— O que você quer dizer com isso? — Lúcia franziu a testa, sentindo que algo estava terrivelmente errado.Paulo a encarou com o rosto marcado pela culpa, as lágrimas escorrendo por sua pele envelhecida. Ele soltou um suspiro pesado, como se carregasse o peso de décadas em suas costas.— Senhorita, acho que você já deve imaginar o que vou dizer.— O incêndio na família Medeiros, anos atrás... não foi você quem provocou?— Fui eu. Mas o Sr. Abelardo não teve nada a ver com isso.A revelação caiu como uma bomba. Lúcia sentiu sua mente se despedaçar. Por um momento, ficou imóvel, sem saber como processar aquela informação. Os pais de Sílvio morreram, mas seu pai não era o culpado? Isso significava que toda a vingança de Sílvio havia sido direcionada à pessoa errada?O choque foi tão grande que Lúcia começou a balançar a cabeça, como se quisesse afastar a realidade. Murmurou, incrédula:— Não pode ser. No dia do acidente, o pai de Sílvio foi atropelado pelo meu pai. Ele o atingiu com tanta
Lúcia a encarou, a voz presa na garganta, mas respirou fundo e devolveu a pergunta:— Por que você fez tudo isso?Giovana soltou uma risada amarga, inclinando a cabeça, com o olhar vazio, como se já estivesse pronta para o fim:— Quem diria, hein? Amanhã me matam, e no final das contas, só você veio me ver. Lúcia, você não acha que isso é destino? Desde pequenas nos conhecemos. E agora, no meu último dia de vida, é você quem vem me dar o adeus.— Eu perguntei por quê! — Lúcia gritou, sua voz carregada de dor e raiva.Giovana a olhou com desdém, mantendo a frieza de quem já perdeu tudo, até o medo da morte:— Não está com Sílvio? Veio até aqui para fazer essas perguntas inúteis? Isso só pode significar que você lembrou de tudo. Que bom... agora podemos sofrer juntas.Lúcia mordeu os lábios, tentando controlar as lágrimas que já escorriam:— Por que você se tornou essa pessoa? A Giovana que eu me lembro não era assim. Você era como um girassol que crescia no meio da lama, sempre virada p
Giovana parecia perdida em pensamentos distantes, como se revivesse memórias enterradas há muito tempo. Um sorriso pálido e amargo surgiu em seu rosto:— O destino sempre gosta de brincar com quem já nasceu sofrendo, não é? Quando voltei para a família Fonseca, achei que minha vida ia mudar. Achei que teria vestidos bonitos, leite quente no café da manhã, uma casa enorme com jardim e um motorista me levando para a escola. Achei que finalmente teria um futuro. Mas não foi assim. Quando me aceitaram de volta, me transformaram em um lixo. Era humilhada, espancada. Comia restos, dormia no canil. Por causa da minha origem, ninguém ali me respeitava. Eu era como lama no chão. Eles queriam que eu fosse embora. Mas para onde eu iria? Meu pai estava morto, minha mãe presa. Eu não tinha para onde ir.Giovana parou por um instante, os olhos fixos em algo invisível, como se estivesse revivendo cada detalhe:— Você sabe como as pessoas da família Fonseca podem ser cruéis? Eu virava empregada deles
— Para te proteger, ele me usou para matar Arthur. Tudo o que eu te fiz de mal, ele devolveu para mim, na mesma moeda. Lúcia, você não acha que isso é o que chamam de karma? — Continuou Giovana.Lúcia a encarou friamente, com os olhos arregalados, como se não conseguisse acreditar no que ouvia:— Só porque sua vida foi uma desgraça, só porque teve inveja, você achou que podia fazer essas coisas monstruosas?— Lúcia, não subestime o poder da inveja entre mulheres. Ela pode matar. — Giovana sorriu, mas as lágrimas corriam por seu rosto marcado, como lágrimas de crocodilo. — A única pessoa em quem confiei na vida foi Sílvio. O tempo que passei com ele foi o único momento em que senti algo parecido com felicidade. Mesmo que esses momentos tenham sido roubados com o seu nome, ainda assim, quando penso nisso, meu coração acelera. Foi o mais perto que cheguei da felicidade. Achei que depois daquela noite, com Arthur morto, Sílvio finalmente me escolheria. Que ele se casaria comigo.Giovana so
Lúcia desligou o telefone, calçando sandálias, caminhando sob a cortina de chuva. A roupa encharcada colava ao corpo, enquanto os longos cabelos negros, desordenados, grudavam no rosto pálido.Os cantos dos olhos estavam avermelhados, e o olhar perdido, enevoado. De repente, o salto da sandália quebrou. Lúcia tirou o calçado e continuou andando descalça pelo chão molhado. Um pedaço de vidro se enfiou na sola do pé. O sangue vermelho-vivo brotou, mas foi rapidamente lavado e levado pela chuva. Com dores, Lúcia mancava, tentando avançar. Leopoldo, que observava a cena de dentro do carro, teve o impulso de parar e oferecer ajuda, mas sabia muito bem como era o temperamento da senhora. Lúcia preferiria quebrar o pé do que aceitar qualquer gesto vindo de alguém ligado ao Sr. Sílvio.Ele a seguiu até o pequeno apartamento alugado. Assim que Lúcia entrou, Leopoldo ligou para o Sr. Sílvio para relatar a situação. Além disso, mencionou o ferimento no pé dela e enviou algumas fotos tiradas d
Basílio viu quando ela se sentou no banco do passageiro. Seus lábios se curvaram levemente em um sorriso discreto, enquanto ele assumia o volante.O carro seguia pelo trajeto de forma tranquila. O silêncio tomou conta do ambiente e, com uma das mãos no volante, Basílio batucava com os dedos, distraído, enquanto quebrava o gelo:— Lúcia e o Sr. Sílvio terminaram mesmo?— Terminar, tem como fingir? — Lúcia respondeu com os lábios comprimidos, sem demonstrar emoções.Basílio deu um sorriso de canto:— Vocês dois já terminaram e voltaram tantas vezes que eu nem sei mais se devo levar isso a sério.— Desta vez é pra valer. Não tem volta. — Lúcia abaixou os olhos, fixando-os nas pernas cruzadas sobre o vestido. Um sorriso amargo escapou.— Lúcia, teoricamente isso é um assunto só de vocês dois, e eu sou apenas um espectador. Mas, como seu amigo, sinto que deveria aconselhá-la. Se o motivo desse rompimento foi porque o Sr. Sílvio fez algo precipitado para enfrentar um inimigo, talvez valha a
Os olhos de Lúcia estavam tão frios e distantes. Antes de ontem, eles eram como brasas, ardentes e cheios de paixão. Agora, seu olhar era estranho, quase hostil, carregado de rancor.Era algo que Sílvio já esperava, mas isso não impediu seu coração de apertar de forma incontrolável. Só então ele percebeu o quão doloroso era ser encarado de forma tão fria por alguém que se ama.Ele se lembrou da noite anterior, quando ela cortou o pé nos cacos de vidro. Seus olhos recaíram sobre os sapatos de couro preto que ela usava agora:— Mal se machucou e já está usando sapatos tão fechados? Não tem medo de infeccionar?Se fosse antes de recuperar a memória, ouvir a preocupação dele a teria deixado feliz. Mas agora, aquelas palavras a deixavam nauseada.Lúcia ajeitou uma mecha de cabelo atrás da orelha e soltou uma risada gelada:— Cuide de você mesmo, Sílvio. Nós estamos divorciados. Você não tem mais o direito de se preocupar comigo.Os advogados presentes na sala, assim como Leopoldo, ficaram s
Sílvio continuava falando, mas Lúcia, já impaciente, não queria ouvir mais nada. Interrompeu-o sem cerimônia:— Sílvio, você tá louco, não é? Eu já disse, nós não temos mais nada. Você não tem o direito de se preocupar comigo.— É, eu sou mesmo louco. — Sílvio soltou uma risada vaga, quase perdida.Aquela troca de palavras o fez lembrar de quando ela tentou lhe contar que estava gravemente doente. Naquela época, ele também respondeu de forma impaciente, perguntando se ela não era "louca". Agora, o destino parecia cobrar sua conta, como facas afiadas perfurando os pontos mais vulneráveis de seu coração.Os olhos de Sílvio começaram a ficar vermelhos, marejados:— Eu sei que você está cansada de mim, mas, mesmo assim, quero que você cuide de si mesma.Ele sabia que o tempo dele estava acabando e que ela precisaria ser forte. Mesmo sem ele, precisava viver bem, com coragem.Lúcia respondeu com frieza cortante:— Meu único desejo agora é que você morra logo. Sílvio, se houver uma próxima v