O dia chega como um visitante inesperado, pois estava quente e brilhante, totalmente adverso dos dias anteriores que eram quase noite devido às densas, escuras e ameaçadoras nuvens de chuva. Raios luminosos atravessaram as vidraças e invadiram o quartos trazendo uma frágil atmosfera de paz.
Quando Amanda, Lucas e Ceci saíram de seus respectivos quartos encontraram Nick já de pé e vestido a caráter, chapéu, calças jeans e bota.
— Vai aonde cowboy? – pergunta Amanda bem humorada.
— Querida! Hoje eu tive um sonho maravilhoso, nele vi um lugar lindo!
— Que bom querido!
Amanda sentia-se bem, a noite anterior, a conversa indigesta, as insinuações e dúvidas pareciam agora à milhas distante dali, o calor do dia parece ter curado as feridas emocionais como por milagre, ela vê o rosto iluminado do marido que empolgado dizia:
— E sabe que mais? Nesse sonho a gente vivia feliz nesse lugar!
— Mas... Não foi essa a sua idéia quando comprou esta fazenda?
— Sim... E é aqui mesmo que vou construir esse lugar, vai ser um casarão em outra parte do terreno. Está tudo aqui na minha mente, vou chamar o Genival e vamos ver o local. Depois vou fazer uns esboços e assim que der eu contato um arquiteto, um engenheiro e...
— Calma amor! Você está muito eufórico! Vamos tomar nosso café juntos, depois você vai cavalgar com o Genival e vê isso, está bem?
Joselina traz as bandejas com sucos, pães e biscoitos e vai arrumando na mesa quando é interrompida por Amanda.
— Joselina! Você está bem mulher? Está abatida e com olheiras!
— Estou bem senhora Heinrich. Apenas com um pouco de enxaqueca.
Nick apressava-se, devorava um pão ferozmente e quase se engasgou com um gole de suco. Estava excitado com as suas novas idéias e sentia-se pronto para pô-las em prática, na verdade sentia como se fosse capaz de realizar o impossível naquela linda manhã ensolarada. Levantou-se ainda cheio de farelos de pão pendurados na camisa e gritou para o empregado.
— Genival! Os cavalos já estão prontos? Temos que aproveitar que o tempo está ótimo! O que acha de ir também Lucas?
A possibilidade mínima de rever Eva fez com que o garoto se levantasse de imediato e começasse a agir como o pai, apressado e com um ar meio apalermado, seus motivos, porém, eram outros. Já podia até mesmo sentir o perfume de flores em seu nariz.
— Genival! Sele mais um cavalo, meu filho também vai.
Feliz o pai abraçou o filho e lhe deu um beijo na cabeça, depois passou a mão em seu cabelo despenteando-o.
— Pai! Meu cabelo!
— Ora! Até parece que vai a um encontro...
— Mas a pessoa mais próxima mora a uns três quilômetros daqui. – disse Genival que entrara naquele momento na sala.
Lucas tentou não pensar naquela afirmação, foi colocar sua calça e depois foi encontrar-se com o pai e Genival. O garoto ficou um pouco impaciente quando notou que a sua montaria ainda não estava pronta. Soube então que o cavalo que montara da outra vez não parecia disposto a sair naquele dia e empacara tão qual um jumento teimoso. A solução foi acostumar-se com o mesmo cavalo que sua mãe montara, parecia meio vagaroso, mas ia ter que servir desde que conseguisse encontrar-se com sua bela dama das flores.
O cheiro de mato molhado penetrava de imediato pelas fossas nasais, era um aroma até gostoso, diferente dos gazes tóxicos e cinzentos que se respirava (envenenava) na cidade. O céu estava novamente azul, mas o garoto não confiaria mais naquele ambiente no mínimo curioso. Os três seguiram por um caminho que logo Lucas reconheceu como o mesmo que ele havia trilhado da outra vez. Um sorriso bobo brotou em seus lábios.
— Lá está patrão, estamos com sorte, não há neblina hoje, vamos poder ver exatamente o local onde ficava a sede antiga.
— E onde vamos fazer nossa mansão de festas meu caro! Talvez até fiquemos nela e deixemos a outra para os hospedes.
Desceram dos cavalos e o jovem olhou ao redor, tinha a impressão de que estava sendo observado, reparou também que aquele era o mesmo lugar onde Eva havia desaparecido, olhou novamente e viu um vulto adiante, por trás de uma árvore, era Eva e ela parecia acenar para que ele se aproximasse.
— Pai eu vou ali naquela árvore, é que... deu vontade de mijar e...
— Claro meu filho! Vá!
Enquanto Lucas se distanciava Nick lembrava-se da mansão de seu sonho e visualizava onde ficaria cada cômodo. Via grandes salões preenchidos com móveis de madeira de lei, quadros de valor inestimável nas paredes, cortinas que variavam de acordo com o cômodo, algumas estampadas com motivos florais, outras em cores em tom pastel, a iluminação por conta de lustres de cristais, um verdadeiro palacete secular. Andou por um instante de olhos fechados relembrando todos os detalhes sonhados, enquanto fazia sua viagem mental nem sequer reparou o semblante preocupado de Genival.
— Não seria melhor o senhor construir outra coisa, uma piscina talvez?
— Ah sim, terá uma piscina também, mas não abro mão da casa, sempre quis morar numa casa assim, desde pequeno, é como se eu já tivesse vivido aqui em outra vida. Apesar de não acreditar muito nessas coisas!
Eles caminham e aos poucos vão divisando os restos da fundação, pedaços de tijolos grandes e densos, cacos de telha, o que restou de uma colher, agora corroída e desgastada, até que Nick dá uma topada em algo diferente, um pedaço de metal enterrado.
— Genival! Ajude-me com isso aqui, está preso!
Os dois puxam e descobrem um pedaço do antigo portão da propriedade, metal corroído, escurecido, sujo e em forma de letras.
— Aria, arian... O que significa isso?
— Parece ser o nome antigo da fazenda.
— Quer dizer que nem sempre o nome foi: Colinas Verdejantes?
O homem apenas acena com a cabeça de forma negativa. De repente parecia que o sujeito não queria estar mais ali.
— Hum... Isso aqui depois do “n” parece um “c” ou um... Já sei! Ariano! Que diacho de nome é... Mas é claro! Ariano! Eles eram alemães, mas esse termo não é um tanto quanto racista?
— Como o senhor mesmo lembrou, eles eram alemães e era assim que eles se chamavam. E isso aí tem muito tempo... Vai ver naquela época não achavam ruim usar esse nome.
— Sabe que eu gostei do nome? Talvez eu retome esta nomenclatura na fazenda. Vamos escorar este pedaço de portão naquela cerca, quero tirar uma foto.
Eles erguem o pedaço de portão, era mais pesado do que aparentava, afinal de contas, as coisas antigas eram feitas para durar, sua avó sempre lhe dizia isso. Material resistente e de qualidade, os antigos proprietários prezavam pela excelência e era exatamente isso que ele também faria, retomaria a antiga aparência do lugar e o que ele representava. Parecia até mesmo que ele fazia parte daquela família, mas eram alemães, vinham da pátria de seus antepassados. Sentiu-se orgulhoso por empenhar-se naquela tarefa, era como se o destino lhe tivesse reservado aquele maravilhoso ambiente onde gerações de pessoas viveram, e essas pessoas compartilhavam o mesmo sangue alemão, um sangue puro... Puro? Por que será que esse termo lhe veio à mente? Bobagem! Estava apenas divagando demais! Os dois escoraram o metal na cerca e Nick posicionou-se para fotografar, estava tão animado que não notou dois ou mais borrões que surgiam por trás do arame farpado, caso alguém lhe indagasse a respeito diria que era conseqüência de sua inexperiência no ofício de fotógrafo.
E no momento em que Nick tirava fotos com seu celular Lucas caminhava pelo mato rasteiro puxando o cavalo pela rédea. Amarrou a montaria na árvore que havia indicado ao pai. Agora sim ele estava feliz, reencontrava sua garota dos sonhos. Estava ela deslumbrante num vestido amarelo estampado com minúsculas flores brancas, usava um chapéu feminino de palha ornado com um delicado laço de fita também amarelo.
— Oi! – disse ele timidamente.
— Oi Lucas!
— Você parece triste Eva. Sabe que eu já estava pensando que você fosse imaginação minha? Como minha irmã que tem amiguinhos invisíveis e...
A garota estava séria e o olhava direto nos olhos.
— O que foi? Falei alguma coisa que não devia?
— Seu pai!
— O que tem meu pai?
— Faça-o desistir da loucura que está pensando em fazer!
— O quê? De construir a outra casa?
— Não é uma casa comum, ele quer reerguer a antiga mansão que existia ali e isso não é bom!
— Por quê? O que há de tão mal nisso?
— Tudo! Aquele lugar é ruim, muitas coisas horríveis aconteceram nesse lugar!
— Do que você está falando? Que história é essa? Você nem parece feliz em me ver!
— Estou feliz em vê-lo e ao mesmo tempo preocupada com você e sua família, principalmente sua irmã.
— Minha irmã? Como assim? Você está me assustando!
— Acredito que sua irmã esteja em contato com as crianças que moravam aqui.
— Espere aí! Que crianças se não mora ninguém aqui há anos?
— Exatamente!
A cabeça de Lucas estava confusa, crianças que moram ou que moravam ali? Ia perguntar novamente quando um desastrado lagarto despencou da árvore caindo bem em cima da cabeça de Eva, o que fez com que ela tomasse um susto e gritasse. Imediatamente o jovem estende a mão para tentar lançar longe o bicho e acaba por tirar o chapéu da garota.
— Não! Afaste-se, olha pra lá!
Prontamente Lucas vira-se sem entender direito o que estava acontecendo. Aquela atitude fora exagerada. Será que ela também se importava tanto com seu penteado, assim como as meninas do colégio onde estudava?
— Posso olhar? Eva?
Quando se virou ela não estava mais lá. Teria o vento levado o chapéu para longe e ela havia corrido atrás? Olhou para todos os lados e nada! Nada daquela linda menina misteriosa. Lucas sentiu-se desapontado. Era como se ela nem ali estivesse há poucos minutos. Ouviu passos e animou-se novamente. Virou-se mas...
— Lucas! Você está fazendo o número dois? Venha aqui! – era Nick que chegava para ver o que o filho estava fazendo.
— Não pai! É que acho que bebi muito suco... e esse sol me deixou um pouco tonto e...
Descobriu-se explicando demais e então calou a boca, a razão do comportamento inusitado de Eva provavelmente ficaria povoando seu pensamento até quando pudesse vê-la novamente, se é que isso ia acontecer novamente. E se ela fosse apenas uma alucinação?
— Vamos pra casa, quero começar a organizar o projeto!
Ao contrário do filho Nick estava eufórico.
Assim que chegaram em casa Nick era todo empolgação, falava o tempo todo de seu projeto de construção da nova mansão e de como fará festas chamando amigos da empresa e outras situações, como a piscina para as crianças, além de um parquinho e a arquitetura do século XIX contrastando com peças modernas de mobiliário. Isso com certeza ia animar sua esposa.
— Ceci! Meu anjo pode trazer uns papéis, lápis e borracha para o papai? Sei que você trouxe mais.
— Sim papai.
— Agora lembrei de uma coisa Ceci – diz a mãe parando-a no meio do caminho para o quarto – você não me mostrou seus outros desenhos, podia trazê-los?
— Sim mamãe.
A garotinha vai para o quarto, mas demora a voltar.
— Rápido menina! Estou ansioso!
— Não grite com a menina Nicolau! O que há com você?
— Desculpe-me querida!
— Não é a mim que você deve desculpas.
Amanda ficaria preocupada se reparasse no repentino tremor nas mãos do esposo.
E a garotinha volta trazendo uma resma de papéis em branco e seu estojinho cor de rosa ilustrado de princesas. O pai então a abraça forte e diz:
— Desculpa o papai... eu te amo filhinha! – e lhe dá um beijo na testa.
— Por que demorou tanto Ceci? – pergunta a mãe.
— Eu não achei os desenhos pra mostrar para a senhora.
— Não se preocupa com isso, depois você faz outros, está bem?
— É que tinha os desenhos de meus amiguinhos também! E eles queriam que a senhora e o papai vissem!
— Entendo... E tinha desenho do Pingo também?
— Humhum!
O clima esfria um pouco e a família resolve ficar vendo televisão, mas Nick mostra-se impaciente e a todo momento levanta-se para fazer mais esboços, quando alguém se aproximava para ver como estavam os desenhos Nick não permitia, dizendo ser surpresa e que só mostraria quando estivesse quase pronto. Sua repentina agressividade fez com os demais obedecessem.
No início da noite o telefone toca e Nick corre para atendê-lo.
— Alô! Oi Isabella! O que houve? Sim... Tem certeza? Já que é assim... Certo. – e ele põe o fone no gancho, ficando parado e pensativo.
— Quem é Isabella? – pergunta Amanda intrigada.
— O quê? Ah! É minha secretária. Ela estava me passando umas coisas da empresa.
— Deve ter sido coisa importante para ter que te falar em plena folga.
— Sim... Importante!
Dizendo isso ele volta para a mesa onde retoma seus esboços. O interessante dessa história é que, até então, Nick não sabia fazer um “o” com um copo!
A noite avança e os ocupantes da casa se recolhem.
Em seu quarto Nick dorme sonhando que sua folga acabou e está de volta ao seu escritório. Está descansado e tranqüilo, a vida lhe parecia perfeita. Andou pela sala, ficou por um instante observando os diminutos automóveis na avenida abaixo de seus pés. Então era isso que queriam dizer com subir na vida! Sorriu satisfeito, tudo estava às mil maravilhas, mas naquele instante faltava uma coisa, algo que tinha tempo que não fazia.
— Isabella!
Ele chama a secretária pelo interfone em sua mesa e prontamente uma bela mulher alta, com cabelos compridos e negros surge abrindo a porta.
— Em que posso servi-lo senhor? Devo dizer que lhe trouxe um presentinho, uma surpresa.
A moça aproxima-se do chefe, senta-se na mesa e abre bem as pernas. Nick arregala os olhos e dá um sorriso.
— Adorei a surpresa Isabella!
Nick derruba as coisas que estavam em cima da mesa, deita a secretária e os dois se entregam à paixão.
Em seu quarto Lucas também sonha.
Ele se vê num ambiente em que não consegue enxergar nitidamente as coisas, tudo parece meio borrado, como se houvesse uma nuvem de vapor quente ao seu redor, mas logo se descobre na mesma fazenda e mais adiante ele a vê, sua deusa menina: Eva.
— Que bom que consegui te encontrar Lucas!
— Você está... Tão linda! Quer dizer... Você é sempre linda!
— Eu tenho uma coisa muito séria pra te contar.
Lucas quase não prestava atenção às palavras proferidas, a beleza de Eva o deixava distraído e paralisado ao mesmo tempo.
— Lucas!
— Desculpa! O que você dizia mesmo?
— Que tenho uma coisa importante pra dizer! Os amiguinhos de sua irmã não são o que parecem!
— Os amiguinhos imaginários dela?
— Não são imaginários Lucas!
— Claro que são! Ela fala com seus brinquedos e...
— Eles são tão imaginários quanto eu!
— Mas eu estou quase achando que você também é imaginária.
— Não! Eu sou um espírito!
— O quê? Você é um fantasma?
— É... Sou!
— Então os amiguinhos de Ceci são fantasmas também? Que nem você?
— Não que nem eu. Eles são perversos e querem levar sua irmã e acho que querem levar seu pai também!
— Por que está falando essas coisas horríveis? Pensei que você gostasse de mim, mas está me assustando!
— Mas Lucas... Eu gosto de você... Você não merece passar por isso, a sua família não merece, por isso estou lhe avisando!
E a garota, apesar de apresentar uma luminosidade que a deixava ainda mais bonita, assumiu um ar triste e lágrimas escorreram de seus olhos. O garoto segurou ternamente em seus ombros, puxou-a e lhe deu um abraço, depois a olhou fixamente e beijou seus lábios. Nisso o chapéu de Eva cai revelando seu segredo e Lucas grita com o susto de ver parte dos lindos cabelos caírem colados ao chapéu deixando à mostra um crânio contendo um imenso buraco com pele repuxada ao redor.
— Não! Não era para você me ver assim!
A menina chorava desesperada.
— O que houve com você?
— Este foi o castigo por trair meu povo! – ela se abaixa e pega de volta o chapéu com seus cabelos.
— Eu ainda não consigo entender direito!
— Venha! Vou te mostrar uma coisa.
Ela pega a mão de Lucas e o faz andar mais alguns metros até poderem vislumbrar uma grande construção, na parte da frente um portão e no alto desse portão um nome escrito com letras de ferro: Fazenda Arianos.
— É o mesmo portão que meu pai encontrou na...
— Sim, agora olha aquela casa... Assim que você acordar vá até a mesa da sala e veja os esboços de seu pai.
Enquanto falava isso Eva ia ficando transparente, assim como todas as coisas ao redor deles.
— Eva...
— Cuide de sua irmã, cuide de sua família...
Ela estica a mão e chega a tocar na ponta dos dedos do garoto um pouco antes de sumir.
Lucas acorda, levanta-se, vai até a sala fazendo o mínimo de barulho e assustado percebe os esboços perfeitos de uma pessoa que não tinha talento algum para o desenho. Os esboços nada mais eram do que a descrição exata da mansão que Lucas vira em seu sonho, inclusive o portão ornado com as mesmas letras: Fazenda Arianos. Suas mãos tremiam enquanto folheavam os papéis, não era possível que seu pai aprendera a desenhar da noite pro dia, aquilo era assustador. Mais assustador ainda era a possibilidade de Eva estar certa, ela disse que aquele era um lugar ruim e seu pai queria reconstruir esse lugar.
De volta ao mundo dos sonhos, mais precisamente ao sonho de Nicolau Heinrich. Lá está ele realizando todos os seus desejos: dinheiro, posses, um futuro garantido para seus familiares, saúde perfeita... Tudo perfeito! No entanto ele havia aprendido que tudo tem um preço e como tudo aquilo era extremamente caro, o valor a pagar também deveria ser. Viu-se em pé no meio da estrada de terra que dava acesso à entrada da fazenda, em vez da porteira de madeira apresentava-se imponente um portão de aço inoxidável tão brilhante ao sol que deveria ser visto a centenas de metros. Na parte de cima a inscrição com o antigo nome da fazenda. Logo ao atravessar ele contempla os operários da construção civil terminarem os últimos ajustes de acabamento na fachada do casarão. Breve iria m****r trazer os móveis. Sabia que Amanda reclamaria de gastar tanto numa casa de fazenda, mas ele esperava ficar mais tempo por ali, não seriam visitas esporádicas, pensou até mesmo levar Isabella para fazerem um fim de semana de curtição. Um esboço de sorriso surgiu em seu rosto e já ia começar a imaginar-se com a secretária quando uma mão tocou-lhe o ombro esquerdo.
— Vai ficar tudo muito lindo, você vai ver!
Era uma linda jovem loira – de onde viera? – tinha um rosto familiar, mas Nick não conseguia lembrar quem era.
— Oi moça. Quem é...
Antes de terminar sua pergunta Nick é surpreendido por um homem alto e magro, muito simpático e deveria ter aproximadamente a mesma idade que ele. Usava uma roupa alinhada, bonita, mas um tanto quanto antiquada, inclusive uma boina daquelas que só costuma ver algum idoso usando.
— O importante é quem você quer ser!
— Quem é você, aliás, quem são vocês?
Ao virar-se percebeu mais adiante outras pessoas, todas risonhas e estavam espalhadas pela propriedade, parecia um grupo de imigrantes europeus, alemães talvez. Nick achou estranho e perguntou mais uma vez:
— Quem são e o que estão fazendo em minha propriedade?
— Ah, ah, ah, ah, ah!
O homem riu e contagiou os demais.
— Você ainda não entendeu, não é homem?
— Não mesmo! O que querem? Isso é uma invasão?
— Invasão? Nada disso meu jovem!
Era estranho ver um sujeito que talvez fosse até mais novo que Nick falar daquele jeito. E como se fosse dono do local o sujeito indicou a outro que trouxesse uma cadeira – que havia surgido do nada – para Nick sentar. Ele sentou, cruzou os braços e disse:
— Muito bem, estou esperando.
A mesma bonita moça lhe ofereceu um copo com whisky e logo o sujeito já estava sentado em outra confortável cadeira ao seu lado, também trazia às mãos um copo com a mesma bebida, ele sorveu um pouco do líquido.
— Este lugar é um santuário pertencente à minha família há gerações.
— Vocês são parentes do pessoal que morava aqui, é isso?
— Não bobinho... — a garota fala docemente ao ouvido do empresário.
— O que a minha doce sobrinha quer dizer é que nós não somos parentes dos que moravam aqui. Nós realmente moramos aqui!
— Como... Como assim?
— Vivemos nessas terras desde... sempre!
— Vocês moram aqui? Que absurdo é esse?
— Nossos descendentes acabaram se tornando uma decepção, tanto que quiseram sair daqui e abandonar tudo isso.
O homem levantou-se, abriu os braços e rodopiou deixando escapar do copo parte da bebida.
— Não é justo que nosso patrimônio seja entregue a qualquer um.
— Não... eu te entendo. – Nick acabou se afeiçoando com o homem jovial à sua frente.
— Nós escolhemos você!
— Eu?
— Sim! Você é perfeito! Você também tem origem alemã, não tem?
— Tenho sim.
— Então! Estamos todos em família aqui! Você e seus filhos são bem-vindos!
— Deixa ver se eu entendi direito: Vocês são as pessoas que moraram aqui e vocês de alguma forma deram um jeito de eu vir aqui comprar a fazenda... Vocês estão me influenciando para que eu reconstrua o casarão também?
— Ora... Veja que linda casa meu amigo!
Os dois em pé vislumbram a construção.
— É... De fato acho que quero... Acho não! Eu quero de verdade morar aí!
— É assim que se fala! Sigfrid! Traga mais uma bebida para nosso compatriota, aliás... Nosso parente!
De repente Nick se viu cercado daquela gente sorridente e gentil, sentiu-se realmente fazendo parte daquilo, daquela fazenda, daquela família. Olhou e viu todos segurando copos.
— E então Nick Heinrich? Vamos continuar nossa empreitada?
— Sim! É o que eu mais quero!
— Isso! Então vamos todos fazer um brinde ao Nick e sua família, que agora também fazem parte da nossa!
E todos ergueram seus copos e gritaram alto chocando seus copos e canecas uns contra os outros.
— Ein Prost ausbringen! (um brinde à sua saúde!)
Nesse momento apareceram várias crianças correndo e brincando por todos os lugares, parecia mesmo uma grande e feliz família, todos muito parecidos, loiros e de pele branca. Nick ficou ali parado olhando á sua volta e viu sua pequena Ceci de mãos dadas com outras meninas e meninos de sua idade, estava feliz também. Mais adiante não acreditou no que viu: Lucas sentado numa cerca conversando animadamente com uma adolescente loira que usava um chapéu, os dois estavam de mãos dadas e conversavam animadamente. Ficou feliz pelos seus filhos compartilharem de seu sonho, literalmente falando! Mas havia algo errado! Faltava uma pessoa ali: Amanda.
Enquanto isso na casa que ainda era a sede da fazenda, no mundo real, encontramos um atônito Lucas voltando como um zumbi inexpressivo para o seu quarto, se não estivesse tão assustado com suas descobertas ele poderia ouvir o ruído dos passos que o seguiam.
O vulto havia parado em frente aos esboços desenhados milagrosamente por Nick e também se assombrara com o que viu, o ser andava com desenvoltura de quem já estava acostumado com o local, na verdade, não imaginou ser o jovem Lucas o responsável pelos ruídos que ouvira e o fizera sair de seu repouso. Aquele ser esguio seguiu uma trilha de ruídos que indicava a sala de estar, foi quando viu o garoto parado olhando os papéis na mesa. Lucas entrou em seu quarto e fechou a porta no instante em que um trovão clareava parte da casa revelando a pessoa oculta nas sombras, era Antônia.
Novamente o barulho de passos. Antônia com seu olhar assustado tenta apurar o ouvido para saber de onde vinham a irritante passeata de pezinhos, sim, pezinhos! E eles corriam! Iam agora pelo corredor, o mesmo onde ficavam: o quarto de Lucas, o quarto de Ceci e o de hóspedes, mas tudo ali era escuro e assustador. Novamente o barulho dos passos desafiava Antônia e ela seguiu sem conseguir ver viva alma no caminho, chegou até o final, onde havia uma parede e uma porta, porta esta trancada. Antônia ainda pensou ouvir um sorrisinho irônico, mas ela estava cansada e sabia que aquela busca não ia dar em nada. Cabisbaixa e derrotada ela voltou ao seu quarto nos fundos da casa, desabou na cama e dormiu.
Mais um trovão lá fora anuncia a chegada de outra chuva forte.
A chuva veio acompanhada de um vento frio e ruidoso, de raios e seus trovões, fato este que causava uma alternância entre escuridão e extrema claridade.Dentro da sede da fazenda, mais precisamente num dos quartos dos fundos reservados aos empregados, Antônia está acordada. Tensa ela olha para os papéis espalhados em sua cama, cada um com um desenho diferente, qualquer um olhando atentamente perceberá que se trata de trabalhos de pessoas diferentes, neste caso, de crianças diferentes, os traços e até as palavras escritas em alguns deles deixam como prova que não foi apenas Ceci que os fez, mas que seus amiguinhos também participaram.O primeiro desenho foi feito claramente pela menina Cecília: mostra ela mesma no centro, ao lado de seu palhacinho de pano e de uma garota com um vestidinho rosa.No segundo desenho aparece um menino
— Querido... Acorde!— O quê? Mas onde...— Bobinho... Você dormiu de novo no escritório!— Isabella? Mas e a fazenda, minha filha...— Já faz quase um mês que vocês voltaram Nick. Está tudo bem, você não se lembra? A sua filhinha só estava brincando de esconde-esconde e acabou dormindo debaixo da cama!— É... e assim que a chuva parou voltamos para cá.— Isso mesmo! Agora vamos voltar ao presente. Lembra do que conversamos lá na fazenda?— Sobre... – e Nick abaixou o tom de voz para evitar que as paredes do escritório os ouvissem – a possibilidade de estarem me dando um golpe?— Sim... Tenho quase certeza de que estou na pista certa, me dê uma semana e te digo qual de seus sócios está te traindo. Agora, por que não aproveita pa
O mais correto era ele ter ficado em casa ajudando a procurar a pequenina, pois provavelmente ela estaria lá mesmo, em seu próprio quarto, no entanto, Genival experimentava sensações que nunca havia sentido, pelo menos não naquela intensidade, sentia um alerta de perigo e era como se uma força o impulsionasse para a pequena floresta existente a uns duzentos metros dos fundos da casa.A chuva engrossara de tal forma que era difícil enxergar e até mesmo se mover e foi por meio de uma visão turva que ele identificou um vulto movimentando rapidamente em direção às árvores. Um vulto pequeno, todo borrado, mas uma coisa era certa: uma mancha amarelada tremulava ao vento, os cabelos loiros de Ceci.— Menina Ceci! – gritou o funcionário da fazenda.Como em resposta a garotinha parou, virou-se e acenou.Dentro da casa a situaç&atild
Amanda chegou à porta de seu quarto, girou levemente a maçaneta, ela esperava encontrar a filhinha escondida debaixo da cama, num daqueles acessos de brincadeiras inconseqüentes que as crianças fazem de vez em quando. Ela a princípio ficaria furiosa, mas perdoaria a filha.— Ceci? Cecília minha filhinha, já está na hora de parar com essa brincadeira! Mamãe está aqui!A luz azulada da tempestade lá fora iluminava mais que a vela que trazia consigo, mas nada, nada de Ceci. Estava disposta a olhar cada canto minuciosamente quando ouviu um gemido. Era sua filha? Estaria machucada?— Mamãe? É a senhora?A voz estava meio abafada e parecia vir da suíte.No andar de baixo Joselina lembra-se de que a filha tinha uma lanterna, já que a que ficava na cozinha havia desaparecido, abriu uma gaveta e l&aa
Nick tenta mais uma vez abrir os olhos, era inútil, era como se algo muito pesado impedisse que suas pálpebras se abrissem. Tentou mexer-se e novamente foi em vão. Outra tentativa foi gritar por socorro e, assim como os olhos, algo também pesava sobre sua boca e garganta. Seu fim era este? Num instante estava de volta à sua casa na cidade, no instante seguinte estava num lugar frio, escuro e que o deixava imobilizado. Tentava pensar, organizar os acontecimentos, no entanto era muito difícil pensar, apenas uma coisa importava naquele momento: sair dali.Joselina estava parada olhando aquela parede, aquele horripilante mural com desenhos infantis e propósitos malignos. E as letras? Letras redondas e bem feitas, como de uma criança que treinava bastante a caligrafia. Com um nó na garganta ela observa o final da frase feita com giz de cera, o trecho onde dizia que sua filha havia sido v&
Amanda aproxima-se da banheira para ver o vulto que parecia estar com sua filha. De passos lentos e cuidadosos ela avança. Um raio caído lá fora, na tempestade, ilumina o ambiente e o brilho da faca ofusca a visão da mulher. Pode ver também que sua filha estava realmente lá, e junto com ela uma moça que não tinha ainda trinta anos, era de uma beleza exótica e seu rosto lhe era familiar.Joselina está parada no meio do quarto da filha, de um lado o mural perverso com desenhos das crianças fantasmas e um recado macabro, do outro, uma figura comprida, usando uma mortalha preta e um véu também negro. Era ela, só podia ser! Era a Antônia. Sua filha havia voltado para casa e estava viva. Isso era o que desejava com todas as forças o seu coração, mas aquela pessoa que estava ali, apesar da semelhança, parecia
Nick está na praia, sente o calor, o cheiro de maresia, o barulho das ondas... Fazia tempos que não aproveitava o seu tempo com a família, não só o pessoal de sua casa, mas os tios e primos. Era muito tímido e não brincava muito com os parentes. Ele era o mais novo e por isso não lhe davam muita importância, mas naquele dia as coisas iam mudar, sentia isso. Quatro meninos e duas meninas, todos mais velhos, adolescentes e o pequeno Nick possuía naquela ocasião apenas dez anos. — Vejam só! É o pequeno com o cabeção! Um dos garotos faz gozação, mas é interrompido por outro que lhe fala algo no ouvido. — Sabe Nick... A gente fez uma competição e eu sou o re
Os olhos de Joselina ardiam depois de tanto chorar. Continuava algemada na cadeira e via figuras incomuns a sua frente:Um casal com uma boa aparência, ao contrário dos demais, pareciam seres iluminados, eles traziam junto a si a garotinha que Joselina havia resgatado de um monstro asqueroso metade homem, metade molusco, aquela menina seria a representação de sua infância sofrida;Numa cama em estado sonolento a adolescente de nome Flora, uma jovem que se viu obrigada a entrar para a prostituição. Novamente uma versão de outra fase de sua vida;Ao lado de Flora, segurando maldosamente o seu corpo, está um homem conhecido como Senhor “T”. O sujeito era um dos proprietários do bordel onde Flora era escravizada. Veste-se com um grosseiro traje feito de couro negro, com adereços metálicos, de suas costas, curiosamente ainda saem filetes de fumaça, co