita a conversas, enquanto Nick magoado virou-se também de costas e era como se abrisse um precipício no meio da cama separando os dois.
Lá fora o vento parecia um coral repetindo:
Traidoooooraaaaa... traidooooraaaaaa... traidooooraaaaaa...
O dia chega como um visitante inesperado, pois estava quente e brilhante, totalmente adverso dos dias anteriores que eram quase noite devido às densas, escuras e ameaçadoras nuvens de chuva. Raios luminosos atravessaram as vidraças e invadiram o quartos trazendo uma frágil atmosfera de paz.Quando Amanda, Lucas e Ceci saíram de seus respectivos quartos encontraram Nick já de pé e vestido a caráter, chapéu, calças jeans e bota.— Vai aonde cowboy? – pergunta Amanda bem humorada.— Querida! Hoje eu tive um sonho maravilhoso, nele vi um lugar lindo!— Que bom querido!Amanda sentia-se bem, a noite anterior, a conversa indigesta, as insinuações e dúvidas pareciam agora à milhas distante dali, o calor do dia parece ter curado as feridas emocionais como por milagre, ela vê o rosto iluminado do marido que empolga
A chuva veio acompanhada de um vento frio e ruidoso, de raios e seus trovões, fato este que causava uma alternância entre escuridão e extrema claridade.Dentro da sede da fazenda, mais precisamente num dos quartos dos fundos reservados aos empregados, Antônia está acordada. Tensa ela olha para os papéis espalhados em sua cama, cada um com um desenho diferente, qualquer um olhando atentamente perceberá que se trata de trabalhos de pessoas diferentes, neste caso, de crianças diferentes, os traços e até as palavras escritas em alguns deles deixam como prova que não foi apenas Ceci que os fez, mas que seus amiguinhos também participaram.O primeiro desenho foi feito claramente pela menina Cecília: mostra ela mesma no centro, ao lado de seu palhacinho de pano e de uma garota com um vestidinho rosa.No segundo desenho aparece um menino
— Querido... Acorde!— O quê? Mas onde...— Bobinho... Você dormiu de novo no escritório!— Isabella? Mas e a fazenda, minha filha...— Já faz quase um mês que vocês voltaram Nick. Está tudo bem, você não se lembra? A sua filhinha só estava brincando de esconde-esconde e acabou dormindo debaixo da cama!— É... e assim que a chuva parou voltamos para cá.— Isso mesmo! Agora vamos voltar ao presente. Lembra do que conversamos lá na fazenda?— Sobre... – e Nick abaixou o tom de voz para evitar que as paredes do escritório os ouvissem – a possibilidade de estarem me dando um golpe?— Sim... Tenho quase certeza de que estou na pista certa, me dê uma semana e te digo qual de seus sócios está te traindo. Agora, por que não aproveita pa
O mais correto era ele ter ficado em casa ajudando a procurar a pequenina, pois provavelmente ela estaria lá mesmo, em seu próprio quarto, no entanto, Genival experimentava sensações que nunca havia sentido, pelo menos não naquela intensidade, sentia um alerta de perigo e era como se uma força o impulsionasse para a pequena floresta existente a uns duzentos metros dos fundos da casa.A chuva engrossara de tal forma que era difícil enxergar e até mesmo se mover e foi por meio de uma visão turva que ele identificou um vulto movimentando rapidamente em direção às árvores. Um vulto pequeno, todo borrado, mas uma coisa era certa: uma mancha amarelada tremulava ao vento, os cabelos loiros de Ceci.— Menina Ceci! – gritou o funcionário da fazenda.Como em resposta a garotinha parou, virou-se e acenou.Dentro da casa a situaç&atild
Amanda chegou à porta de seu quarto, girou levemente a maçaneta, ela esperava encontrar a filhinha escondida debaixo da cama, num daqueles acessos de brincadeiras inconseqüentes que as crianças fazem de vez em quando. Ela a princípio ficaria furiosa, mas perdoaria a filha.— Ceci? Cecília minha filhinha, já está na hora de parar com essa brincadeira! Mamãe está aqui!A luz azulada da tempestade lá fora iluminava mais que a vela que trazia consigo, mas nada, nada de Ceci. Estava disposta a olhar cada canto minuciosamente quando ouviu um gemido. Era sua filha? Estaria machucada?— Mamãe? É a senhora?A voz estava meio abafada e parecia vir da suíte.No andar de baixo Joselina lembra-se de que a filha tinha uma lanterna, já que a que ficava na cozinha havia desaparecido, abriu uma gaveta e l&aa
Nick tenta mais uma vez abrir os olhos, era inútil, era como se algo muito pesado impedisse que suas pálpebras se abrissem. Tentou mexer-se e novamente foi em vão. Outra tentativa foi gritar por socorro e, assim como os olhos, algo também pesava sobre sua boca e garganta. Seu fim era este? Num instante estava de volta à sua casa na cidade, no instante seguinte estava num lugar frio, escuro e que o deixava imobilizado. Tentava pensar, organizar os acontecimentos, no entanto era muito difícil pensar, apenas uma coisa importava naquele momento: sair dali.Joselina estava parada olhando aquela parede, aquele horripilante mural com desenhos infantis e propósitos malignos. E as letras? Letras redondas e bem feitas, como de uma criança que treinava bastante a caligrafia. Com um nó na garganta ela observa o final da frase feita com giz de cera, o trecho onde dizia que sua filha havia sido v&
Amanda aproxima-se da banheira para ver o vulto que parecia estar com sua filha. De passos lentos e cuidadosos ela avança. Um raio caído lá fora, na tempestade, ilumina o ambiente e o brilho da faca ofusca a visão da mulher. Pode ver também que sua filha estava realmente lá, e junto com ela uma moça que não tinha ainda trinta anos, era de uma beleza exótica e seu rosto lhe era familiar.Joselina está parada no meio do quarto da filha, de um lado o mural perverso com desenhos das crianças fantasmas e um recado macabro, do outro, uma figura comprida, usando uma mortalha preta e um véu também negro. Era ela, só podia ser! Era a Antônia. Sua filha havia voltado para casa e estava viva. Isso era o que desejava com todas as forças o seu coração, mas aquela pessoa que estava ali, apesar da semelhança, parecia
Nick está na praia, sente o calor, o cheiro de maresia, o barulho das ondas... Fazia tempos que não aproveitava o seu tempo com a família, não só o pessoal de sua casa, mas os tios e primos. Era muito tímido e não brincava muito com os parentes. Ele era o mais novo e por isso não lhe davam muita importância, mas naquele dia as coisas iam mudar, sentia isso. Quatro meninos e duas meninas, todos mais velhos, adolescentes e o pequeno Nick possuía naquela ocasião apenas dez anos. — Vejam só! É o pequeno com o cabeção! Um dos garotos faz gozação, mas é interrompido por outro que lhe fala algo no ouvido. — Sabe Nick... A gente fez uma competição e eu sou o re