— Sr. Sílvio, não precisa ser tão extremo, precisa? O senhor sabe que a senhora passou por um transplante de fígado e, quando recuperou a memória, ficou completamente desestabilizada. — Disse Leopoldo, franzindo a testa. Ele sabia que não deveria interferir, mas não conseguiu se conter. — Se a senhora descobrir toda a verdade, acho que vocês dois nunca mais terão chance.Sílvio sentiu a garganta apertar, o peso das palavras sufocando-o. Lágrimas escaldantes deslizavam por seu rosto, caindo sobre o lençol e formando pequenas manchas, como flores desbotadas:— Se o ódio for o que a faz crescer e viver melhor, então eu posso morrer em paz.— Sr. Sílvio, eu entendo que sua intenção seja boa, mas o senhor precisa pensar melhor no que está fazendo. Vocês passaram por tantas dificuldades juntos. E se, por acaso, o senhor sobreviver? E se, quando isso acontecer, ela já tiver ido embora? Você vai se arrepender, e não terá ninguém ao seu lado. Eu ainda acho que o melhor seria ela ficar com você,
O sangue escorria, vermelho vivo, como uma ferida aberta para o mundo. Lúcia se ajoelhava sem parar diante de Sílvio, batendo a cabeça contra o chão, implorando que ele salvasse seu pai. Mas nada adiantou. Seu pai morreu. E morreu na noite de Natal.A mãe da Lúcia, tomada por uma fúria cega, a chamou de ingrata, uma verdadeira traidora que havia levado o pai à morte e arrastado junto toda a família Baptista para o abismo.Naquela noite, que deveria ser de união e alegria, a tragédia tomou conta. Enquanto os fogos de artifício iluminavam o céu e as famílias brindavam em harmonia, a casa dela se desmoronava.No dia seguinte, sua mãe faleceu no caminho de volta do enterro. O fígado da Lúcia havia sido removido à força por Sílvio, mas, mesmo assim, a mulher parecia ter perdido a vontade de viver. Ele a manteve presa, cercada por grades invisíveis de manipulação e controle, até que, num ato de desespero, ela se jogou da sacada da mansão dele. Mas nem isso funcionou. Ela não morreu.Ela foi
— O que você quer dizer com isso? — Lúcia franziu a testa, sentindo que algo estava terrivelmente errado.Paulo a encarou com o rosto marcado pela culpa, as lágrimas escorrendo por sua pele envelhecida. Ele soltou um suspiro pesado, como se carregasse o peso de décadas em suas costas.— Senhorita, acho que você já deve imaginar o que vou dizer.— O incêndio na família Medeiros, anos atrás... não foi você quem provocou?— Fui eu. Mas o Sr. Abelardo não teve nada a ver com isso.A revelação caiu como uma bomba. Lúcia sentiu sua mente se despedaçar. Por um momento, ficou imóvel, sem saber como processar aquela informação. Os pais de Sílvio morreram, mas seu pai não era o culpado? Isso significava que toda a vingança de Sílvio havia sido direcionada à pessoa errada?O choque foi tão grande que Lúcia começou a balançar a cabeça, como se quisesse afastar a realidade. Murmurou, incrédula:— Não pode ser. No dia do acidente, o pai de Sílvio foi atropelado pelo meu pai. Ele o atingiu com tanta
Lúcia a encarou, a voz presa na garganta, mas respirou fundo e devolveu a pergunta:— Por que você fez tudo isso?Giovana soltou uma risada amarga, inclinando a cabeça, com o olhar vazio, como se já estivesse pronta para o fim:— Quem diria, hein? Amanhã me matam, e no final das contas, só você veio me ver. Lúcia, você não acha que isso é destino? Desde pequenas nos conhecemos. E agora, no meu último dia de vida, é você quem vem me dar o adeus.— Eu perguntei por quê! — Lúcia gritou, sua voz carregada de dor e raiva.Giovana a olhou com desdém, mantendo a frieza de quem já perdeu tudo, até o medo da morte:— Não está com Sílvio? Veio até aqui para fazer essas perguntas inúteis? Isso só pode significar que você lembrou de tudo. Que bom... agora podemos sofrer juntas.Lúcia mordeu os lábios, tentando controlar as lágrimas que já escorriam:— Por que você se tornou essa pessoa? A Giovana que eu me lembro não era assim. Você era como um girassol que crescia no meio da lama, sempre virada p
Giovana parecia perdida em pensamentos distantes, como se revivesse memórias enterradas há muito tempo. Um sorriso pálido e amargo surgiu em seu rosto:— O destino sempre gosta de brincar com quem já nasceu sofrendo, não é? Quando voltei para a família Fonseca, achei que minha vida ia mudar. Achei que teria vestidos bonitos, leite quente no café da manhã, uma casa enorme com jardim e um motorista me levando para a escola. Achei que finalmente teria um futuro. Mas não foi assim. Quando me aceitaram de volta, me transformaram em um lixo. Era humilhada, espancada. Comia restos, dormia no canil. Por causa da minha origem, ninguém ali me respeitava. Eu era como lama no chão. Eles queriam que eu fosse embora. Mas para onde eu iria? Meu pai estava morto, minha mãe presa. Eu não tinha para onde ir.Giovana parou por um instante, os olhos fixos em algo invisível, como se estivesse revivendo cada detalhe:— Você sabe como as pessoas da família Fonseca podem ser cruéis? Eu virava empregada deles
— Para te proteger, ele me usou para matar Arthur. Tudo o que eu te fiz de mal, ele devolveu para mim, na mesma moeda. Lúcia, você não acha que isso é o que chamam de karma? — Continuou Giovana.Lúcia a encarou friamente, com os olhos arregalados, como se não conseguisse acreditar no que ouvia:— Só porque sua vida foi uma desgraça, só porque teve inveja, você achou que podia fazer essas coisas monstruosas?— Lúcia, não subestime o poder da inveja entre mulheres. Ela pode matar. — Giovana sorriu, mas as lágrimas corriam por seu rosto marcado, como lágrimas de crocodilo. — A única pessoa em quem confiei na vida foi Sílvio. O tempo que passei com ele foi o único momento em que senti algo parecido com felicidade. Mesmo que esses momentos tenham sido roubados com o seu nome, ainda assim, quando penso nisso, meu coração acelera. Foi o mais perto que cheguei da felicidade. Achei que depois daquela noite, com Arthur morto, Sílvio finalmente me escolheria. Que ele se casaria comigo.Giovana so
Lúcia desligou o telefone, calçando sandálias, caminhando sob a cortina de chuva. A roupa encharcada colava ao corpo, enquanto os longos cabelos negros, desordenados, grudavam no rosto pálido.Os cantos dos olhos estavam avermelhados, e o olhar perdido, enevoado. De repente, o salto da sandália quebrou. Lúcia tirou o calçado e continuou andando descalça pelo chão molhado. Um pedaço de vidro se enfiou na sola do pé. O sangue vermelho-vivo brotou, mas foi rapidamente lavado e levado pela chuva. Com dores, Lúcia mancava, tentando avançar. Leopoldo, que observava a cena de dentro do carro, teve o impulso de parar e oferecer ajuda, mas sabia muito bem como era o temperamento da senhora. Lúcia preferiria quebrar o pé do que aceitar qualquer gesto vindo de alguém ligado ao Sr. Sílvio.Ele a seguiu até o pequeno apartamento alugado. Assim que Lúcia entrou, Leopoldo ligou para o Sr. Sílvio para relatar a situação. Além disso, mencionou o ferimento no pé dela e enviou algumas fotos tiradas d
Basílio viu quando ela se sentou no banco do passageiro. Seus lábios se curvaram levemente em um sorriso discreto, enquanto ele assumia o volante.O carro seguia pelo trajeto de forma tranquila. O silêncio tomou conta do ambiente e, com uma das mãos no volante, Basílio batucava com os dedos, distraído, enquanto quebrava o gelo:— Lúcia e o Sr. Sílvio terminaram mesmo?— Terminar, tem como fingir? — Lúcia respondeu com os lábios comprimidos, sem demonstrar emoções.Basílio deu um sorriso de canto:— Vocês dois já terminaram e voltaram tantas vezes que eu nem sei mais se devo levar isso a sério.— Desta vez é pra valer. Não tem volta. — Lúcia abaixou os olhos, fixando-os nas pernas cruzadas sobre o vestido. Um sorriso amargo escapou.— Lúcia, teoricamente isso é um assunto só de vocês dois, e eu sou apenas um espectador. Mas, como seu amigo, sinto que deveria aconselhá-la. Se o motivo desse rompimento foi porque o Sr. Sílvio fez algo precipitado para enfrentar um inimigo, talvez valha a