Os olhos de Lúcia estavam tão frios e distantes. Antes de ontem, eles eram como brasas, ardentes e cheios de paixão. Agora, seu olhar era estranho, quase hostil, carregado de rancor.Era algo que Sílvio já esperava, mas isso não impediu seu coração de apertar de forma incontrolável. Só então ele percebeu o quão doloroso era ser encarado de forma tão fria por alguém que se ama.Ele se lembrou da noite anterior, quando ela cortou o pé nos cacos de vidro. Seus olhos recaíram sobre os sapatos de couro preto que ela usava agora:— Mal se machucou e já está usando sapatos tão fechados? Não tem medo de infeccionar?Se fosse antes de recuperar a memória, ouvir a preocupação dele a teria deixado feliz. Mas agora, aquelas palavras a deixavam nauseada.Lúcia ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha e soltou uma risada gelada:— Cuide de você mesmo, Sílvio. Nós estamos divorciados. Você não tem mais o direito de se preocupar comigo.Os advogados presentes na sala, assim como Leopoldo, ficaram s
Sílvio continuava falando, mas Lúcia, já impaciente, não queria ouvir mais nada. Interrompeu-o sem cerimônia:— Sílvio, você tá louco, não é? Eu já disse, nós não temos mais nada. Você não tem o direito de se preocupar comigo.— É, eu sou mesmo louco. — Sílvio soltou uma risada vaga, quase perdida.Aquela troca de palavras o fez lembrar de quando ela tentou lhe contar que estava gravemente doente. Naquela época, ele também respondeu de forma impaciente, perguntando se ela não era "louca". Agora, o destino parecia cobrar sua conta, como facas afiadas perfurando os pontos mais vulneráveis de seu coração.Os olhos de Sílvio começaram a ficar vermelhos, marejados:— Eu sei que você está cansada de mim, mas, mesmo assim, quero que você cuide de si mesma.Ele sabia que o tempo dele estava acabando e que ela precisaria ser forte. Mesmo sem ele, precisava viver bem, com coragem.Lúcia respondeu com frieza cortante:— Meu único desejo agora é que você morra logo. Sílvio, se houver uma próxima v
O carro saiu do hospital e entrou na estrada asfaltada.Basílio segurava o volante com firmeza, mas desviou o olhar para ela por um instante. Sua voz era cálida, e o sorriso, sereno e impecável:— Conseguiu resolver tudo?Lúcia assentiu, apertando a alça da bolsa. Hesitou por alguns segundos antes de levantar o olhar e encará-lo com gratidão:— Obrigada, Sr. Basílio.— Foi só uma carona, Lúcia. Não precisa agradecer tanto. — Ele tentou desviar da importância que ela dava, mas, no fundo, não era apenas uma carona. Ele não tinha nenhum cliente no hospital. Na verdade, tinha ido até lá só para ajudá-la, só para estar mais perto de quem gostava.Claro, ele não tinha a menor intenção de revelar esses detalhes.Lúcia mexeu sutilmente os lábios, como se buscasse palavras:— Não é só isso. O senhor já me ajudou tantas vezes... Se não fosse pela sua generosidade, eu provavelmente já estaria morta. Não sei como agradecer.Era a primeira vez que ela sentia que as palavras eram insuficientes. Um s
Então, Basílio a estava ajudando apenas para que ela fosse ver as rosas?Lúcia ficou confusa. Um pensamento passou rapidamente pela sua mente: será que Basílio gostava dela? Será que o "pagamento" que ele queria era ela mesma?Sem entender de onde vinha essa sensação, ela começou a enxergar as coisas de outro jeito. Um homem não ajudaria tanto uma mulher sem algum tipo de intenção. Não fazia sentido, não havia lógica nisso.Basílio, percebendo claramente o rumo dos pensamentos dela, riu e explicou com calma:— Eu já tenho alguém que gosto. Pedi para você ir porque a garota que eu gosto também ama rosas. Vocês são mulheres, o que você gostar, provavelmente ela também vai gostar.Duas simples frases foram suficientes para dissipar completamente as dúvidas de Lúcia. Claro, ele já tinha alguém. O que ela estava imaginando? Basílio gostar dela? Isso era impossível. Ele era um homem tão bom, tão perfeito, e ela... ela, marcada por tantas feridas, mal era capaz de acreditar em algo como o amo
As luzes do escritório se acenderam de repente.Lúcia levantou os olhos e viu Basílio entrando com uma marmita nas mãos. Ele estava mais casual do que de costume. Nada de terno e gravata. Vestia uma camisa branca impecável, de corte estruturado, e uma calça jeans comprida, desgastada e com alguns rasgos. Os ombros largos e a cintura fina destacavam sua silhueta, que exalava uma tensão irresistível.A camisa estava parcialmente aberta, revelando uma clavícula bem delineada.Lúcia raramente o via vestido assim. Por um breve momento, se perdeu em pensamentos.— Srta. Lúcia, não me reconhece mais? — Ele brincou, balançando uma das mãos grandes diante do rosto dela.Ela rapidamente desviou o olhar e notou o relógio preto em seu pulso. A pele de sua mão era impecável, elegante.— Sr. Basílio, o que faz aqui?— Vim trazer comida para você. — Basílio respondeu com um sorriso fácil, enquanto colocava a marmita sobre a mesa.Com dedos longos e ágeis, ele abriu o recipiente, revelando quatro prat
Desse jeito, a Lúcia com certeza acabaria fugindo com Basílio.Leopoldo sentia um impulso crescente de contar para a Sra. Lúcia que Sílvio estava à beira da morte, que ele não duraria mais do que alguns dias. Queria pedir que ela fosse ao hospital tentar um teste de compatibilidade de medula. E se, por acaso, o dela fosse compatível com a de Sílvio?Mas ele sabia que Sílvio havia deixado ordens claras: não interferir no relacionamento que ela poderia vir a construir com Basílio.Sílvio já tinha cortado todas as possibilidades de reconciliação para forçar Lúcia a seguir em frente. Agora que ela havia recuperado as lembranças, mesmo que ele contasse tudo, não faria diferença.Era triste. Sílvio, tão jovem, havia sacrificado sua saúde e sua vida pelo Grupo Baptista. Agora, não tinha mais nada. Nem dinheiro, nem bens, nem futuro.Nesse momento, o telefone de Leopoldo tocou. Temendo que Lúcia pudesse vê-lo, ele rapidamente se virou e entrou no elevador. Precisava ir ao hospital para verific
Na sala da presidência do Grupo Baptista, Basílio finalmente terminou de revisar a pilha de documentos que Lúcia havia deixado para ele. Quando levantou os olhos, percebeu que ela tinha adormecido sobre a mesa, exausta.A janela de vidro do chão ao teto estava aberta, e uma brisa suave da noite entrava, balançando levemente os papéis sobre a mesa. Embora fosse primavera e o frio do inverno já tivesse diminuído, Basílio franziu o cenho, preocupado que ela pudesse pegar um resfriado.Levantou-se do sofá com passos leves, foi até ela e pegou o trench coat bege que estava pendurado no encosto da cadeira. Cuidadosamente, sem acordá-la, cobriu seus ombros com o casaco.Em seguida, pegou o notebook que estava na frente dela e voltou ao sofá para continuar as anotações e finalizar os trabalhos pendentes. Quando concluiu tudo, olhou para Lúcia, ainda profundamente adormecida, e decidiu carregá-la para fora do Grupo Baptista.A noite estava clara, com poucas estrelas no céu e uma brisa amena que
Lúcia, longe do solo que era Sílvio, murcharia rapidamente. A forma mais simples e eficaz de preservar uma flor é não cortá-la, não separá-la de seu caule.No quarto do hospital, Basílio falava muito. Mas Sílvio, como de costume, permanecia em silêncio, sem dar qualquer sinal de que se importava. Sua expressão fria e apática começava a irritar Basílio.— Você é homem ou não é? — Disparou Basílio, incapaz de se conter. — Lúcia chora por você, sofre por você, e você não acha que deveria fazer alguma coisa?Fazer alguma coisa. Um homem à beira da morte, o que ainda poderia fazer? Sílvio esboçou um sorriso frio, quase zombeteiro:— Acho que as coisas estão boas do jeito que estão.— Sílvio, ouvi dizer que você está procurando um doador de medula. — Basílio se aproximou, o olhar fixo no homem que parecia cada vez mais distante da vida. — Você não tem muito tempo, não é? Se está fazendo isso só para não ser um peso para Lúcia, preciso te dizer: você está sendo arrogante demais. Como pode ter